Válvula de Uretra Posterior
Resumo
A Válvula de Uretra Posterior (VUP) é a causa mais comum de obstrução congênita do trato urinário inferior em meninos, levando a danos irreversíveis na bexiga, ureteres e rins.
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1. Definição e Fisiopatologia Essencial
Definição: Anomalia congênita obstrutiva na uretra prostática (exclusiva do sexo masculino).
Fisiopatologia: Obstrução eleva pressão intravesical, causando hipertrofia vesical, uretero-hidronefrose e refluxo vesicoureteral (RVU). Dano renal por obstrução e displasia. A longo prazo, disfunção vesical ("bexiga de válvula") é crucial.
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2. Apresentação Clínica (Sinais de Alerta)
Pré-Natal (USG):
Hidronefrose bilateral, bexiga distendida/espessada.
Oligoâmnio: Fator de mau prognóstico, risco de hipoplasia pulmonar.
Sinal do "buraco de fechadura" (keyhole sign).
Pós-Natal:
Neonatos: Jato urinário fraco/gotejante, bexiga palpável, sinais de insuficiência renal (IR), ITU/sepse, dificuldade respiratória (se hipoplasia pulmonar).
Lactentes/Crianças: ITU recorrente, incontinência urinária, dificuldade de ganho ponderal, jato fraco.
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3. Diagnóstico (Padrão-Ouro e Exames Chave)
USG Rins e Vias Urinárias: Primeiro exame pós-natal. Avalia hidronefrose, espessamento vesical, parênquima renal.
Uretrocistografia Miccional (UCM): Padrão-ouro. Demonstra dilatação da uretra posterior, imagem da válvula (defeito de enchimento), hipertrofia do colo vesical e RVU.
Laboratorial:
Função Renal: Ureia, creatinina sérica (nadir da creatinina no 1º ano é prognóstico).
Rastreio Infeccioso: Análise de urina, urocultura.
Equilíbrio: Eletrólitos, gasometria (em neonatos).
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4. Manejo Imediato (Neonatal) e Tratamento
Estabilização Clínica: Corrigir distúrbios respiratórios, hidroeletrolíticos e ácido-básicos.
Descompressão Vesical Imediata: Cateterismo vesical com sonda de alimentação (5-8 Fr).
Antibioticoterapia Empírica (se ITU/sepse):
Ampicilina: 100 mg/kg/dia, IV, dividido em 12/12h.
Gentamicina: 5 mg/kg/dia, IV, em dose única diária.
Tratamento Cirúrgico Definitivo:
Ablação Endoscópica Primária da Válvula: Tratamento de escolha, transuretral (laser/eletrocautério).
Derivação Urinária Temporária (Vesicostomia): Indicada em prematuros, instáveis, ou com IR persistente.
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5. Prescrições Essenciais
Profilaxia Antibiótica (pós-desobstrução, 1º ano ou com RVU):
Sulfametoxazol + Trimetoprima: 2 mg/kg/dia de Trimetoprima, VO, 1x/noite.
Ex: 10 kg -> 2,5 mL da suspensão (200/40mg/5mL), VO, 1x/noite.
Cefalexina (alternativa ou < 2 meses): 10-15 mg/kg/dia, VO, 1x/noite.
Ex: 5 kg -> 1-1,5 mL da suspensão (250mg/5mL), VO, 1x/noite.
Disfunção Vesical (Bexiga Hiperativa):
Cloridrato de Oxibutinina: 0,2 mg/kg/dose, VO, 8/8h ou 12/12h.
Dose máxima: 0,6 mg/kg/dia.
Ex: 10 kg -> 2 mL do xarope (1mg/mL), VO, 3x/dia.
Monitorar: Resposta clínica, efeitos colaterais (boca seca, constipação), resíduo pós-miccional.
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6. Complicações e Seguimento a Longo Prazo
Complicações Crônicas:
Disfunção Vesical ("Bexiga de Válvula"): Principal morbidade. Manejo inclui micções programadas, Oxibutinina, cateterismo intermitente limpo (CIL).
Doença Renal Crônica (DRC): 30-50% evoluem para DRC terminal. Prognóstico depende da displasia renal inicial.
ITU recorrente, Incontinência urinária.
Acompanhamento:
Obrigatório: Nefrologista Pediátrico e Urologista Pediátrico.
Monitoramento: Função renal (ureia, creatinina), USG seriadas, estudo urodinâmico (conforme indicação).
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7. Sinais de Alerta para a Família (Orientação de Alta)
Febre (temperatura axilar ≥ 37,8°C).
Sintomas urinários: Choro ao urinar, urina com mau cheiro/turva, redução importante do volume urinário.
Sintomas gerais: Vômitos persistentes, recusa alimentar, prostração/irritabilidade.
Distensão abdominal ou dor.
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Prognóstico: Variável, influenciado por oligoâmnio, displasia renal e nadir da creatinina. Intervenção precoce melhora desfechos, mas não elimina risco de DRC.
Categoria
Cirurgia pediátrica > Urologia Cirúrgica > Válvula de Uretra Posterior
Conduta Completa
1. Definição e Contexto
A Válvula de Uretra Posterior (VUP) é uma anomalia congênita, exclusiva do sexo masculino, caracterizada pela presença de membranas obstrutivas na uretra prostática. Trata-se da causa mais comum de obstrução congênita do trato urinário inferior em crianças, com incidência estimada de 1 para cada 5.000 a 8.000 nascidos vivos do sexo masculino. A obstrução ao fluxo urinário resulta em aumento da pressão retrógrada, podendo causar danos irreversíveis à bexiga, ureteres e rins ainda no período fetal.
2. Fisiopatologia
A obstrução causada pela VUP eleva a pressão intravesical, levando a uma série de alterações secundárias. A bexiga torna-se hipertrófica, trabeculada e com divertículos. Essa pressão elevada pode ser transmitida aos ureteres e rins, causando uretero-hidronefrose e refluxo vesicoureteral (RVU) secundário, presente em 40% a 66% dos casos. O dano renal pode ocorrer por dois mecanismos principais: obstrução direta e displasia renal primária, que se acredita estar relacionada a uma anomalia no desenvolvimento do broto ureteral. A longo prazo, a disfunção vesical ("bexiga de válvula") é um fator determinante para a progressão da doença renal.
3. Apresentação Clínica
O quadro clínico da VUP varia conforme a idade do diagnóstico e a gravidade da obstrução.
### Apresentação Pré-Natal
O diagnóstico é frequentemente suspeitado na ultrassonografia obstétrica. Os achados incluem:
Hidronefrose bilateral
Bexiga persistentemente distendida e com paredes espessadas.
Oligoâmnio (redução do líquido amniótico), que é um fator de mau prognóstico, associado à hipoplasia pulmonar.
Sinal do "buraco de fechadura" (keyhole sign): dilatação da bexiga e da uretra posterior.
### Apresentação Pós-Natal
Período Neonatal:
Jato urinário fraco ou gotejante.
Bexiga palpável ou distensão abdominal.
Sinais de insuficiência renal: desidratação, distúrbios hidroeletrolíticos.
Infecção do Trato Urinário (ITU) ou sepse.
Dificuldade respiratória secundária à hipoplasia pulmonar (em casos de oligoâmnio severo).
Lactentes e Crianças Maiores:
ITU recorrente (pode ser o sintoma inicial em mais de 50% dos casos).
Incontinência urinária diurna e/ou enurese noturna.
Dificuldade de ganho ponderoestatural.
Jato urinário fraco e esforço miccional.
4. Diagnóstico
### Exames de Imagem
Ultrassonografia (USG) de Rins e Vias Urinárias: É o primeiro exame a ser realizado no período pós-natal. Confirma a hidronefrose, avalia o espessamento da parede vesical e o parênquima renal. Recomenda-se repetir o exame após 48 horas de vida devido à desidratação fisiológica do recém-nascido.
Uretrocistografia Miccional (UCM): É o padrão-ouro para o diagnóstico. O exame demonstra a dilatação e o alongamento da uretra posterior, a imagem da válvula como um defeito de enchimento, hipertrofia do colo vesical e as características da parede vesical (trabeculações, divertículos). Também avalia a presença de RVU.
Cintilografia Renal com DMSA: Avalia a função renal diferencial e a presença de cicatrizes renais. É fundamental para o seguimento a longo prazo.
### Avaliação Laboratorial
Função Renal: Dosagem de ureia e creatinina séricas. O nadir da creatinina (valor mais baixo atingido após a desobstrução) no primeiro ano de vida é um importante fator prognóstico.
Análise de Urina e Urocultura: Essenciais para diagnosticar ITU.
Gasometria e Eletrólitos: Para avaliação de acidose metabólica e distúrbios hidroeletrolíticos em neonatos.
5. Manejo e Tratamento
O manejo da VUP é multifásico e requer uma abordagem multidisciplinar com pediatra, urologista pediátrico e nefrologista pediátrico.
### Manejo Inicial (Neonatal)
1. Estabilização Clínica: Correção de distúrbios respiratórios, hidroeletrolíticos e acidose.
2. Descompressão Vesical Imediata: A primeira medida é o alívio da obstrução, realizado através do cateterismo vesical com uma sonda de pequeno calibre (ex: sonda de alimentação 5-8 Fr).
3. Antibioticoterapia: Iniciar tratamento para ITU, se presente, ou profilaxia antibiótica.
### Tratamento Cirúrgico Definitivo
Ablação Endoscópica Primária da Válvula: É o tratamento de escolha. Realizada por via transuretral com um cistoscópio pediátrico, a válvula é incisada ou fulgurada, geralmente com laser ou eletrocautério. O procedimento é minimamente invasivo e visa restabelecer o fluxo urinário normal.
### Derivação Urinária Temporária
Vesicostomia: Procedimento cirúrgico que cria uma abertura da bexiga na parede abdominal, permitindo a drenagem contínua da urina. É indicada em casos selecionados, como:
- Neonatos de muito baixo peso ou prematuros, cuja uretra não permite a passagem do cistoscópio.
- Pacientes com instabilidade clínica, sepse ou insuficiência renal persistente apesar da drenagem vesical.
6. Complicações e Seguimento a Longo Prazo
Mesmo após a correção cirúrgica, o acompanhamento por toda a vida é crucial.
Disfunção Vesical ("Bexiga de Válvula"): É a principal causa de morbidade a longo prazo. A bexiga pode se tornar hiperativa, com altas pressões de armazenamento, ou hipocontrátil, com esvaziamento ineficaz. O manejo inclui:
- Terapia comportamental: Micções programadas.
- Farmacoterapia: Anticolinérgicos (ex: Oxibutinina) para bexiga hiperativa.
- Cateterismo intermitente limpo (CIL) se houver resíduo pós-miccional elevado.
Doença Renal Crônica (DRC): É a complicação mais temida. Cerca de 30% a 50% dos pacientes podem evoluir para DRC terminal ao longo da vida. O prognóstico renal depende fundamentalmente do grau de displasia renal presente ao nascimento.
Infecção do Trato Urinário Recorrente: A profilaxia antibiótica pode ser necessária, especialmente no primeiro ano de vida ou na presença de RVU.
Incontinência Urinária: Comum na infância e adolescência, requerendo avaliação e manejo da disfunção vesical subjacente.
O seguimento inclui monitoramento regular da função renal, USG seriadas, avaliação da dinâmica vesical (estudo urodinâmico) e acompanhamento do crescimento.
7. Prognóstico
O prognóstico é variável e depende de fatores como a idade gestacional no diagnóstico, a presença de oligoâmnio, o grau de displasia renal e o nadir da creatinina no primeiro ano de vida. O diagnóstico pré-natal e a intervenção precoce são fundamentais para melhorar os desfechos, mas não eliminam o risco de DRC, dado que o dano renal inicial é frequentemente estabelecido intraútero.
8. Referências
1. ASSOCIAÇÃO MÉDICA BRASILEIRA; CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Válvula de Uretra Posterior. Projeto Diretrizes, 2006.
2. BAJAJ, M. Pediatric urology: Posterior Urethral Valve (PUV) - diagnosis & management. Slideshare, 2015.
3. FRONTIERS IN PEDIATRICS. Posterior urethral valves: Role of prenatal diagnosis and long-term management of bladder function. Frontiers Media S.A., 2022.
4. NEOREVIEWS, AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Posterior Urethral Valves: Prenatal, Neonatal, and Long-Term Management. AAP, 2018.
5. REVISTA MÉDICA DE MINAS GERAIS. Válvula de Uretra Posterior - aspectos clínicos e cirúrgicos. RMMG, 2018.
6. SOUZA, G. F. F. et al. Curso clínico da válvula de uretra posterior detectada intra-útero: seguimento a longo prazo. Jornal de Pediatria, 2001.
7. TEIXEIRA, A. et al. Tratamento cirúrgico da válvula de uretra posterior. ResearchGate, 2025.
8. ZANETTA, D. M. T. Válvula de Uretra Posterior. Portal Saúde Direta, 2017.
Tratamento
1. Manejo Prático e Prescrições na Válvula de Uretra Posterior
### Orientações ao Prescritor
O manejo da VUP é complexo e deve ser conduzido por uma equipe multidisciplinar, incluindo urologista pediátrico e nefrologista pediátrico.
As doses e esquemas aqui apresentados são referenciais. Sempre ajuste ao peso, à função renal e ao quadro clínico específico do paciente.
A estabilização inicial do neonato é prioritária antes de qualquer intervenção definitiva.
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2. Manejo Imediato no Neonato com Suspeita de VUP
### Checklist de Ações Imediatas
[ ] Estabilização clínica: Avaliar e corrigir distúrbios respiratórios, hidroeletrolíticos e ácido-básicos.
[ ] Drenagem vesical de emergência: Realizar sondagem vesical de alívio com sonda de alimentação (calibre 5 a 8 Fr) para desobstrução imediata. Fixar adequadamente.
[ ] Coleta de exames laboratoriais:
- Função renal e eletrólitos: Ureia, creatinina, sódio, potássio, cloro, cálcio, fósforo, magnésio.
- Equilíbrio ácido-básico: Gasometria venosa.
- Rastreio infeccioso: Hemograma completo, PCR, hemocultura e urocultura (coletar da sonda recém-passada).
[ ] Iniciar antibioticoterapia empírica se houver sinais de ITU/sepse:
- Ampicilina 100 mg/kg/dia, IV, dividido em 12/12h
- Gentamicina 5 mg/kg/dia, IV, em dose única diária (ajustar intervalo conforme idade gestacional e pós-natal).
[ ] Agendar exames de imagem: USG de rins e vias urinárias (imediato) e UCM (após estabilização).
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3. Profilaxia Antibiótica
Indicada rotineiramente no período pós-desobstrução inicial, especialmente no primeiro ano de vida ou enquanto houver Refluxo Vesicoureteral (RVU) significativo, para prevenir ITU de repetição.
### Esquema 1: Lactentes > 2 meses
Sulfametoxazol + Trimetoprima suspensão 200mg + 40mg / 5mL
Dose: 2 mg/kg/dia de Trimetoprima, via oral, em dose única noturna.
Exemplo para 10 kg: 20 mg de Trimetoprima = 2,5 mL, via oral, uma vez à noite.
### Esquema 2: Alternativa ou < 2 meses
Cefalexina suspensão 250mg / 5mL
Dose: 10-15 mg/kg/dia, via oral, em dose única noturna.
Exemplo para 5 kg: 50-75 mg = 1 a 1,5 mL, via oral, uma vez à noite.
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4. Tratamento da Disfunção Vesical (Bexiga Hiperativa)
Iniciado após avaliação e indicação do urologista pediátrico, geralmente com base em achados de estudo urodinâmico, para reduzir a pressão intravesical, melhorar a complacência e proteger o trato urinário superior.
Cloridrato de Oxibutinina xarope 1mg/mL ou comprimidos 5mg
Dose inicial: 0,2 mg/kg/dose, via oral, de 8/8h ou 12/12h.
Dose máxima: Não exceder 0,6 mg/kg/dia.
Exemplo para 10 kg: 2 mg/dose = 2 mL do xarope, via oral, três vezes ao dia.
Monitoramento: Avaliar resposta clínica (melhora da continência) e efeitos colaterais (boca seca, constipação, rubor facial). Monitorar resíduo pós-miccional, pois pode aumentar a retenção.
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5. Sinais de Alerta para a Família (Orientação de Alta)
Instruir os pais a procurar atendimento médico imediato se a criança apresentar:
Febre: Temperatura axilar ≥ 37,8°C.
Sintomas Urinários: Choro ao urinar, urina com mau cheiro ou aspecto turvo, redução importante do volume urinário.
Sintomas Gerais: Vômitos persistentes, recusa alimentar, prostração ou irritabilidade inconsolável.
Distensão abdominal ou dor.
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6. Critérios de Acompanhamento e Encaminhamento
Acompanhamento conjunto obrigatório: Manter seguimento regular com Nefrologista Pediátrico e Urologista Pediátrico.
Monitoramento laboratorial: Controle periódico da função renal (Ureia, Creatinina).
Monitoramento por imagem: USG de rins e vias urinárias seriado para avaliar hidronefrose e crescimento renal.
Avaliação funcional: Estudo urodinâmico conforme indicação para guiar o manejo da disfunção vesical.
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