Doença de Kawasaki
Resumo
1. Diagnóstico Clínico e Avaliação
O diagnóstico é clínico, sem teste laboratorial patognomônico.
Critérios Diagnósticos (Febre ≥ 5 dias + 4 dos 5 critérios):
Febre: ≥ 38,5°C por ≥ 5 dias.
Alterações em Extremidades: Eritema/edema de mãos/pés (fase aguda), descamação periungueal (fase subaguda).
Exantema Polimorfo: Maculopapular, escarlatiniforme ou eritema multiforme-like.
Conjuntivite Bilateral: Hiperemia bulbar, não exsudativa.
Alterações em Lábios/Cavidade Oral: Eritema/fissuras labiais, "língua em framboesa", hiperemia orofaríngea.
Linfadenopatia Cervical: Unilateral, ≥ 1,5 cm.
DK Incompleta/Atípica: Febre prolongada com menos de 4 critérios. Alta suspeita em lactentes jovens com febre inexplicada e elevação de marcadores inflamatórios.
Diagnóstico Diferencial: Escarlatina, Sarampo, Síndromes de choque tóxico, SIM-P (COVID-19).
2. Exames Complementares Essenciais
Laboratoriais:
Hemograma: Leucocitose com neutrofilia (aguda), trombocitose (subaguda, semanas 2-3).
Provas Inflamatórias: Elevação acentuada de PCR e VHS.
Outros: Hipoalbuminemia, ↑ transaminases, piúria estéril.
Imagem:
Ecocardiograma Transtorácico: Mandatório e urgente. Avaliar função ventricular, derrame pericárdico e, crucialmente, medir artérias coronárias (calcular escore Z) para detectar dilatações/aneurismas.
Repetir: 1-2 semanas e 4-6 semanas após início do tratamento.
3. Manejo e Tratamento (Hospitalização Obrigatória)
Objetivo: Reduzir inflamação sistêmica e prevenir aneurismas coronarianos. Iniciar tratamento idealmente nos primeiros 10 dias de doença.
3.1. Terapia de Primeira Linha:
1. Imunoglobulina Intravenosa (IGIV):
Dose: 2 g/kg EV, dose única, infundida em 10-12 horas.
Monitoramento: PA, FC, SpO2, temperatura (início, a cada 30-60 min nas primeiras horas).
Reação infusional: Reduzir velocidade ou pausar; considerar antitérmico/anti-histamínico.
2. Ácido Acetilsalicílico (AAS):
Fase Aguda (Anti-inflamatória): 30 a 50 mg/kg/dia VO, dividida a cada 6 horas. Manter até resolução da febre por 48-72 horas.
Fase de Manutenção (Antiagregante): Reduzir para 3 a 5 mg/kg/dia VO, 1 vez ao dia. Manter por 6 a 8 semanas se ecocardiograma de seguimento normal.
3.2. Doença Refratária (Febre persistente/recorrente ≥ 36h após IGIV):
Opção A: Repetir IGIV 2 g/kg EV (8-12 horas).
Opção B: Infliximabe 10 mg/kg EV, dose única (infundir em ~2h).
Opção C: Metilprednisolona 30 mg/kg/dia EV por 1-3 dias, seguida de Prednisolona VO com desmame.
3.3. Terapia Antitrombótica (Baseada no Z-score coronariano):
Z < 2,5: AAS 3-5 mg/kg/dia VO por 6-8 semanas. Suspender se eco normal.
Z 2,5 a < 5: AAS baixa dose crônico. Reavaliar com cardiologia.
Z 5 a < 10: AAS + considerar Clopidogrel 0,2 a 1 mg/kg/dia VO (máx. 75 mg/dia).
Z ≥ 10 ou diâmetro ≥ 8 mm (Aneurismas Gigantes): AAS + Anticoagulação (Varfarina VO, INR alvo 2-3; ou Enoxaparina SC, alvo anti-Xa).
4. Complicações e Prognóstico
Principal: Aneurismas coronarianos (até 25% dos não tratados).
Graves: Trombose de aneurisma, estenose, infarto agudo do miocárdio.
Prognóstico: Excelente sem acometimento coronariano. Aneurismas gigantes raramente regridem, exigem seguimento cardiológico e terapia antitrombótica por toda a vida.
5. Monitoramento e Orientações de Alta
5.1. Monitoramento da Terapia:
Clínico: Temperatura, irritabilidade, perfusão, sinais cardíacos.
Laboratorial: PCR e hemograma após 48h (resposta inflamatória).
Ecocardiográfico: Repetir 1-2 semanas e 4-6 semanas.
5.2. Orientações de Alta (para a família):
Medicações: AAS em baixa dose (duração), clopidogrel/anticoagulante (se indicado).
Sinais de Alerta para Retorno Imediato: Febre novamente (>38°C), irritabilidade extrema, vômitos persistentes, dor torácica, dispneia, sangramento anormal.
Vacinas: Adiar vacinas de vírus vivos por 11 meses após IGIV. Vacina influenza anual recomendada durante uso de AAS.
Consultas e Exames: Retorno com pediatria e cardiologia, ecocardiogramas programados.
Categoria
Cardiovasculares e Reumatológicas > Vasculites > Doença de Kawasaki
Conduta Completa
1. Definição e Contexto Clínico
A Doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite sistêmica aguda, de etiologia desconhecida, que acomete predominantemente vasos de médio calibre. É a principal causa de cardiopatia adquirida na infância em países desenvolvidos, com um tropismo característico pelas artérias coronárias. Acomete majoritariamente crianças abaixo de 5 anos, sendo rara em adultos.
2. Fisiopatologia
A fisiopatologia exata permanece incerta, mas a hipótese predominante envolve uma resposta imunológica desregulada a um ou mais agentes infecciosos em indivíduos geneticamente predispostos. Essa resposta imune exacerbada leva a uma inflamação sistêmica e à ativação de células endoteliais e da cascata de citocinas, resultando na vasculite necrotizante que caracteriza a doença, especialmente nas artérias coronárias.
3. Etiologia e Fatores de Risco
A etiologia é desconhecida, embora as características clínicas e epidemiológicas sugiram um gatilho infeccioso.
Fatores de Risco:
- Idade: Pico de incidência entre 6 meses e 5 anos de idade.
- Etnia: Maior incidência em crianças de ascendência asiática, especialmente japonesas.
- Sazonalidade: Observa-se um aumento da incidência durante o inverno e a primavera.
- Predisposição Genética: Fatores genéticos parecem modular a suscetibilidade à doença.
4. Avaliação Clínica e Diagnóstico
O diagnóstico da Doença de Kawasaki é clínico, baseado na presença de critérios específicos, não havendo um teste laboratorial patognomônico.
Manifestações Clínicas
O diagnóstico da forma clássica requer a presença de febre elevada (acima de 38,5°C) por pelo menos cinco dias, associada a pelo menos quatro dos cinco critérios principais:
1. Alterações em Extremidades: Eritema e edema de mãos e pés na fase aguda, seguidos por descamação periungueal na fase subaguda.
2. Exantema Polimorfo: Erupção cutânea maculopapular, escarlatiniforme ou semelhante ao eritema multiforme, predominantemente no tronco.
3. Conjuntivite Bilateral: Hiperemia conjuntival bulbar, não exsudativa.
4. Alterações em Lábios e Cavidade Oral: Eritema e fissuras labiais, "língua em framboesa" e hiperemia difusa da mucosa orofaríngea.
5. Linfadenopatia Cervical: Geralmente unilateral, com pelo menos um linfonodo com diâmetro maior que 1,5 cm.
Em lactentes jovens, a apresentação pode ser incompleta (atípica), o que eleva o risco de atraso diagnóstico e complicações coronarianas. A apresentação em adultos é rara e frequentemente atípica, com maior incidência de linfadenopatia, hepatite e artralgia, e menor frequência de aneurismas coronarianos.
Exame Físico
O exame físico deve buscar ativamente os sinais descritos nos critérios diagnósticos. A avaliação cardiovascular pode revelar taquicardia desproporcional à febre, ritmo de galope ou sopros, indicativos de miocardite. Irritabilidade extrema é um achado comum em lactentes.
Avaliação de Gravidade
A gravidade é primariamente definida pelo acometimento cardíaco. Pacientes com aneurismas coronarianos, especialmente os gigantes (diâmetro interno > 8 mm ou escore Z ≥ 10), são considerados de alto risco para eventos isquêmicos e trombóticos. A refratariedade ao tratamento inicial com imunoglobulina também define um subgrupo de maior gravidade.
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial é amplo e inclui principalmente:
Escarlatina
Sarampo
Síndromes de choque tóxico
Farmacodermias (Síndrome de Stevens-Johnson)
Artrite idiopática juvenil sistêmica
Mononucleose infecciosa
Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), associada à COVID-19.
5. Exames Complementares
Laboratoriais
Os achados são inespecíficos, mas refletem o estado inflamatório sistêmico:
Hemograma: Leucocitose com neutrofilia e anemia normocítica na fase aguda. Trombocitose marcante na fase subaguda (semanas 2-3).
Provas Inflamatórias: Elevação acentuada da Proteína C Reativa (PCR) e da Velocidade de Hemossedimentação (VHS).
Bioquímica: Hipoalbuminemia, elevação de transaminases e piúria estéril podem ocorrer.
Imagem
Ecocardiograma Transtorácico: É o exame fundamental e mandatório. Deve ser realizado no momento do diagnóstico para avaliar a função ventricular, a presença de derrame pericárdico e, crucialmente, para medir as artérias coronárias (calculando o escore Z) e detectar dilatações ou aneurismas. O exame deve ser repetido entre 1 a 2 semanas e novamente com 4 a 6 semanas após o início do tratamento.
6. Manejo e Tratamento
O tratamento deve ser iniciado idealmente nos primeiros 10 dias de doença para minimizar o risco de complicações coronarianas. A hospitalização é necessária para administração da terapia e monitoramento.
Terapia de Primeira Linha:
- Imunoglobulina Intravenosa (IGIV): Administrada em dose única de 2 g/kg, infundida em 10 a 12 horas. A IGIV reduz a incidência de aneurismas coronarianos de 25% para menos de 5%.
- Ácido Acetilsalicílico (AAS):
- Fase Aguda: Doses anti-inflamatórias de 30 a 50 mg/kg/dia (divididas a cada 6 horas) até a resolução da febre por 48-72 horas.
- Fase de Manutenção: A dose é reduzida para 3 a 5 mg/kg/dia (em dose única) por seu efeito antiagregante plaquetário, mantida por 6 a 8 semanas se não houver alterações coronarianas no ecocardiograma de seguimento.
Doença Refratária (Febre persistente ou recorrente 36h após IGIV):
- Uma segunda dose de IGIV (2 g/kg) é a primeira opção.
- Para casos refratários à segunda dose, pulsoterapia com Metilprednisolona ou o uso de agentes biológicos como o Infliximabe são considerados, preferencialmente com o suporte de um reumatologista ou cardiologista pediátrico.
7. Complicações
A principal e mais temida complicação é o envolvimento das artérias coronárias.
Aneurismas coronarianos (ocorrem em até 25% dos casos não tratados).
Trombose de aneurisma, levando a estenose e infarto agudo do miocárdio.
Miocardite, pericardite e disfunção valvar.
Síndrome de ativação macrofágica (rara, mas grave).
8. Prognóstico e Seguimento
O prognóstico é excelente para pacientes sem acometimento coronariano. A maioria dos aneurismas pequenos regride em 1 a 2 anos. Aneurismas gigantes, no entanto, raramente regridem e estão associados a um maior risco de estenose e trombose, exigindo seguimento cardiológico e terapia antitrombótica por toda a vida. O seguimento ecocardiográfico é estratificado conforme o grau de acometimento coronariano inicial.
9. Prevenção
Não existem medidas preventivas para a Doença de Kawasaki, pois sua etiologia é desconhecida. A prevenção secundária, focada em evitar as complicações coronarianas, baseia-se no diagnóstico precoce e no tratamento imediato com IGIV.
Referências
MCCRINDLE, B. W. et al. Diagnosis, treatment, and long-term management of Kawasaki disease: a scientific statement for health professionals from the American Heart Association. Circulation, v. 135, n. 17, p. e927-e999, 25 abr. 2017.
DE FERRANTI, S. D. et al. Update on Diagnosis and Management of Kawasaki Disease: A Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation, v. 150, n. 23, p. e481-e500, 3 dez. 2024.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP). Tratado de Pediatria. 4. ed. Barueri: Manole, 2017.
BURNS, J. C.; GLODE, M. P. Kawasaki syndrome. The Lancet, v. 364, n. 9433, p. 533-544, ago. 2004.
NEWBURGER, J. W. et al. Kawasaki Disease. The New England Journal of Medicine, v. 351, p. 1227-1237, 2004.
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
Objetivo, reduzir inflamação sistêmica e prevenir eventos coronários. Iniciar IGIV 2 g/kg EV, dose única com AAS assim que definida a suspeita. Educação da família sobre sinais de alerta e necessidade de seguimento cardiológico. Antibióticos não são rotina.
2. Prescrição para Avaliação Inicial e Admissão
Leito e monitorização, sinais vitais a cada 4 a 6 horas, controle de temperatura.
Acesso venoso periférico salinizado, hidratação de manutenção se baixa ingesta.
Coletas antes de IGIV, hemograma, PCR, VHS, TGO, TGP, bilirrubinas se disponível, albumina, ureia, creatinina, sódio, potássio, EAS, considerar BNP ou NT proBNP.
Ecocardiograma urgente com Z score de coronárias e função ventricular.
Antitérmico se necessário,
- Dipirona solução 500 mg/mL, 20 mg/kg/dose VO, a cada 6 horas, se T maior que 38,0 ºC.
- ou Paracetamol 10 a 15 mg/kg/dose VO, a cada 6 horas, evitar ibuprofeno enquanto em AAS.
3. Esquemas Terapêuticos
3.1 Primeira Linha, fase aguda
1. Imunoglobulina humana EV, 2 g/kg, dose única
- Diluir conforme farmácia, infundir em 8 a 12 horas com bomba.
- Monitorar PA, FC, SpO₂, temperatura no início, a cada 30 a 60 minutos nas primeiras horas, depois conforme estabilidade.
- Reação infusional, reduzir velocidade ou pausar, considerar antitérmico ou anti histamínico.
2. Ácido acetilsalicílico, AAS
- AAS comprimido 100 mg ou formulação adequada. 30 a 50 mg/kg/dia VO, dividir 6 em 6 horas.
- Após 36 a 48 horas afebril, reduzir para 3 a 5 mg/kg/dia VO, 1 vez ao dia.
3.2 Intensificação inicial, alto risco
1. Prednisolona 2 mg/kg/dia VO, em 2 a 3 tomadas, iniciar com IGIV quando alto risco para resistência ou Z maior ou igual a 2,5, desmame em 2 a 3 semanas.
2. Infliximabe 10 mg/kg EV, dose única, infundir em cerca de 2 horas, considerar pré medicação conforme protocolo.
3.3 Doença refratária, febre 36 horas ou mais após IGIV
Opção A, repetir IGIV 2 g/kg EV em 8 a 12 horas.
Opção B, Infliximabe 10 mg/kg EV, dose única.
Opção C, Metilprednisolona 30 mg/kg/dia EV, por 1 a 3 dias, seguida de prednisolona VO com desmame.
3.4 Antitrombótica por Z score, prescrever ao final da fase aguda
Z menor que 2,5, AAS 3 a 5 mg/kg/dia VO, 1 vez ao dia, por 6 a 8 semanas, suspender se eco normal.
Z 2,5 a menor que 5, AAS baixa dose crônico, reavaliar com cardiologia.
Z 5 a menor que 10, AAS e considerar Clopidogrel 0,2 a 1 mg/kg/dia VO, máximo 75 mg/dia.
Z maior ou igual a 10 ou diâmetro maior ou igual a 8 mm, AAS e anticoagulação,
- Varfarina VO, INR alvo 2 a 3, titulação e controle laboratorial regulares.
- ou Enoxaparina SC, dose e alvo anti Xa conforme protocolo institucional e faixa etária.
4. Monitoramento da Terapia
Clínico, temperatura, irritabilidade, perfusão, dor torácica, dispneia.
Laboratorial, PCR e hemograma após 48 horas para resposta inflamatória, função hepática se uso de altas doses de AAS.
Ecocardiográfico, repetir 1 a 2 semanas e 4 a 6 semanas, intervalos menores se houver aneurisma ou disfunção.
5. Manejo de Efeitos Adversos e Situações Especiais
Reações à IGIV, reduzir velocidade ou pausar, antitérmico ou anti histamínico, reavaliar necessidade de reiniciar.
Deficiência de G6PD, evitar doses altas de AAS, preferir baixa dose e avaliar alternativa antiplaquetária conforme risco.
Varicela ou influenza ativas enquanto em AAS, discutir substituição temporária por clopidogrel e interromper AAS até resolução clínica.
6. Orientações de Alta e para a Família
Fornecer por escrito,
1. Sobre a doença, vasculite que pode afetar o coração, tratamento controla a inflamação e protege as coronárias.
2. Medicações em casa, AAS em baixa dose conforme prescrição, clopidogrel ou anticoagulante quando indicados, horários e duração.
3. Sinais de alerta para retorno imediato, febre novamente, maior que 38,0 ºC, irritabilidade extrema, vômitos persistentes, dor torácica, dispneia, palidez, cianose, sangramento anormal.
4. Vacinas, adiar vírus vivos por 11 meses após IGIV, vacina influenza anual recomendada durante uso de AAS.
5. Consultas e exames, retorno com pediatria e cardiologia, ecocardiograma programado em 1 a 2 semanas e 4 a 6 semanas.
7. Critérios para Hospitalização
Todo paciente com suspeita diagnóstica ou diagnóstico confirmado, necessidade de IGIV, sinais de gravidade ou risco coronariano, deve ser hospitalizado para monitorização e tratamento.
Acesso Interativo
Acesse o conteúdo completo e interativo em Doença de Kawasaki