Hérnia Inguinal

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Hérnia Inguinal em pediatria é a protrusão de conteúdo abdominal (geralmente intestino ou omento; em meninas, o ovário) através de um canal peritoniovaginal patente. Este canal é uma comunicação embriológica que permite a descida dos testículos e que normalmente se oblitera por volta do nascimento. Sua persistência cria um saco herniário congênito. A grande maioria das hérnias inguinais em crianças ( >95%) é indireta, ou seja, o saco herniário passa através do an

Categoria

Gastrointestinais e Alergias Alimentares > Afecções Cirúrgicas e Anatômicas > Hérnia Inguinal

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Hérnia Inguinal em pediatria é a protrusão de conteúdo abdominal (geralmente intestino ou omento; em meninas, o ovário) através de um canal peritoniovaginal patente. Este canal é uma comunicação embriológica que permite a descida dos testículos e que normalmente se oblitera por volta do nascimento. Sua persistência cria um saco herniário congênito. A grande maioria das hérnias inguinais em crianças ( >95%) é indireta, ou seja, o saco herniário passa através do anel inguinal interno, lateralmente aos vasos epigástricos. É a condição cirúrgica mais comum na infância, com um risco significativo de encarceramento, especialmente em lactentes. Fisiopatologia das Complicações: Encarceramento: Ocorre quando o conteúdo herniado fica preso no saco herniário e não pode ser reduzido manualmente para a cavidade abdominal. Estrangulamento: É a consequência do encarceramento não resolvido. A compressão do pedículo vascular do conteúdo herniado leva à isquemia, necrose e perfuração, evoluindo para peritonite e sepse. É uma emergência cirúrgica absoluta. 2. Fatores de Risco e Epidemiologia Incidência: Afeta de 1 a 5% das crianças nascidas a termo. Prematuridade: É o principal fator de risco, com a incidência podendo chegar a 30% em prematuros extremos. Sexo Masculino: É 6 a 10 vezes mais comum em meninos. Lado: A hérnia é mais comum do lado direito (60%), seguido pelo esquerdo (30%) e bilateral (10%). 3. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico da hérnia inguinal é eminentemente clínico. História Clínica: A queixa clássica dos pais é um abaulamento intermitente na região inguinal, que se torna mais evidente com o aumento da pressão intra-abdominal (choro, tosse, esforço para evacuar) e desaparece durante o sono ou repouso. Pode haver irritabilidade ou desconforto associado. Exame Físico: Inspeção: Com a criança calma, pode não haver achados. Manobras que aumentem a pressão abdominal podem evidenciar a hérnia. Palpação: O achado mais sutil e específico é o *"sinal da luva de seda" (silk glove sign), que é a sensação de roçar duas camadas de seda ao palpar o cordão espermático na região do anel inguinal interno, correspondendo ao espessamento do saco herniário vazio. Ao palpar uma hérnia presente, a massa é lisa, macia e redutível. Diagnóstico Diferencial: Hidrocele Comunicante: É o principal diferencial. Trata-se do acúmulo de líquido peritoneal no saco herniário. A massa geralmente não é redutível por completo, não aumenta subitamente com o esforço e, classicamente, apresenta transiluminação positiva. Linfonodo Inguinal: Massa firme, móvel e dolorosa, geralmente associada a um foco infeccioso no membro inferior ou na área da fralda. Testículo Ectópico ou Retrátil. Exames de Imagem: A ultrassonografia é reservada apenas para casos de dúvida diagnóstica, especialmente para diferenciar uma hérnia de uma hidrocele em lactentes obesos. 4. Manejo e Tratamento O tratamento da hérnia inguinal é sempre cirúrgico. Não há resolução espontânea. Timing da Cirurgia (Herniorrafia Eletiva): O objetivo é corrigir o defeito antes que ocorra o encarceramento. Lactentes < 1 ano: A cirurgia deve ser programada logo após o diagnóstico, devido ao alto risco de encarceramento (até 30% nos primeiros meses). Crianças > 1 ano: A cirurgia pode ser agendada de forma eletiva, sem a mesma urgência. Prematuros: A cirurgia é geralmente realizada antes da alta da UTI Neonatal ou logo após, devido ao risco aumentado de complicações. Manejo da Hérnia Encarcerada: É uma urgência médica. A primeira abordagem é a tentativa de redução manual (taxis). Técnica de Redução: Realizada com o lactente sedado e em posição de Trendelenburg, aplica-se uma pressão firme e constante sobre a massa herniária na direção do anel inguinal interno. Conduta Pós-Redução: Se a redução for bem-sucedida, a criança deve ser internada para observação e a cirurgia realizada em 24 a 48 horas, para permitir que o edema local regrida. Falha na Redução ou Sinais de Estrangulamento: Se a redução manual falhar ou se houver sinais de estrangulamento (eritema, dor intensa, febre, toxemia), a cirurgia de emergência é mandatória. Técnica Cirúrgica (Herniorrafia Inguinal): O procedimento consiste na dissecção do saco herniário, sua ligadura alta ao nível do anel inguinal interno e sua ressecção. Pode ser realizada por via aberta (técnica tradicional, com uma pequena incisão na prega inguinal) ou por via laparoscópica, que permite a avaliação do lado contralateral e pode estar associada a uma recuperação mais rápida. 5. Complicações e Prognóstico Complicações: As principais são o encarceramento e o estrangulamento. Complicações cirúrgicas são raras (<1%) e incluem recidiva, lesão do ducto deferente ou dos vasos testiculares (levando à atrofia testicular). Prognóstico: O prognóstico após a herniorrafia eletiva é excelente, com taxas de sucesso superiores a 99%. Referências Bibliográficas 1. American Pediatric Surgical Association (APSA). (2012). Guidelines for Pediatric Inguinal Hernia and Hydrocele. 2. Holcomb, G. W., Murphy, J. P., & St. Peter, S. D. (Eds.). (2019). Holcomb and Ashcraft's Pediatric Surgery (7th ed.). Elsevier. 3. Sociedade Brasileira de Cirurgia Pediátrica (CIPE). (2020). Hérnia Inguinal em Pediatria. Diretrizes. 4. Grosfeld, J. L., Minnick, K., Shedd, F., et al. (1991). Inguinal hernia in children: factors affecting recurrence in 62 cases. Journal of Pediatric Surgery, 26(3), 283–287. 5. Stylianos, S., Jacir, N. N., & Harris, B. H. (1993). Incarceration of inguinal hernia in infants prior to elective repair. Journal of Pediatric Surgery, 28(4), 582–583. 6. Chen, K. C., et al. (2018). Laparoscopic versus open inguinal hernia repair in children: A systematic review and meta-analysis. Journal of Pediatric Surgery, 53*(6), 1055-1061.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor O diagnóstico de hérnia inguinal é uma indicação para tratamento cirúrgico. A principal responsabilidade do pediatra/médico generalista é reconhecer a condição, diferenciar de uma hidrocele e encaminhar ao cirurgião pediátrico. Em caso de encarceramento, a estabilização e a tentativa de redução manual são as prioridades na emergência. 2. Prescrição para o Manejo Eletivo Encaminhamento: 1. Encaminhar para avaliação com Cirurgião Pediátrico. 2. Motivo: Hérnia inguinal [direita/esquerda/bilateral] para programação de herniorrafia eletiva. Orientações para a Família (enquanto aguarda a cirurgia): 1. Orientar sobre os sinais de encarceramento: abaulamento que não desaparece, dor local, irritabilidade e vômitos. 2. Instruir a procurar a emergência imediatamente se esses sinais surgirem. 3. Prescrição para o Manejo da Hérnia Encarcerada na Emergência Prescrição de Admissão e Preparo para Redução Manual: 1. Admitir em leito de emergência/observação. 2. Manter em jejum (NPO) absoluto. 3. Obter acesso venoso periférico e iniciar hidratação de manutenção. 4. Solicitar avaliação da Cirurgia Pediátrica com urgência. 5. Prescrever Analgesia e Sedação (para facilitar o relaxamento): Morfina 0,1 mg/kg, IV, em bolus lento. Associar: Midazolam 0,05 a 0,1 mg/kg, IV, em bolus lento. 6. Posicionar o paciente em Trendelenburg leve e aguardar 15-20 minutos para que a sedação faça efeito antes de tentar a redução. Prescrição Pós-Redução Manual Bem-Sucedida: 1. Manter em internação hospitalar para observação por 24 horas. 2. Manter em jejum por 6 a 8 horas. Após, iniciar dieta via oral e progredir conforme aceitação. 3. Agendar Herniorrafia Inguinal em 24 a 48 horas. Prescrição para Cirurgia de Urgência (Falha na Redução ou Estrangulamento): 1. Manter em jejum (NPO). 2. Iniciar Hidratação Venosa de Ressuscitação com Soro Fisiológico 0,9%, 20 mL/kg, IV. 3. Prescrever Antibioticoprofilaxia de Amplo Espectro: Ampicilina 50 mg/kg, IV. Gentamicina 2,5 mg/kg, IV. Metronidazol 10 mg/kg, IV. 4. Encaminhar para o centro cirúrgico com urgência. 4. Prescrição de Alta Pós-Operatória (Herniorrafia Eletiva) 1. Analgesia Oral: Prescrever Ibuprofeno suspensão oral 100mg/mL, na dose de 10 mg/kg/dose, por via oral, a cada 8 horas, de forma regrada por 48 horas, e depois se necessário. 2. Cuidados com a Ferida Operatória: Manter o curativo limpo e seco por 48 horas. Após este período, o curativo pode ser removido e o banho é liberado. 3. Restrição de Atividades: Orientar repouso relativo por 1 semana. * Evitar atividades de impacto (pular, correr, andar de bicicleta) por 2 a 3 semanas. 4. Agendar retorno com a equipe cirúrgica em 7 a 10 dias. 5. Sinais de Alerta para Retorno: Febre, vermelhidão ou secreção na ferida operatória, edema escrotal significativo ou retorno do abaulamento.

Acesso Interativo

Acesse o conteúdo completo e interativo em Hérnia Inguinal