Criptorquidia

Resumo

1. Definição e Contexto Essencial Definição: Ausência de um ou ambos os testículos na bolsa escrotal. Anomalia congênita geniturinária masculina mais comum. Prevalência: 3-5% RN a termo; até 30% prematuros. Importância: Temperatura intra-abdominal é deletéria para espermatogênese. Idade Crítica: Descida espontânea ocorre até 6 meses de idade (corrigida). Se não desceu até lá, intervenção é necessária. 2. Diagnóstico Clínico e Diferencial Diagnóstico: Eminentemente clínico (inspeção e palpação). Exame Físico: Ambiente aquecido, criança calma. Palpar da espinha ilíaca anterossuperior em direção ao escroto. Classificação: Palpável (80%): Inguinal, supraescrotal, ectópico. Impalpável (20%): Intra-abdominal, agênico, atrófico. Diferenciação CRÍTICA: Criptorquidia Verdadeira: Testículo não alcança o fundo do escroto ou retrai imediatamente. Escroto pode ser hipoplásico. Testículo Retrátil: Testículo pode ser "ordenhado" para o escroto e permanece lá (reflexo cremastérico exacerbado). Não é criptorquidia verdadeira, não requer cirurgia. Exames Complementares: Imagem (USG, TC, RM): NÃO recomendados de rotina (baixa sensibilidade, não altera conduta). Avaliação Hormonal: Indicada apenas em criptorquidia bilateral impalpável (diferenciar anorquia de testículos intra-abdominais). Laparoscopia: Padrão-ouro para testículos impalpáveis (diagnóstico e terapêutico). 3. Manejo e Tratamento Objetivo: Preservar fertilidade, reduzir risco de malignização, prevenir torção e corrigir hérnia inguinal associada. Observação: Do nascimento até 6 meses de idade. Tratamento Hormonal (hCG): NÃO recomendado como primeira linha (baixa eficácia para criptorquidia verdadeira, potencial apoptose de células germinativas). Tratamento Cirúrgico (Orquidopexia): Tratamento de escolha. Momento Ideal: Entre 6 e 12 meses de idade (máximo 18 meses). Intervenção precoce otimiza potencial testicular. Técnica: Via inguinal para palpáveis; laparoscopia para impalpáveis. 4. Complicações e Prognóstico Complicações (se não tratado ou tratado tardiamente): Infertilidade/Subfertilidade (mais comum, maior em bilateral/tardio). Câncer Testicular: Risco 5-20x maior. Orquidopexia não elimina o risco, mas facilita o autoexame. Torção Testicular. Hérnia Inguinal (até 90%). Trauma. Seguimento: Pós-operatório: Avaliação com cirurgião pediátrico. Longo prazo: Orientar autoexame testicular mensal a partir da puberdade. Testículo Retrátil: Acompanhamento pediátrico anual (monitorar para testículo ascendente). 5. Fluxograma de Manejo Rápido e Orientações 5.1. Avaliação Inicial (Nascimento aos 6 meses) Exame: Palpar cuidadosamente. Diferenciar: Testículo Retrátil: Trazido ao escroto e permanece lá. Criptorquidia: Não alcança o fundo do escroto ou retrai imediatamente. Reavaliar em consultas de puericultura até os 6 meses. 5.2. Critérios de Encaminhamento ao Cirurgião Pediátrico/Urologista Pediátrico Encaminhar aos 6 meses de idade (corrigida) se: Testículo não posicionado consistentemente na bolsa escrotal. Criptorquidia bilateral (palpável ou impalpável). Criptorquidia associada a outras anomalias genitais (ex: hipospádia). Testículo impalpável em qualquer idade após o neonatal. Suspeita de testículo ascendente. NÃO ADIAR O ENCAMINHAMENTO APÓS OS 6 MESES. 5.3. Orientações para a Família Criptorquidia: Explicar a condição, observação até 6 meses, necessidade de cirurgia (orquidopexia) se não descer, importância (fertilidade, câncer, torção), ideal antes de 1 ano. Testículo Retrátil: Explicar que é normal, sem cirurgia, acompanhamento anual. 5.4. Sinais de Alerta para Retorno Imediato (Emergência!) Dor súbita e intensa na região inguinal ou escrotal. Aumento de volume, vermelhidão ou inchaço na região inguinal. Náuseas e vômitos associados à dor na virilha. Pode indicar torção testicular – EMERGÊNCIA CIRÚRGICA.

Categoria

Cirurgia pediátrica > Urologia Cirúrgica > Criptorquidia

Conduta Completa

1. Definição e Contexto A criptorquidia, do grego kryptos (escondido) e orchis (testículo), é a ausência de um ou ambos os testículos na bolsa escrotal. É uma das anomalias genitais mais comuns na população pediátrica masculina. A prevalência é de aproximadamente 3% a 5% em recém-nascidos a termo e pode chegar a 30% a 45% em prematuros. Na maioria dos casos, ocorre a descida testicular espontânea nos primeiros meses de vida, de modo que a incidência cai para cerca de 1% ao final do primeiro ano. A condição é unilateral em 75% a 90% dos casos. É fundamental diferenciar a criptorquidia de outras condições: Testículo Retrátil: Testículo que se localiza fora do escroto, mas pode ser trazido manualmente para uma posição escrotal estável, sem tensão. É uma condição benigna resultante de um reflexo cremastérico hiperativo. Testículo Ectópico: Testículo que, após passar pelo anel inguinal externo, desvia-se do trajeto normal de descida, alojando-se em locais como a região perineal, femoral ou suprapúbica. Testículo Ascendente (Criptorquidia Adquirida): Testículo previamente em posição escrotal que "sobe" e se fixa em uma posição mais alta, geralmente no canal inguinal. 2. Fisiopatologia A descida testicular normal ocorre em duas fases principais. A primeira, transabdominal (da 8ª à 15ª semana de gestação), é controlada pelo fator insulino-símile 3 (INSL3). A segunda, inguino-escrotal (da 25ª à 35ª semana), é dependente de andrógenos. A falha nesse processo pode ser causada por fatores hormonais (disfunção no eixo hipotálamo-hipófise-gonadal), anatômicos (anormalidades do gubernáculo ou do canal inguinal) ou genéticos. A temperatura intra-abdominal, mais elevada que a escrotal, é deletéria para as células germinativas, sendo a base para as complicações de longo prazo. 3. Fatores de Risco Os principais fatores de risco associados à criptorquidia incluem: Prematuridade Baixo peso ao nascer História familiar de criptorquidia Síndromes genéticas (ex: Síndrome de Down, Síndrome de Kallmann) Exposição materna a substâncias com efeito antiandrogênico (ex: pesticidas) Condições associadas, como hipospádia ou paralisia cerebral 4. Apresentação Clínica e Classificação O diagnóstico da criptorquidia é eminentemente clínico, realizado através da inspeção e palpação da bolsa escrotal, idealmente com a criança calma e em ambiente aquecido. O principal sinal é a bolsa escrotal vazia e hipoplásica, unilateral ou bilateralmente. A classificação é baseada na capacidade de palpação do testículo: Testículo Palpável (aprox. 80% dos casos): Geralmente localizado no trajeto inguinal ou supraescrotal. Testículo Não Palpável (aprox. 20% dos casos): Pode estar localizado intra-abdominal, ser atrófico (desaparecido) ou ausente (agenesia). 5. Diagnóstico 5.1. Exame Físico A avaliação deve ser feita em todas as consultas de puericultura. Com a criança em decúbito dorsal e relaxada, o examinador deve palpar desde a espinha ilíaca anterossuperior em direção ao tubérculo púbico e à bolsa escrotal. A manobra para diferenciar de um testículo retrátil consiste em trazê-lo ao escroto e observar se ele permanece na posição após soltá-lo; se retornar imediatamente ao canal inguinal, confirma-se a criptorquidia. 5.2. Exames Complementares Exames de Imagem (Ultrassonografia, TC, RM): Não são recomendados de rotina para localizar testículos não palpáveis devido à baixa sensibilidade e especificidade. A ultrassonografia pode ser útil para identificar testículos no canal inguinal, mas não para os intra-abdominais. Laparoscopia: É o padrão-ouro para o diagnóstico e, muitas vezes, para o tratamento de testículos não palpáveis. Permite a visualização direta da cavidade abdominal, a localização do testículo ou a confirmação de sua ausência. Avaliação Hormonal e Genética: Indicada em casos de criptorquidia bilateral não palpável ou quando associada a outras anomalias genitais (ex: hipospádia, micropênis), para investigar distúrbios da diferenciação sexual, como a hiperplasia adrenal congênita. 5.3. Diagnóstico Diferencial A principal condição a ser diferenciada é o testículo retrátil, que não necessita de intervenção cirúrgica, mas de acompanhamento anual, pois uma pequena porcentagem pode se tornar ascendente. 6. Manejo e Tratamento O objetivo do tratamento é posicionar o testículo na bolsa escrotal para preservar a fertilidade e facilitar a detecção de tumores no futuro. 6.1. Conduta Expectante A descida espontânea pode ocorrer, mas é rara após os 6 meses de idade (ou idade corrigida para prematuros). Portanto, a observação é recomendada apenas no primeiro semestre de vida. 6.2. Tratamento Cirúrgico (Orquidopexia) A orquidopexia é o tratamento de escolha. As diretrizes atuais, incluindo as da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), recomendam que a cirurgia seja realizada entre 6 e 12 meses de idade, e no máximo até os 18 meses. O encaminhamento ao cirurgião ou urologista pediátrico deve ocorrer se o testículo não estiver no escroto aos 6 meses de idade. Testículo Palpável: A cirurgia é realizada por via inguinal. Testículo Não Palpável: A abordagem é por laparoscopia, que pode ser realizada em um ou dois tempos (técnica de Fowler-Stephens), dependendo da altura do testículo e do comprimento dos vasos gonadais. 6.3. Tratamento Hormonal O uso de gonadotrofina coriônica humana (hCG) ou GnRH é desencorajado como tratamento de rotina pela maioria das diretrizes internacionais devido à baixa taxa de sucesso (inferior a 25%) e à falta de evidências de benefícios a longo prazo. 7. Complicações A ausência de correção da criptorquidia está associada a riscos significativos: Infertilidade/Subfertilidade: O risco é maior em casos bilaterais (até 75%) e diminui com a correção precoce. Pacientes com criptorquidia unilateral têm taxas de infertilidade de 30% a 50%. Neoplasia Testicular: O risco de desenvolver câncer de testículo é 5 a 20 vezes maior que na população geral. A orquidopexia não elimina o risco, mas o posicionamento escrotal do testículo permite o autoexame e o diagnóstico precoce. Torção Testicular: Testículos criptorquídicos têm maior risco de torção. Hérnia Inguinal: Um processo vaginal patente está frequentemente associado à criptorquidia. 8. Prognóstico e Seguimento O prognóstico é melhor quanto mais precoce for a correção cirúrgica. Após a orquidopexia, o seguimento com o pediatra e, eventualmente, com o cirurgião é importante para avaliar o posicionamento e o desenvolvimento testicular. Na adolescência, os pacientes devem ser orientados a realizar o autoexame testicular mensalmente devido ao risco aumentado de malignidade. 9. Prevenção Não há medidas preventivas para a criptorquidia. A prevenção secundária, focada em evitar as complicações, baseia-se no diagnóstico precoce através do exame físico neonatal e nas consultas de puericultura, seguido do encaminhamento e tratamento cirúrgico no tempo adequado. 10. Referências 1. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Criptorquidismo: o que o pediatra precisa saber. Departamento Científico de Endocrinologia, 2023. 2. RADMAYR, C. et al. EAU Guidelines on Paediatric Urology. European Association of Urology, 2022. 3. KOLON, T. F. et al. Evaluation and treatment of cryptorchidism: AUA guideline. Journal of Urology, v. 192, n. 2, p. 337-345, 2014. 4. MANUAL MSD. Criptorquidia. Versão para Profissionais de Saúde, 2023. 5. CHAN, E. et al. Ideal timing of orchiopexy: a systematic review. Pediatric Surgery International, v. 30, n. 1, p. 87-97, 2014. 6. BRAGA, F. L.; LORENZO, A. J. Cryptorchidism: A practical review for all community healthcare providers. Canadian Urological Association Journal, v. 11, n. 1-2, p. S26-S30, 2017.

Tratamento

1. Fluxograma de Manejo na Atenção Primária Este guia destina-se ao manejo prático da criptorquidia pelo pediatra, com foco na identificação, acompanhamento inicial e encaminhamento oportuno. Ao Nascimento e no 1º Mês: Realizar exame genital completo em todos os recém-nascidos. Se um ou ambos os testículos não forem palpáveis no escroto: Registrar em prontuário a localização (se palpável) ou a ausência. Orientar a família sobre a possibilidade de descida espontânea nos primeiros meses. Agendar reavaliação. Consulta entre 2 e 6 Meses: Reavaliar a posição testicular em ambiente calmo e aquecido. Tentar diferenciar de testículo retrátil (se o testículo pode ser trazido ao escroto e lá permanece). Se o testículo permanece fora do escroto (criptorquidia confirmada): Conduta: Preparar para encaminhamento. A descida espontânea após esta idade é rara. Aos 6 Meses de Idade (ou Idade Corrigida): Ponto de Decisão Crítico: Se o testículo NÃO está em posição escrotal estável. Ação: Encaminhar para avaliação com Cirurgião Pediátrico ou Urologista Pediátrico. Justificativa: A programação cirúrgica (orquidopexia) é idealmente realizada entre 6 e 12 meses para maximizar o potencial de fertilidade e minimizar riscos. 2. Critérios para Encaminhamento Imediato/Urgente Encaminhar para avaliação especializada com urgência, independentemente da idade, nas seguintes situações: Suspeita de Distúrbio da Diferenciação Sexual (DDS): Criptorquidia bilateral não palpável. Criptorquidia (uni ou bilateral) associada a hipospádia. Criptorquidia associada a micropênis ou genitália ambígua. Suspeita de Complicação Aguda: Dor súbita em região inguinal ou abdominal em paciente com testículo não descido (pode ser torção testicular). Massa inguinal dolorosa e irredutível (pode ser hérnia inguinal encarcerada). 3. Orientações para a Família O que é a Criptorquidia: Explique que é uma condição comum onde o testículo não completou seu caminho até a bolsa escrotal, e que isso não é culpa dos pais. Período de Observação: Informe que é comum esperar até os 6 meses de idade, pois muitos testículos descem sozinhos nesse período. Diferença de Testículo Retrátil: Se for o caso, explique que o testículo "que sobe e desce" (retrátil) é diferente e geralmente não precisa de cirurgia, apenas de acompanhamento. Importância da Cirurgia: Após os 6 meses, explique que a cirurgia (orquidopexia) é necessária para colocar o testículo no lugar correto. Isso é importante para: Preservar a fertilidade futura. Prevenir outros problemas, como hérnias e torção. Facilitar o exame do testículo no futuro para detectar qualquer alteração precocemente. Riscos a Longo Prazo: Mencione de forma clara, mas sem alarmismo, que mesmo com a cirurgia, existe um risco um pouco maior de câncer de testículo na vida adulta. Por isso, a cirurgia é importante para permitir que ele possa fazer o autoexame mensalmente quando for mais velho. 4. Cuidados Pós-Operatórios (Orquidopexia) - Orientações Gerais para o Pediatra Após a cirurgia, o pediatra pode ser procurado para orientações. Os cuidados gerais incluem: Analgesia: Geralmente controlada com analgésicos comuns (dipirona ou paracetamol) nos primeiros 2-3 dias. Curativo: Manter o curativo limpo e seco, conforme orientação do cirurgião (geralmente por 24-48h). Banhos de imersão (banheira) costumam ser evitados na primeira semana. Atividade Física: Repouso relativo. Evitar atividades de impacto, como pular, correr e usar andadores ou brinquedos de montar (cavalinhos, bicicletas) por 2 a 4 semanas, dependendo da orientação cirúrgica. Uso de Fraldas: Manter a troca de fraldas regular para evitar contaminação da ferida operatória. 5. Sinais de Alerta para Retorno (Pós-operatório) Orientar a família a procurar atendimento médico (pronto-socorro ou o cirurgião) se a criança apresentar: Febre (Temperatura axilar ≥ 37,8°C) Sinais de infecção na ferida: vermelhidão intensa, calor local, inchaço progressivo ou saída de secreção purulenta. Sangramento ativo pelo curativo. Dor intensa que não melhora com a medicação prescrita. Edema (inchaço) escrotal muito acentuado ou hematoma extenso.

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