Extrofia Vesical e Epispádia

Resumo

1. Definição e Contexto O que é: Espectro de malformações congênitas raras da linha média, caracterizadas por falha no fechamento da parede abdominal inferior, envolvendo trato urinário, genitália e pelve óssea. Tipo mais comum: Extrofia vesical clássica (1:10.000-50.000 NV), mais frequente em meninos. Fisiopatologia: Falha na migração mesodérmica, resultando em diástase da sínfise púbica e exposição da bexiga. 2. Classificação e Apresentação Clínica Epispádia Isolada: Forma mais branda. Uretra aberta dorsalmente. Bexiga e parede abdominal fechadas. Meninos: Meato uretral dorsal no pênis. Meninas: Clitóris bífido, uretra curta e aberta. Extrofia Vesical Clássica: Bexiga aberta e exposta na parede abdominal inferior (placa vesical). Diástase da sínfise púbica. Meninos: Pênis curto, largo, com epispádia. Meninas: Clitóris bífido, lábios menores separados. Extrofia de Cloaca: Forma mais grave. Exposição de bexiga e segmento do intestino grosso. Ânus imperfurado, genitália ambígua. Frequente associação com outras anomalias. 3. Diagnóstico Pré-natal (USG): Não visualização persistente da bexiga, inserção baixa do cordão umbilical, diástase dos ramos púbicos, massa de tecidos moles na parede abdominal inferior. Pós-natal (Clínico): Inconfundível pela placa vesical exposta, vermelha e drenando urina. Avaliar genitália, diástase púbica e ânus. Exames Complementares: USG de rins e vias urinárias: Avaliar trato urinário superior, descartar hidronefrose. Radiografia de pelve: Avaliar grau de diástase da sínfise púbica. Laboratorial: Hemograma, função renal (ureia, creatinina) basais. 4. Manejo Imediato (Sala de Parto e Neonatal) Proteção da Placa Vesical: Cobrir imediatamente com filme plástico transparente, estéril e não aderente (ex: filme de PVC). NUNCA usar gazes secas ou úmidas. Prevenção de Trauma Umbilical: NÃO usar pinça plástica no coto umbilical. Realizar ligadura com fio de seda ou algodão. Controle Térmico: Manter o neonato aquecido (berço aquecido/incubadora). Posicionamento: Manter em decúbito dorsal. Acesso e Hidratação: Instalar acesso venoso periférico, iniciar hidratação venosa. Acionar Equipe: Comunicar imediatamente Cirurgia Pediátrica ou Urologia Pediátrica. Acolhimento Familiar: Explicar a condição e oferecer suporte. 5. Tratamento Cirúrgico (Princípios) Objetivos ("Três Pilares"): Preservar função renal, alcançar continência urinária, reconstruir genitália funcional e estética. Abordagens Principais: Reconstrução Estagiada (MSRE): Estágio 1 (Fechamento Primário): Preferencialmente nas primeiras 72 horas de vida. Fechamento da bexiga e parede abdominal. Frequentemente requer osteotomia pélvica para aproximar a sínfise púbica. Estágio 2 (Reparo da Epispádia): Aos 6-12 meses. Estágio 3 (Reconstrução do Colo Vesical): Aos 4-5 anos (para continência). Reconstrução Completa Primária (CPRE): Em um único tempo cirúrgico no período neonatal (fechamento da bexiga + reparo da epispádia). 6. Cuidados Pós-operatórios Essenciais Imobilização: Manter tração de Bryant ou gesso pélvico (espica) por 3 a 4 semanas para estabilidade pélvica e cicatrização. Manejo da Dor: Analgesia escalonada: Paracetamol (10-15 mg/kg/dose, 6/6h) e/ou Dipirona (20 mg/kg/dose, 6/6h). Opioides (ex: Morfina 0,05-0,1 mg/kg/dose, 4/4h) nos primeiros dias. Antiespasmódicos: Oxibutinina (0,1-0,2 mg/kg/dose, 8/8h ou 12/12h) para prevenir espasmos vesicais. Drenagem Urinária: Manter a perviedade dos cateteres (cistostomia, stents ureterais) é CRÍTICO. Monitorar débito e aspecto da urina. Lavagem com salina 0,9% estéril apenas sob orientação. Antibioticoprofilaxia: Manter com Cefalosporina de 1ª geração ou Ampicilina em dose profilática enquanto houver cateteres. Cuidados com a Ferida: Manter curativo limpo e seco. 7. Sinais de Alerta e Complicações (Acionar Urgência) Febre: Temperatura axilar ≥37,8°C. Sinais de infecção na ferida: Hiperemia intensa, calor local, edema progressivo, secreção purulenta. Alterações no débito urinário: Diminuição ou ausência de drenagem pelos cateteres. Dor intensa ou irritabilidade inconsolável. Distensão abdominal ou vômitos. Sangramento ativo pela ferida operatória ou hematúria franca. Qualquer sinal de deiscência (abertura) da sutura abdominal ou da bexiga (CRÍTICO). Complicações Tardias: Incontinência urinária (muito comum), Refluxo Vesicoureteral (quase todos), risco aumentado de adenocarcinoma de bexiga na vida adulta (exige vigilância a longo prazo). 8. Prognóstico e Seguimento Acompanhamento: Multidisciplinar e vitalício (urologia pediátrica, nefrologia, ortopedia, psicologia). Monitoramento: Função renal, capacidade e complacência vesical (urodinâmica). Prognóstico: Com manejo adequado, a maioria alcança continência, função sexual satisfatória e boa qualidade de vida.

Categoria

Cirurgia pediátrica > Urologia Cirúrgica > Extrofia Vesical e Epispádia

Conduta Completa

1. Definição e Contexto O Complexo Extrofia Vesical-Epispádia (CEVE) representa um espectro de malformações congênitas raras da linha média, caracterizadas por uma falha no fechamento da parede abdominal inferior. Essa anomalia envolve o trato urinário, a genitália externa, a parede abdominal, a pelve óssea e a musculatura pélvica. A apresentação varia desde a epispádia isolada até a extrofia de cloaca, a forma mais grave. A extrofia vesical clássica é o subtipo mais comum, com incidência estimada entre 1 em 10.000 a 1 em 50.000 nascidos vivos, sendo significativamente mais frequente no sexo masculino, numa proporção de 2,3 a 6:1. O risco de recorrência familiar é baixo, mas aumenta para 1 em 100 em famílias com um filho afetado. 2. Fisiopatologia Acredita-se que o CEVE resulte de uma falha na migração do mesoderma entre as camadas ectodérmica e endodérmica da membrana cloacal durante o desenvolvimento embrionário. Essa falha impede a formação adequada da parede abdominal infraumbilical, da musculatura e dos ossos pélvicos, levando à exposição da mucosa vesical. A pelve óssea apresenta uma diástase (separação) da sínfise púbica, que é um achado característico. 3. Classificação e Apresentação Clínica O CEVE é um espectro de anomalias com diferentes graus de severidade. | Tipo | Características Clínicas | |---|---| | Epispádia Isolada | Forma mais branda. A bexiga e a parede abdominal estão fechadas. A uretra é aberta em sua face dorsal. Em meninos, o meato uretral se localiza dorsalmente no pênis. Em meninas, o clitóris é bífido e a uretra é curta e aberta. | | Extrofia Vesical Clássica | A bexiga está aberta e exposta na parede abdominal inferior (placa vesical). O umbigo geralmente está em posição baixa. Há diástase da sínfise púbica. Nos meninos: pênis curto, largo e com epispádia. Nas meninas: clitóris bífido, lábios menores separados e vagina geralmente estreita e anteriorizada. | | Extrofia de Cloaca | Forma mais grave e rara. Envolve a exposição da bexiga e de um segmento do intestino grosso (ceco) na parede abdominal. O ânus é imperfurado e a genitália é ambígua. Associa-se frequentemente a outras anomalias, como defeitos da coluna vertebral. | 4. Diagnóstico 4.1. Diagnóstico Pré-natal A suspeita pode ser levantada durante a ultrassonografia gestacional. Os achados incluem: Não visualização persistente da bexiga Inserção baixa do cordão umbilical Genitália externa anormal Diástase dos ramos púbicos Presença de massa de tecidos moles na parede abdominal inferior 4.2. Diagnóstico Pós-natal O diagnóstico é clínico, baseado no exame físico do recém-nascido. A aparência da placa vesical exposta, vermelha e drenando urina constantemente, é inconfundível. A avaliação deve incluir a inspeção detalhada da genitália, a palpação da diástase púbica e a verificação da posição do ânus. 4.3. Exames Complementares Ultrassonografia de rins e vias urinárias: Essencial para avaliar a integridade do trato urinário superior e descartar hidronefrose. Radiografia de pelve: Avalia o grau de diástase da sínfise púbica, importante para o planejamento cirúrgico. Avaliação laboratorial: Hemograma e função renal (ureia e creatinina) basais são recomendados. 5. Manejo Inicial (Sala de Parto e Neonatal) O manejo imediato visa proteger a placa vesical exposta e preparar o neonato para a cirurgia. Proteção da Placa Vesical: Cobrir a mucosa vesical com um filme plástico transparente e não aderente (ex: filme de PVC estéril). Não usar gazes secas ou úmidas, pois podem aderir e traumatizar a mucosa. Prevenção de Trauma: Evitar o uso de pinças plásticas no coto umbilical; preferir ligadura com fio de seda para não lesionar a bexiga adjacente. Controle Térmico: Manter o recém-nascido aquecido, pois a área exposta contribui para a perda de calor. Transferência: O neonato deve ser transferido para um centro terciário com experiência em cirurgia urológica pediátrica complexa. 6. Tratamento Cirúrgico O tratamento é eminentemente cirúrgico e visa atingir os "três pilares" do manejo: preservar a função renal, alcançar a continência urinária e reconstruir uma genitália funcional e esteticamente aceitável. 6.1. Abordagens Cirúrgicas Existem duas estratégias principais, e a escolha depende da experiência do centro e da anatomia do paciente: Reconstrução Estagiada (Modern Staged Repair of Exstrophy - MSRE): Realizada em três etapas. Estágio 1 (Fechamento Primário): Realizado preferencialmente nas primeiras 72 horas de vida. Consiste no fechamento da bexiga e da parede abdominal. Frequentemente requer osteotomia pélvica para aproximar a sínfise púbica e reduzir a tensão na sutura. Estágio 2 (Reparo da Epispádia): Realizado por volta dos 6-12 meses de idade, focado na reconstrução da uretra. Estágio 3 (Reconstrução do Colo Vesical): Realizada aos 4-5 anos, quando a criança está pronta para o treinamento esfincteriano, visando a continência. Reconstrução Completa Primária (Complete Primary Repair of Exstrophy - CPRE): Abordagem em um único tempo cirúrgico, realizada no período neonatal, que combina o fechamento da bexiga, o reparo da epispádia e, por vezes, o reimplante ureteral. 7. Manejo Pós-operatório e Seguimento O cuidado pós-operatório é crucial para o sucesso da reconstrução. Imobilização: A imobilização pélvica é fundamental para prevenir a deiscência da ferida. Pode ser feita com tração cutânea (tração de Bryant) ou gesso tipo espica. Manejo da Dor: Analgesia adequada é essencial para evitar agitação e estresse na linha de sutura. Drenagem Urinária: A bexiga é drenada por um cateter de cistostomia e, em alguns casos, stents ureterais para garantir a cicatrização. Antibioticoprofilaxia: Mantida para prevenir infecção do trato urinário e do sítio cirúrgico. 8. Complicações 8.1. Precoces Deiscência da ferida operatória e da bexiga. Obstrução da saída da bexiga. Infecção do sítio cirúrgico ou do trato urinário. 8.2. Tardias Incontinência urinária: É o desafio mais comum e pode exigir cirurgias adicionais. Refluxo Vesicoureteral (RVU): Ocorre em quase todos os pacientes após o fechamento primário. Disfunção sexual e infertilidade. Prolapso vesical ou uterino. Risco aumentado de malignidade: Há um risco aumentado de adenocarcinoma de bexiga na vida adulta, exigindo vigilância a longo prazo. 9. Prognóstico e Seguimento a Longo Prazo Pacientes com CEVE necessitam de acompanhamento multidisciplinar por toda a vida, envolvendo urologia pediátrica, nefrologia, ortopedia, psicologia e, eventualmente, especialistas em transição para o cuidado adulto. O seguimento inclui monitoramento regular da função renal, avaliação da capacidade e complacência vesical (estudo urodinâmico) e suporte psicossocial. Com o manejo adequado, a maioria dos pacientes pode alcançar continência, função sexual satisfatória e boa qualidade de vida. 10. Referências 1. AMERICAN UROLOGICAL ASSOCIATION. Management of Bladder Exstrophy: What a General Urologist Should Know. AUANews, 2023. 2. BARROSO JR, U. Extrofia de bexiga. Urologia Pediátrica. Acessado em 2025. 3. GEARHART, J. P.; MATHEWS, R. I. Exstrophy-epispadias complex. In: Wein, A. J., et al. Campbell-Walsh Urology. 12th ed. Philadelphia: Elsevier, 2020. 4. INAGAKI, T., et al. Modern Management of the Exstrophy-Epispadias Complex. Journal of Clinical Medicine, 2021. 5. KIDDOO, D. A.; CARR, M. C. Bladder exstrophy. In: Coran, A. G., et al. Pediatric Surgery. 7th ed. Philadelphia: Elsevier, 2012. 6. MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas em Urologia Pediátrica. Brasília, DF: Ministério da Saúde. 7. UROKIDS. Clínica de Urologia Infantil - Extrofia de Bexiga. Acessado em 2025. 8. WOOD, R. J.; LEVITT, M. A. Cloacal Exstrophy. In: Holcomb, G. W., et al. Ashcraft's Pediatric Surgery. 7th ed. Philadelphia: Elsevier, 2020.

Tratamento

1. Checklist de Manejo Imediato ao Nascimento Este checklist destina-se à equipe da sala de parto e da unidade neonatal. [ ] NÃO usar pinça (clamp) plástica no coto umbilical. Realizar ligadura com fio de seda ou algodão para evitar trauma na placa vesical. [ ] Proteger a placa vesical exposta. Cobrir imediatamente com filme plástico transparente, estéril e não aderente (ex: filme de PVC). NUNCA usar gazes secas ou úmidas. [ ] Manter o neonato em decúbito dorsal. [ ] Prevenir hipotermia. Utilizar berço aquecido ou incubadora. [ ] Instalar acesso venoso periférico. Iniciar hidratação venosa conforme protocolo institucional para recém-nascidos. [ ] Realizar exame físico completo. Avaliar a presença de outras anomalias (espinhais, anorretais). [ ] Acionar imediatamente a equipe de Cirurgia Pediátrica ou Urologia Pediátrica. [ ] Comunicar e acolher a família. Explicar a condição de forma clara e oferecer suporte. 2. Orientações para o Cuidado Pré-operatório Manuseio Mínimo: Evitar manipulação da placa vesical. A limpeza da região perineal deve ser feita delicadamente com água morna. Cuidados com a Pele: Aplicar barreira protetora (pomada à base de óxido de zinco) na pele perivesical para prevenir dermatite causada pela urina. Jejum: Seguir as orientações da equipe cirúrgica e de anestesia para o jejum pré-operatório. Antibioticoprofilaxia Cirúrgica: Administrar o antibiótico prescrito, geralmente 30 a 60 minutos antes da incisão cirúrgica. O esquema mais comum inclui: Cefazolina: 20-30 mg/kg/dose, IV. OU Gentamicina + Clindamicina em casos específicos ou alergia. 3. Cuidados Pós-operatórios Essenciais (Pós-reconstrução) | Categoria | Conduta Prática | |---|---| | Imobilização | Manter o paciente em tração de Bryant ou gesso pélvico (espica), conforme indicação cirúrgica, por 3 a 4 semanas para garantir a estabilidade pélvica e a cicatrização. | | Manejo da Dor | Escalonamento da analgesia: Iniciar com Paracetamol (10-15 mg/kg/dose, IV ou VO, 6/6h) e/ou Dipirona (20 mg/kg/dose, IV, 6/6h). Associar opioides (ex: Morfina 0,05-0,1 mg/kg/dose, IV, 4/4h) nos primeiros dias, conforme a necessidade. Antiespasmódicos (ex: Oxibutinina 0,1-0,2 mg/kg/dose, VO, 8/8h ou 12/12h) são essenciais para prevenir espasmos vesicais que causam dor e aumentam a pressão na bexiga reconstruída. | | Drenagem Urinária | Manter a perviedade dos cateteres (cistostomia, stents ureterais) é CRÍTICO. Realizar lavagem com solução salina 0,9% estéril apenas se houver suspeita de obstrução e sob orientação da equipe cirúrgica. Monitorar o débito e o aspecto da urina. | | Antibioticoterapia | Manter antibioticoprofilaxia com Cefalosporina de 1ª geração ou Ampicilina em dose profilática enquanto houver cateteres, ou conforme protocolo da equipe cirúrgica. | | Cuidados com a Ferida | Manter o curativo cirúrgico limpo e seco. Observar sinais de infecção ou deiscência. | 4. Sinais de Alerta para a Equipe e Família Orientar a equipe de enfermagem e a família a comunicar imediatamente caso o paciente apresente: Febre: Temperatura axilar ≥37,8°C. Sinais de infecção na ferida: Hiperemia intensa, calor local, edema progressivo ou secreção purulenta. Alterações no débito urinário: Diminuição ou ausência de drenagem pelos cateteres. Dor intensa ou irritabilidade inconsolável: Que não melhora com a analgesia prescrita. Distensão abdominal ou vômitos. Qualquer sinal de deiscência (abertura) da sutura abdominal. 5. Critérios para Acionar a Equipe de Cirurgia/Urologia Pediátrica Acionar a equipe responsável com urgência nas seguintes situações: Suspeita de obstrução de cateteres ou drenos. Sinais de deiscência da parede abdominal ou da bexiga. Piora do estado geral, instabilidade hemodinâmica ou sinais de sepse. Sangramento ativo pela ferida operatória ou hematúria franca.

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