Obstrução da Junção Ureteropélvica

Resumo

1. Definição e Contexto O que é: Estreitamento congênito na transição pelve renal-ureter, dificultando a drenagem urinária. Epidemiologia: Causa mais comum de hidronefrose pré-natal (1:1.000-1.500 nascidos vivos). Mais comum em meninos e rim esquerdo. 2. Fisiopatologia Essencial Obstrução leva a acúmulo de urina, aumento da pressão na pelve renal e hidronefrose. Não tratada: Afilamento do parênquima e perda progressiva da função renal. Causas: Intrínsecas (mais comuns): Desenvolvimento anormal da musculatura lisa da JUP (segmento adinâmico). Extrínsecas: Compressão por vaso sanguíneo anômalo (vaso polar). 3. Apresentação Clínica Maioria: Diagnosticada pré-natal (USG), recém-nascidos assintomáticos. Sintomas (quando presentes): Neonatos/Lactentes: Massa abdominal palpável, ITU febril, irritabilidade, vômitos, baixo ganho ponderal, sepse. Crianças Maiores/Adolescentes: Dor abdominal/lombar intermitente (piora com líquidos), náuseas/vômitos, hematúria (pós-trauma leve), ITU de repetição, cálculos renais. 4. Diagnóstico Essencial Ultrassonografia (USG) de Rins e Vias Urinárias: Exame inicial pós-natal. Realizar após 48h de vida. Avalia diâmetro anteroposterior (DAP) da pelve, grau de dilatação calicinal e espessura do parênquima. Cintilografia Renal Dinâmica (MAG-3 ou DTPA): Fundamental para diagnóstico funcional. Realizar após 4-6 semanas de vida. Avalia função renal diferencial e padrão de drenagem (washout prolongado sugere obstrução significativa). MAG-3 preferível em RN e função renal diminuída. Uretrocistografia Miccional (UCM): Descartar refluxo vesicoureteral (RVU), que pode coexistir e causar hidronefrose. Diagnóstico Diferencial: RVU grave, megaureter obstrutivo primário, válvula de uretra posterior (em meninos), hidronefrose não obstrutiva. 5. Manejo e Tratamento Objetivo: Preservar função renal, aliviar sintomas, prevenir complicações. 5.1. Tratamento Conservador (Observação) Indicações: Neonatos/lactentes assintomáticos. Função renal diferencial do rim afetado >40%. Ausência de aumento progressivo da dilatação em USG seriadas. Ausência de ITU febris. Acompanhamento: USG seriada (a cada 3-6 meses), Cintilografia renal (a cada 6-12 meses). Muitos casos resolvem espontaneamente. 5.2. Tratamento Cirúrgico (Pieloplastia) Indicações (Pieloplastia): Sintomas: Dor lombar/abdominal recorrente, ITU febril, hematúria, formação de cálculos. Deterioração da função renal: Queda significativa (<40%) ou progressiva (>10%) em exames seriados. Piora da hidronefrose: Aumento acentuado da dilatação na USG. Hidronefrose grave em rim único. Técnica Padrão-Ouro: Pieloplastia desmembrada de Anderson-Hynes (ressecção do segmento estenótico e reconstrução da JUP). Acessos: Aberta (lactentes), Minimamente Invasiva (laparoscópica/robótica - crianças maiores). Cateter Duplo J: Comum, removido após 4-8 semanas. 6. Cuidados Pós-Operatórios (Pieloplastia) Cuidados Gerais: Repouso relativo: Evitar atividades intensas por 4-6 semanas. Hidratação: Incentivar ingestão hídrica. Dieta: Rica em fibras para evitar constipação. Incisão: Manter limpa e seca. Controle da Dor (Exemplo de Prescrição): Dipirona: 20 mg/kg/dose VO a cada 6h (se dor/febre). Ibuprofeno: 10 mg/kg/dose VO a cada 8h (alternar com dipirona se dor persistente). 7. Sinais de Alerta para Retorno Imediato Orientar os pais a procurar atendimento de urgência se a criança apresentar: Febre persistente (≥37,8°C) que não cede com antitérmicos. Dor intensa (abdominal ou lombar) refratária à medicação. Sinais na ferida operatória: Vermelhidão intensa, inchaço, calor local, saída de secreção purulenta. Alterações urinárias: Redução importante do volume urinário, urina com sangue vivo ou odor muito forte. Vômitos persistentes ou recusa alimentar. Piora do estado geral: Prostração, palidez, irritabilidade. 8. Prognóstico Taxa de sucesso da pieloplastia superior a 95%. Seguimento pós-operatório com USG e, em alguns casos, cintilografia para confirmar resolução e função renal.

Categoria

Cirurgia pediátrica > Urologia Cirúrgica > Obstrução da Junção Ureteropélvica

Conduta Completa

1. Definição e Contexto A Obstrução da Junção Ureteropélvica (OJUP), ou Estenose de JUP, é a principal causa de obstrução do trato urinário e hidronefrose na infância. Caracteriza-se por uma restrição ao fluxo de urina da pelve renal para o ureter que, dependendo do grau, pode levar à perda progressiva da função renal. Com o uso rotineiro da ultrassonografia pré-natal, a maioria dos casos é diagnosticada a partir da investigação de hidronefrose antenatal. A incidência é de aproximadamente 1 caso a cada 1.500 nascimentos, com predomínio no sexo masculino (2:1) e no rim esquerdo. A bilateralidade pode ocorrer em 10% a 40% dos casos. 2. Fisiopatologia A obstrução pode ser causada por fatores intrínsecos ou extrínsecos. Causas Intrínsecas: São as mais comuns e resultam de uma anormalidade na própria JUP, como um segmento ureteral aperistáltico por desenvolvimento anormal da musculatura lisa, alterações nas fibras de colágeno, pregas mucosas ou pólipos. Causas Extrínsecas: Ocorrem quando há uma compressão externa da JUP, classicamente por um vaso polar inferior anômalo que cruza a junção. Esta causa é mais frequente em crianças maiores e adolescentes. Em até 10% dos casos, a OJUP pode ser secundária a um refluxo vesicoureteral (RVU) de alto grau. 3. Apresentação Clínica A manifestação clínica da OJUP varia significativamente com a idade do paciente. Período Pré-natal e Neonatal: O diagnóstico é majoritariamente suspeitado pela hidronefrose detectada em ultrassonografia (USG) de rotina. A maioria dos recém-nascidos é assintomática. Lactentes: Podem apresentar massa abdominal palpável, infecções do trato urinário (ITU), hematúria, vômitos, irritabilidade e baixo ganho ponderal. Crianças Maiores e Adolescentes: Os sintomas clássicos incluem dor lombar ou abdominal intermitente, especialmente após alta ingestão de líquidos (conhecida como Crise de Dietl), náuseas, vômitos, hematúria, hipertensão arterial e litíase renal. 4. Diagnóstico O diagnóstico é um processo longitudinal e nunca baseado em um único exame. O objetivo é confirmar a dilatação, avaliar a função renal e determinar se a obstrução é hemodinamicamente significativa. 4.1. Exames de Imagem Ultrassonografia (USG) Renal e de Vias Urinárias: É o exame inicial e de seguimento. Avalia o grau de dilatação da pelve renal (diâmetro anteroposterior - DAP), a espessura do parênquima e a ausência de dilatação ureteral, que é característica da OJUP. Cintilografia Renal Dinâmica com Diurético (DTPA ou MAG3): Considerado o padrão-ouro para avaliar a função renal diferencial e o padrão de drenagem. Uma função renal diferencial <40% no rim afetado ou uma curva de drenagem obstrutiva (T1/2 > 20 minutos) são fortes indicativos de obstrução significativa. Uretrocistografia Miccional (UCM): Essencial para excluir o refluxo vesicoureteral (RVU) como causa da hidronefrose, especialmente em lactentes e casos de ITU. Cintilografia Renal Estática (DMSA): Utilizada para avaliar a presença de cicatrizes renais e quantificar a função renal relativa com maior acurácia, especialmente em casos de suspeita de dano cortical. Angio-Ressonância ou Angio-Tomografia: Podem ser úteis no planejamento cirúrgico em crianças maiores para identificar a presença de vasos anômalos cruzando a JUP. 4.2. Diagnóstico Diferencial | Condição | Características Principais | Exame Chave | |---|---|---| | Obstrução da JUP | Dilatação pielocalicial isolada (sem ureteromegalia) | USG, Cintilografia com diurético | | Refluxo Vesicoureteral (RVU) | Dilatação pode incluir o ureter; associado a ITU | Uretrocistografia Miccional (UCM) | | Megaureter Obstrutivo Primário | Dilatação da pelve renal e de todo o ureter até a junção ureterovesical | USG, Urografia excretora/Cintilografia | | Rim Displásico Multicístico | Múltiplos cistos não comunicantes, ausência de parênquima renal funcionante | USG, Cintilografia (rim não funcionante) | | Válvula de Uretra Posterior | Acomete meninos; hidronefrose bilateral, bexiga de paredes espessadas | USG, Uretrocistografia Miccional (UCM) | 5. Manejo e Tratamento Nem toda OJUP diagnosticada requer intervenção cirúrgica imediata. Cerca de um terço dos casos necessitará de cirurgia. 5.1. Manejo Conservador Indicado para pacientes assintomáticos com hidronefrose leve a moderada, função renal diferencial preservada (>40%) e padrão de drenagem não obstrutivo ou indeterminado. Seguimento: Realizado com USG seriada (a cada 3-6 meses nos primeiros anos) e cintilografia renal periódica (a cada 6-12 meses) para monitorar a evolução da dilatação e a função renal. Profilaxia Antibiótica: Pode ser considerada em lactentes com hidronefrose de alto grau para prevenir ITU, embora seu benefício seja controverso. 5.2. Tratamento Cirúrgico A cirurgia está indicada na presença de obstrução sintomática ou evidência de deterioração renal. O procedimento padrão-ouro é a pieloplastia desmembrada de Anderson-Hynes, que consiste na excisão do segmento estenótico e reconstrução da JUP. A taxa de sucesso ultrapassa 95%. Indicações para Cirurgia: Presença de sintomas (dor, ITU de repetição, hematúria). Redução da função renal diferencial <40% no rim acometido. Queda >10% na função renal diferencial em exames seriados. Aumento progressivo do grau de hidronefrose na USG. Curva obstrutiva persistente na cintilografia. A abordagem pode ser aberta (preferível em lactentes <6 kg), laparoscópica ou robótica, sendo as últimas minimamente invasivas e com recuperação mais rápida. 6. Complicações Se não tratada, a OJUP significativa pode levar a: Perda progressiva e irreversível da função renal. Infecções do trato urinário (ITU) de repetição e pielonefrite. Formação de cálculos renais. Hipertensão arterial. 7. Prognóstico e Seguimento O prognóstico para crianças com OJUP tratadas adequadamente é excelente. Seguimento Pós-operatório: Inclui a realização de USG renal cerca de 4 a 6 semanas após a cirurgia, repetida aos 6 e 12 meses, e depois anualmente. Uma cintilografia renal pode ser realizada 3 a 6 meses após o procedimento para confirmar a melhora da drenagem e da função. Hidronefrose Residual: É comum a persistência de algum grau de dilatação pielocalicial nos exames de imagem mesmo após uma cirurgia bem-sucedida, sem que isso signifique falha do tratamento. 8. Referências 1. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Hidronefrose pré-natal. Departamento Científico de Nefrologia, jun. 2023. 2. SOCIEDADE BRASILEIRA DE UROLOGIA. Estenose da Junção Pieloureteral. Projeto Diretrizes, AMB/CFM, 2006. 3. SIMÕES E SILVA, A. C.; OLIVEIRA, E. A. Update on the approach of urinary tract infection in childhood. Jornal de Pediatria, v. 91, n. 6, supl. 1, p. S2-S10, nov./dez. 2015. 4. MEIER, K.; MATHEWS, R. I. Pediatric Ureteropelvic Junction Obstruction. Medscape, 14 mai. 2024. 5. SALVADOR JUNIOR, E. S.; LOBOUNTCHENKO, T. M.; SOARES, J. V. Estenose da Junção Ureteropiélica na Infância. In: Urologia UERJ. 6. COELHO, G. M. et al. Hidronefrose na criança. Revista Médica de Minas Gerais, v. 23, n. 2, p. 218-224, 2013. 7. NGUYEN, H. T. et al. The Society for Fetal Urology consensus statement on the evaluation and management of antenatal hydronephrosis. Journal of Pediatric Urology, v. 6, n. 3, p. 212-231, 2010.

Tratamento

1. Orientações ao Prescritor O manejo da Obstrução da Junção Ureteropélvica (OJUP) é primariamente de acompanhamento ou cirúrgico. A terapia farmacológica destina-se ao tratamento de condições associadas, como infecções do trato urinário (ITU), manejo da dor em crises agudas e cuidados pós-operatórios. As doses devem ser sempre calculadas com base no peso atual da criança. 2. Profilaxia de Infecção Urinária (ITU) Indicada em casos selecionados de lactentes com hidronefrose de alto grau (graus 3-4 da SFU) enquanto aguardam definição diagnóstica ou cirúrgica. A decisão de iniciar a profilaxia deve ser individualizada. Amoxicilina (primeira escolha em neonatos e lactentes jovens): Apresentação: Suspensão oral 250 mg/5 mL. Dose: 20 mg/kg/dia, administrada em dose única noturna, via oral. Cefalexina (alternativa): Apresentação: Suspensão oral 250 mg/5 mL. Dose: 10-15 mg/kg/dia, administrada em dose única noturna, via oral. Monitoramento: A profilaxia não exclui o risco de ITU. Manter alta vigilância para sinais de infecção (febre, irritabilidade, prostração). 3. Manejo da Dor Aguda (Crise de Dietl) Para crianças maiores que apresentam dor lombar aguda por obstrução intermitente. Dipirona: Apresentação: Solução oral 500 mg/mL (20 gotas/mL). Dose: 20-25 mg/kg/dose, via oral, a cada 6 horas, se necessário. Não exceder 4 doses em 24 horas. Ibuprofeno: Apresentação: Suspensão oral 100 mg/5 mL. Dose: 10 mg/kg/dose, via oral, a cada 6-8 horas, se necessário. Não exceder 40 mg/kg/dia. Observação: Em ambiente hospitalar, analgesia venosa pode ser necessária. O uso de AINEs deve ser cauteloso em pacientes com função renal limítrofe. 4. Cuidados Pós-Operatórios (Pieloplastia) 4.1. Manejo da Dor Primeiras 24-48 horas (ambiente hospitalar): Analgesia venosa com Dipirona e, se necessário, opioides, conforme protocolo institucional. Após alta hospitalar (geralmente por 5-7 dias): Dipirona: 20-25 mg/kg/dose, via oral, a cada 6 horas (regime fixo nas primeiras 48h, depois se necessário). Ibuprofeno: 10 mg/kg/dose, via oral, a cada 8 horas (intercalado com a dipirona, se dor intensa). 4.2. Antibioticoterapia Pós-Operatória Geralmente mantida enquanto o paciente estiver com dreno ou cateter (ex: Duplo J). A escolha do antibiótico pode variar conforme o protocolo do serviço. Cefalexina: Apresentação: Suspensão oral 250 mg/5 mL. * Dose: 30-50 mg/kg/dia, dividida em 6/6h ou 8/8h, via oral, durante o período indicado pela equipe cirúrgica. 5. Sinais de Alerta para Retorno Imediato Orientar a família a procurar atendimento de urgência se a criança apresentar: [ ] Febre (Temperatura axilar ≥ 37,8°C). [ ] Dor lombar ou abdominal intensa que não melhora com a analgesia prescrita. [ ] Vômitos persistentes ou recusa alimentar. [ ] Redução significativa do volume urinário. [ ] Urina com sangue vivo (hematúria macroscópica) ou muito turva/fétida. [ ] Sinais de infecção na ferida operatória: vermelhidão intensa, calor local, inchaço ou secreção purulenta. [ ] Prostração, gemência ou irritabilidade inconsolável. 6. Critérios de Internação Hospitalar [ ] Pielonefrite (ITU febril). [ ] Crise de Dietl com dor refratária à analgesia oral. [ ] Desidratação por vômitos associados à obstrução. [ ] Necessidade de descompressão renal de urgência (ex: nefrostomia percutânea) em casos de obstrução aguda com infecção. [ ] Manejo pós-operatório imediato de pieloplastia.

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