Estenose Hipertrófica do Piloro (EHP)

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Estenose Hipertrófica do Piloro (EHP) é a causa mais comum de obstrução da saída gástrica em lactentes, caracterizada pela hipertrofia progressiva da musculatura circular do piloro. Esta condição classicamente se manifesta entre a 3ª e a 6ª semana de vida e é mais comum em meninos primogênitos. Fisiopatologia A hipertrofia muscular leva a um estreitamento e alongamento do canal pilórico, criando uma obstrução mecânica quase completa ao esvaziamento gástrico. A consequência direta são os vômitos não biliosos persistentes. A perda contínua de suco gástrico, rico em ácido clorídrico (HCl) e potássio (K+), resulta em um distúrbio hidroeletrolítico e ácido-básico característico e grave: alcalose metabólica hipoclorêmica e hipocalêmica, associada à desidratação. A correção deste distúrbio é a prioridade máxima do tratamento. 2. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico é baseado em uma história clínica clássica, achados de exame físico e confirmação por imagem. Manifestações Clínicas Vômitos Não Biliosos em Jato: É o sintoma cardinal. Os vômitos ocorrem logo após as mamadas, são vigorosos ("em projétil") e, crucialmente, não contêm bile. A criança tipicamente demonstra fome e avidez para mamar logo após vomitar ("fome voraz"). Perda de Peso e Desidratação: Com a progressão da obstrução, a criança para de ganhar peso e desenvolve sinais de desidratação. Exame Físico Palpação da "Oliva Pilórica": É o sinal patognomônico. Consiste na palpação de uma massa firme, móvel, de aproximadamente 2 cm, com formato de azeitona, localizada no quadrante superior direito do abdome, especialmente após um episódio de vômito. É mais fácil de palpar com a criança calma e o estômago vazio. Ondas Peristálticas Visíveis: Ondas de contração gástrica podem ser vistas se movendo da esquerda para a direita no abdome superior, representando a tentativa do estômago de vencer a obstrução. Diagnóstico Laboratorial A gasometria e os eletrólitos confirmam o distúrbio metabólico clássico: pH > 7,45, Bicarbonato > 26 mEq/L, Cloro < 98 mEq/L e Potássio < 3,5 mEq/L. Diagnóstico por Imagem Ultrassonografia Abdominal: É o padrão-ouro para o diagnóstico. É rápido, não invasivo e altamente acurado. Os critérios diagnósticos são a medida do piloro: Espessura do músculo pilórico > 3-4 mm. Comprimento do canal pilórico > 14-16 mm. Seriografia Esôfago-Estômago-Duodeno (SEED): Reservada para casos de ultrassom duvidoso. Mostra o "sinal do cordão" ou "sinal do duplo trilho", representando a passagem filiforme do contraste pelo canal pilórico alongado. 3. Manejo e Tratamento O manejo da EHP é sequencial: primeiro a estabilização clínica e metabólica, depois a correção cirúrgica definitiva. A EHP não é uma emergência cirúrgica, mas sim uma emergência metabólica. Fase 1: Estabilização Pré-Operatória (PRIORIDADE MÁXIMA) Correção da Desidratação e do Distúrbio Metabólico: É a etapa mais importante e deve ser realizada antes de qualquer procedimento cirúrgico. 1. Ressuscitação Volêmica: Iniciar com bolus de Soro Fisiológico 0,9% (20 mL/kg) para restaurar o volume intravascular. 2. Hidratação de Correção: Após a expansão, a hidratação de manutenção deve ser feita com solução contendo dextrose e cloreto de potássio para corrigir a hipocalemia e a alcalose. A cirurgia só deve ser realizada após a normalização dos eletrólitos (especialmente o cloro e o potássio) e a correção da alcalose. Fase 2: Tratamento Cirúrgico Definitivo O procedimento de escolha é a Piloromiotomia de Ramstedt. Técnica: Consiste em uma incisão longitudinal nas fibras musculares hipertrofiadas do piloro, sem violar a mucosa subjacente. Isso alivia a obstrução e permite a passagem do conteúdo gástrico. Abordagem: Pode ser realizada por via aberta (incisão supraumbilical) ou, preferencialmente, por via laparoscópica, que se associa a uma recuperação mais rápida e melhor resultado estético. Cuidados Pós-Operatórios A realimentação é iniciada precocemente, geralmente 4 a 6 horas após a cirurgia. É comum a ocorrência de alguns episódios de vômitos nas primeiras 24-48 horas, devido ao edema local e à gastrite. A alta hospitalar geralmente ocorre em 1 a 2 dias. 4. Prognóstico Com o diagnóstico precoce, a correção metabólica adequada e o tratamento cirúrgico, o prognóstico da Estenose Hipertrófica do Piloro é excelente, com taxas de cura próximas a 100% e mortalidade quase nula. Referências Bibliográficas 1. American Pediatric Surgical Association (APSA). (2019). Hypertrophic Pyloric Stenosis. Guidelines. 2. Jobson, M., & Hall, N. J. (2016). Contemporary management of pyloric stenosis. Seminars in Pediatric Surgery, 25(4), 219–224. 3. Hernanz-Schulman, M. (2003). Infantile hypertrophic pyloric stenosis. Radiology, 227(2), 319–331. 4. Pandya, S., & Heiss, K. (2012). Pyloric stenosis in pediatric surgery: an evidence-based review. Surgical Clinics of North America, 92(3), 527–539. 5. Sociedade Brasileira de Cirurgia Pediátrica (CIPE). (2020). Estenose Hipertrófica do Piloro. Diretrizes. 6. Peters, B., Oomen, M. W. N., Bakx, R., & Benninga, M. A. (2014). Advances in infantile hypertrophic pyloric stenosis. Expert Review of Gastroenterology & Hepatology, 8*(5), 533–541.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor A prioridade máxima no manejo da EHP é a correção do distúrbio hidroeletrolítico e da alcalose metabólica. A cirurgia é eletiva e só deve ser realizada após a estabilização completa do paciente. Vômitos não biliosos em jato em um lactente de 3 a 6 semanas são altamente sugestivos do diagnóstico. A ultrassonografia é o exame de escolha para a confirmação. 2. Prescrição de Admissão e Estabilização Metabólica 1. Admitir em regime de internação hospitalar. 2. Manter em jejum (NPO) absoluto. 3. Passar Sonda Nasogástrica de calibre adequado e deixar aberta para descompressão gástrica. 4. Obter acesso venoso periférico e iniciar hidratação. 5. Coletar exames de urgência: Gasometria Venosa, Eletrólitos (Na, K, Cl), Ureia e Creatinina. Prescrição para Ressuscitação Volêmica (se sinais de desidratação grave/choque): Soro Fisiológico 0,9%, 20 mL/kg, IV, em bolus, para infundir em 20-30 minutos. Reavaliar. Prescrição para Hidratação de Correção e Manutenção (após expansão, se necessária): Solução de Hidratação: Iniciar com Soro Glicosado 5% + Soro Fisiológico 0,9% (1:1), com uma taxa de infusão de 1,5 vezes a necessidade hídrica basal (aproximadamente 150 mL/kg/dia). Reposição de Potássio: APÓS a confirmação da diurese, adicionar Cloreto de Potássio (KCl) 19,1% à solução de hidratação, na dose de 20 a 40 mEq para cada 1000 mL de soro. Monitoramento: Repetir a dosagem de eletrólitos e a gasometria a cada 4 a 6 horas até a normalização. 3. Prescrição para Preparo Cirúrgico (após estabilização) Critérios para Liberação Cirúrgica: Paciente bem hidratado, com diurese > 1 mL/kg/h, e com melhora laboratorial (Cloro > 98 mEq/L, Bicarbonato < 30 mEq/L, Potássio > 3,5 mEq/L). 1. Manter jejum. 2. Solicitar avaliação pré-anestésica. Antibioticoprofilaxia Cirúrgica: Prescrever Cefazolina 25 a 50 mg/kg, IV, em dose única, 30 a 60 minutos antes da incisão cirúrgica. 4. Prescrição de Cuidados Pós-Operatórios 1. Manter acesso venoso salinizado. Analgesia: Prescrever Dipirona 20 mg/kg/dose, IV ou VO, a cada 6 horas, de forma regrada nas primeiras 24 horas. Esquema de Realimentação (Protocolo Acelerado): 4 horas após a cirurgia: Iniciar Soro de Reidratação Oral (SRO) ou leite materno/fórmula diluída, em pequenos volumes (15-30 mL). Se houver boa aceitação, aumentar o volume e a concentração da dieta progressivamente a cada 2 a 3 horas, conforme a tolerância do lactente. O objetivo é atingir a dieta plena em 12 a 24 horas. Orientações de Alta: A alta é planejada para 24-48h após a cirurgia, quando o lactente estiver aceitando bem a dieta plena, sem vômitos significativos e com a ferida operatória em bom aspecto. Orientar a família que vômitos esporádicos podem ocorrer nos primeiros dias e que a alimentação deve ser mantida. Agendar retorno com a equipe cirúrgica em 7 a 10 dias.

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