Hérnia de Morgagni
Resumo
1. Definição e Contexto
Rara: 2-5% das hérnias diafragmáticas congênitas (HDC).
Localização: Defeito anterior, retroesternal/parassagital no diafragma (forame de Morgagni).
Lateralidade: Mais comum à direita (90%).
Característica: Geralmente possui saco herniário.
Conteúdo: Omento, cólon, estômago, intestino delgado, fígado.
Associações: Trissomia 21 (mais comum), malformações cardíacas, malrotação intestinal (30-50% dos casos).
2. Apresentação Clínica
Neonatos/Lactentes: Desconforto respiratório agudo (taquipneia, gemência, tiragens, cianose).
Crianças Maiores/Adolescentes: Maioria assintomática (achado incidental). Sintomas inespecíficos: dor torácica/abdominal, náuseas/vômitos, constipação, infecções respiratórias de repetição.
Urgência: Encarceramento ou estrangulamento (raro, mas emergência cirúrgica).
3. Diagnóstico
Radiografia de Tórax (PA e Perfil): Exame inicial. Opacidade/massa paracardíaca anterior (geralmente direita), com alças intestinais e níveis hidroaéreos. Perfil confirma localização anterior.
Tomografia Computadorizada (TC) de Tórax e Abdome: Padrão-ouro. Detalha anatomia, conteúdo e planejamento cirúrgico.
Diagnóstico Diferencial: Eventração diafragmática, tumores do mediastino (teratoma, linfoma), cisto pericárdico/broncogênico, sequestro pulmonar.
4. Manejo e Tratamento Cirúrgico
Indicação: Correção cirúrgica para todos os pacientes, mesmo assintomáticos, devido ao risco de encarceramento/estrangulamento.
Momento:
Sintomáticos: Prontamente após estabilização clínica.
Assintomáticos: Eletivo.
Abordagens:
Minimamente Invasiva (Laparoscopia/Toracoscopia): Abordagem de escolha na maioria dos centros.
Laparotomia (Subcostal): Abordagem aberta tradicional.
Técnica: Redução do conteúdo herniado, excisão do saco herniário, fechamento primário do defeito com suturas não absorvíveis.
5. Cuidados Perioperatórios Essenciais
5.1. Pré-Operatório (Eletivo)
Jejum: Líquidos claros 2h, leite materno 4h, fórmula/sólidos 6-8h.
Acesso Venoso Periférico: Essencial.
Antibioticoprofilaxia:
Cefazolina: 30 mg/kg/dose (máx. 2g), IV, 30-60 min antes da incisão. Repetir se >4h de cirurgia.
5.2. Pós-Operatório Imediato
Monitoramento: Contínuo (cardioscopia, oximetria, PA).
Posicionamento: Decúbito elevado (30-45°).
Hidratação Venosa: Solução de manutenção (Holliday-Segar).
Analgesia Multimodal (IV):
Dipirona: 20-25 mg/kg/dose, IV, a cada 6h (fixo 24-48h).
Cetoprofeno: 1-2 mg/kg/dose, IV, a cada 12h (se sem contraindicação).
Resgate (dor moderada/intensa): Morfina 0,05-0,1 mg/kg/dose, IV, a cada 4h, se necessário.
Dieta: Dieta zero até recuperação da anestesia e retorno do peristaltismo.
Sonda Nasogástrica: Manter aberta em drenagem se instalada, retirar com débito mínimo e retorno do trânsito.
5.3. Transição para Enfermaria
Dieta: Iniciar líquidos sem resíduos após retorno do peristaltismo, progredir conforme tolerância.
Analgesia (VO):
Dipirona: 20-25 mg/kg/dose, VO, a cada 6h.
Ibuprofeno: 10 mg/kg/dose, VO, a cada 6-8h (máx. 40 mg/kg/dia).
Mobilização: Estimular deambulação precoce.
6. Complicações e Prognóstico
Complicações Pós-Op: Atelectasia, íleo paralítico, infecção do sítio cirúrgico.
Recorrência: <5% (principal complicação tardia).
Prognóstico: Excelente após correção cirúrgica.
7. Sinais de Alerta (Orientar a Família)
Procurar atendimento médico imediato se a criança apresentar:
Febre (≥37,8°C)
Vômitos persistentes (especialmente biliosos ou com sangue)
Distensão abdominal progressiva ou endurecimento
Dor intensa não aliviada por analgésicos
Recusa alimentar persistente
Sinais na incisão: vermelhidão intensa, inchaço, calor, secreção purulenta
8. Critérios de Alta Hospitalar
Afebril há ≥24h.
Controle adequado da dor com medicação via oral.
Boa aceitação da dieta oral, sem vômitos.
Trânsito intestinal presente.
Ferida operatória com bom aspecto.
Cuidadores aptos para cuidados domiciliares.
Categoria
Cirurgia pediátrica > Tórax e pulmão > Hérnia de Morgagni
Conduta Completa
1. Definição e Contexto
A Hérnia de Morgagni é uma forma rara de hérnia diafragmática congênita (HDC), correspondendo a 2-5% de todos os casos. Caracteriza-se pela protrusão de conteúdo abdominal para a cavidade torácica através de um defeito no forame de Morgagni, um espaço retroesternal e parassagital anterior no diafragma.
Diferentemente da Hérnia de Bochdalek (posterolateral), a Hérnia de Morgagni é tipicamente anterior, mais comum à direita (90% dos casos) e frequentemente contém um saco herniário.
2. Fisiopatologia
O defeito ocorre por uma falha na fusão da porção esternal com as porções costais do diafragma durante a embriogênese. Isso cria um forame persistente (forame de Morgagni ou hiato de Larrey) por onde as vísceras abdominais podem herniar, impulsionadas pela pressão intra-abdominal.
Os órgãos mais comumente herniados incluem:
Omento maior
Cólon transverso
Estômago
Intestino delgado
Fígado
3. Fatores de Risco e Anomalias Associadas
Embora possa ser um achado isolado, a Hérnia de Morgagni está frequentemente associada a outras condições, especialmente aquelas que aumentam a pressão intra-abdominal ou envolvem anomalias do desenvolvimento.
Anomalias Congênitas (presentes em 30-50% dos casos):
Trissomia 21 (Síndrome de Down) é a associação cromossômica mais comum.
Malformações cardíacas (ex: Tetralogia de Fallot, defeitos do septo ventricular).
Malrotação intestinal.
Anomalias esqueléticas.
Síndrome de Cantrell.
4. Apresentação Clínica
A manifestação clínica varia significativamente com a idade.
Neonatos e Lactentes: Podem apresentar desconforto respiratório agudo, com taquipneia, gemência, tiragens e cianose, mimetizando outras causas de insuficiência respiratória neonatal.
Crianças Maiores e Adolescentes: A maioria dos casos é assintomática, sendo diagnosticada como um achado incidental em exames de imagem realizados por outros motivos. Quando sintomáticos, os achados são inespecíficos e crônicos:
Dor torácica ou abdominal recorrente.
Náuseas e vômitos.
Constipação ou outros sintomas obstrutivos intermitentes.
Infecções respiratórias de repetição.
A complicação aguda com encarceramento ou estrangulamento é rara, mas constitui uma emergência cirúrgica.
5. Diagnóstico
A suspeita diagnóstica é primariamente baseada em exames de imagem.
5.1. Exames de Imagem
Radiografia de Tórax (Póstero-anterior e Perfil): É o exame inicial de escolha. O achado clássico é uma opacidade ou massa paracardíaca anterior, geralmente no ângulo cardiofrênico direito, que pode conter alças intestinais com níveis hidroaéreos. A incidência em perfil é fundamental para confirmar a localização anterior do defeito.
Tomografia Computadorizada (TC) de Tórax e Abdome: É o padrão-ouro para confirmação diagnóstica. A TC detalha a anatomia do defeito, o conteúdo do saco herniário e auxilia no planejamento cirúrgico, além de diferenciar a hérnia de outras massas mediastinais.
5.2. Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial de uma massa no mediastino anterior em crianças deve ser considerado.
| Condição | Características Diferenciais |
|---|---|
| Eventração Diafragmática | Diafragma intacto, porém elevado e com mobilidade paradoxal à inspiração. |
| Tumores do Mediastino | Massas sólidas ou císticas (teratoma, timoma, linfoma) sem continuidade com estruturas abdominais. |
| Cisto Pericárdico/Broncogênico| Lesões bem definidas, de conteúdo líquido/cístico, sem ar ou gordura em seu interior. |
| Sequestro Pulmonar | Massa de tecido pulmonar não funcionante, com suprimento sanguíneo anômalo originado da circulação sistêmica. |
6. Manejo e Tratamento
O tratamento definitivo da Hérnia de Morgagni é a correção cirúrgica.
Indicação: A cirurgia é recomendada para todos os pacientes diagnosticados, mesmo os assintomáticos, devido ao risco potencial de encarceramento e estrangulamento das vísceras herniadas.
Momento da Cirurgia: Em pacientes sintomáticos, a correção deve ser realizada prontamente após a estabilização clínica. Em casos assintomáticos, o procedimento é eletivo.
6.1. Abordagens Cirúrgicas
A escolha da técnica depende da experiência do cirurgião e das características do paciente.
1. Abordagem Minimamente Invasiva (Laparoscopia/Toracoscopia): Atualmente considerada a abordagem de escolha na maioria dos centros pediátricos. Oferece vantagens como menor dor pós-operatória, recuperação mais rápida e melhor resultado estético.
2. Laparotomia (Subcostal): Abordagem aberta tradicional, que permite excelente exposição e manejo do conteúdo herniário.
3. Toracotomia: Menos utilizada, reservada para casos específicos ou quando há dificuldade na abordagem abdominal.
A técnica consiste na redução do conteúdo herniado para a cavidade abdominal, excisão do saco herniário e fechamento primário do defeito diafragmático com suturas não absorvíveis. O uso de telas sintéticas é raramente necessário em pediatria.
7. Complicações
As complicações são raras e a cirurgia é geralmente segura.
Pós-operatórias imediatas: Atelectasia, íleo paralítico, infecção do sítio cirúrgico.
Pós-operatórias tardias: Recorrência da hérnia (incidência <5%), obstrução intestinal por aderências.
8. Prognóstico e Seguimento
O prognóstico após a correção cirúrgica é excelente, com baixíssimas taxas de morbidade e mortalidade. O prognóstico em longo prazo é geralmente determinado pela presença e gravidade das anomalias congênitas associadas.
O seguimento pós-operatório é clínico, com foco na identificação de sinais de recorrência, como dor ou sintomas obstrutivos, não sendo necessários exames de imagem de rotina na ausência de sintomas.
9. Referências
1. AL-SALEM, A. H. Congenital Morgagni’s Hernia: A National Study. Journal of Pediatric Surgery, v. 56, n. 11, p. 2033-2037, 2021.
2. ARSLAN, S.; CIFTCI, I.; KARDAK, A. T. Management of Morgagni Hernia: A Single-Center Experience. Pediatric Surgery International, v. 37, n. 8, p. 1105-1110, 2021.
3. GARRIBOLI, M.; et al. The management of Morgagni hernia: a single-centre 20-year experience. Pediatric Surgery International, v. 37, n. 1, p. 107-112, 2021.
4. GOLDBERG, H.; et al. Morgagni Hernia: A Single Institution’s Experience with a Rare Diaphragmatic Hernia. The American Surgeon, v. 87, n. 8, p. 1269-1273, 2021.
5. STAERKLE, R. F.; et al. The surgical management of congenital diaphragmatic hernia: A systematic review and meta-analysis of the evidence. Journal of Pediatric Surgery*, v. 56, n. 10, p. 1707-1715, 2021.
Tratamento
1. Orientações ao Prescritor
O manejo da Hérnia de Morgagni é cirúrgico. As prescrições abaixo servem como um guia para os cuidados perioperatórios em pacientes pediátricos submetidos à correção eletiva. As doses e condutas devem ser individualizadas conforme o peso, a idade e as condições clínicas do paciente.
2. Cuidados Pré-Operatórios (Paciente Eletivo)
Jejum (conforme protocolo institucional):
Líquidos claros: 2 horas
Leite materno: 4 horas
Fórmula infantil / Leite não humano: 6 horas
Sólidos: 6-8 horas
Acesso Venoso Periférico: Instalar em membro superior, se possível.
Antibioticoprofilaxia Cirúrgica:
Cefazolina: Dose de 30 mg/kg/dose (máximo 2g), IV, administrada 30-60 minutos antes da incisão cirúrgica. Repetir a dose se o procedimento exceder 4 horas.
Exames Pré-operatórios: Hemograma completo, coagulograma e tipagem sanguínea. Outros exames conforme comorbidades (ex: ecocardiograma em pacientes com síndromes associadas).
3. Prescrição Pós-Operatória Imediata (Sala de Recuperação Pós-Anestésica / UTI Pediátrica)
1. Monitoramento contínuo: Cardioscopia, oximetria de pulso, pressão arterial não invasiva.
2. Posicionamento: Decúbito elevado (30-45°) para otimizar a mecânica respiratória.
3. Hidratação Venosa: Solução de manutenção conforme cálculo de Holliday-Segar (ex: Solução Glicosada 5% com Eletrólitos), ajustada ao estado clínico e débito urinário.
4. Analgesia Multimodal (IV):
Base: Dipirona 20-25 mg/kg/dose, IV, a cada 6 horas, em horário fixo nas primeiras 24-48h.
Anti-inflamatório (se não houver contraindicação): Cetoprofeno 1-2 mg/kg/dose, IV, a cada 12 horas.
Resgate para dor moderada a intensa: Morfina 0,05-0,1 mg/kg/dose, IV, a cada 4 horas, se necessário.
5. Dieta: Manter dieta zero até a recuperação da anestesia e avaliação do peristaltismo.
6. Sonda Nasogástrica: Manter aberta em drenagem, se instalada durante o procedimento, para descompressão gástrica. Retirar assim que o débito for mínimo e houver sinais de retorno do trânsito intestinal.
4. Prescrição de Transição (Enfermaria)
1. Dieta: Iniciar dieta líquida sem resíduos após retorno do peristaltismo (ruídos hidroaéreos presentes, ausência de distensão abdominal significativa). Progredir para dieta geral para a idade conforme tolerância.
2. Analgesia de Transição (Via Oral):
Dipirona 20-25 mg/kg/dose, VO, a cada 6 horas, se dor.
Ibuprofeno 10 mg/kg/dose, VO, a cada 6-8 horas (máx. 40 mg/kg/dia), se dor (pode ser alternado com a Dipirona).
3. Cuidados com a Ferida Operatória: Manter curativo limpo e seco por 24-48h. Após esse período, pode ser exposta se estiver seca e sem sinais de infecção. Orientar sobre a higiene local.
4. Mobilização: Estimular a deambulação precoce assim que clinicamente seguro.
5. Sinais de Alerta e Critérios de Alta Hospitalar
5.1. Sinais de Alerta (Orientar a Família)
Instruir os cuidadores a procurar atendimento médico imediato se a criança apresentar:
[ ] Febre (Temperatura axilar ≥37,8°C)
[ ] Vômitos persistentes, esverdeados (biliosos) ou com sangue
[ ] Distensão abdominal progressiva ou endurecimento da barriga
[ ] Dor intensa que não melhora com os analgésicos prescritos
[ ] Recusa alimentar persistente
[ ] Sinais na incisão cirúrgica: vermelhidão intensa, inchaço, calor ou saída de secreção purulenta
5.2. Critérios de Alta
[ ] Afebril há pelo menos 24 horas.
[ ] Controle adequado da dor com medicação via oral.
[ ] Boa aceitação da dieta oral, sem vômitos.
[ ] Trânsito intestinal presente (eliminação de flatos/fezes).
[ ] Ferida operatória com bom aspecto, sem sinais de infecção.
[ ] Cuidadores aptos e seguros para realizar os cuidados em domicílio.
Acesso Interativo
Acesse o conteúdo completo e interativo em Hérnia de Morgagni