Diarreia Aguda Infecciosa
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Diarreia Aguda Infecciosa é uma síndrome clínica de início súbito, com duração de até 14 dias, caracterizada pela diminuição da consistência das fezes e/ou aumento da frequência evacuatória, causada por um agente infeccioso. O manejo adequado depende da identificação da síndrome clínica predominante, que reflete a fisiopatologia da infecção.
Diarreia Secretória (Aquosa): É a forma mais comum. Resulta da ação de toxinas (ex: Vibrio cholerae, E. coli enterotoxig
Categoria
Gastrointestinais e Alergias Alimentares > Diarreias > Diarreia Aguda Infecciosa
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Diarreia Aguda Infecciosa é uma síndrome clínica de início súbito, com duração de até 14 dias, caracterizada pela diminuição da consistência das fezes e/ou aumento da frequência evacuatória, causada por um agente infeccioso. O manejo adequado depende da identificação da síndrome clínica predominante, que reflete a fisiopatologia da infecção.
Diarreia Secretória (Aquosa): É a forma mais comum. Resulta da ação de toxinas (ex: Vibrio cholerae, E. coli enterotoxigênica - ETEC) ou da lesão de enterócitos (ex: Rotavírus, Norovírus) que levam a uma secreção ativa de água e eletrólitos para o lúmen intestinal. As fezes são líquidas, volumosas e geralmente não contêm sangue ou leucócitos.
Diarreia Invasiva (Disenteria): Causada por patógenos que invadem e destroem a mucosa intestinal (ex: Shigella, Salmonella, Campylobacter, E. coli enteroinvasiva - EIEC). A resposta inflamatória intensa resulta em fezes de menor volume, frequentemente com muco, pus e sangue, acompanhadas de febre alta, dor abdominal tipo cólica e tenesmo.
2. Etiologia
A etiologia varia conforme a epidemiologia local e a idade do paciente.
Vírus (70-80%): Norovírus e Rotavírus são os principais agentes.
Bactérias (10-20%): Salmonella, Shigella, Campylobacter e diferentes patotipos de E. coli.
Parasitas (<10%): Giardia lamblia e Cryptosporidium são mais associados a quadros subagudos ou persistentes.
3. Avaliação Clínica e Diagnóstico
O diagnóstico é primariamente clínico, focado em diferenciar as síndromes e avaliar a gravidade.
Anamnese e Exame Físico: A história deve focar no início, frequência e, crucialmente, nas características das fezes (presença de sangue ou muco). A presença de febre alta, dor abdominal intensa e toxemia sugerem uma causa bacteriana invasiva. A avaliação do estado de hidratação é o passo mais importante do exame físico.
Diagnóstico Laboratorial: A maioria dos casos não requer investigação laboratorial. Os exames são reservados para pacientes com doença grave, diarreia sanguinolenta, imunocomprometidos ou em contexto de surtos.
Exame de Fezes: A pesquisa de leucócitos fecais (positiva na diarreia invasiva) e a coprocultura são os exames mais importantes para guiar a terapia.
Hemoculturas: Indicadas em pacientes com sinais de toxemia ou em lactentes jovens com febre alta.
4. Manejo e Tratamento
O tratamento da maioria das diarreias agudas é de suporte, focado na hidratação. A antibioticoterapia é uma exceção, não a regra.
Terapia de Suporte: Conforme o guia de Gastroenterite Aguda (GECA), a base do tratamento é a terapia de reidratação oral (TRO), a manutenção da dieta e a suplementação com Zinco para crianças < 5 anos.
Antibioticoterapia: Quando e Como?
Princípio Fundamental: Antibióticos NÃO são indicados para diarreia aquosa de provável etiologia viral. Seu uso inadequado pode prolongar o estado de portador (no caso da Salmonella) ou aumentar o risco de complicações graves.
Indicações para Tratamento Empírico: A antibioticoterapia deve ser iniciada em casos de disenteria (diarreia com sangue e muco) em paciente com febre e comprometimento do estado geral, enquanto se aguarda o resultado da coprocultura.
Tratamento Específico por Agente:
Shigella: SEMPRE tratar. A infecção é grave e o tratamento reduz a duração da doença e a transmissão. A Azitromicina é a droga de primeira escolha.
**Salmonella (não-tifóide): O tratamento da gastroenterite não complicada não é recomendado* em imunocompetentes, pois pode prolongar a excreção fecal. O tratamento é indicado para lactentes < 3 meses, imunocomprometidos ou em casos de doença invasiva (bacteremia).
Campylobacter: O tratamento (com Azitromicina) só é benéfico se iniciado nos primeiros 3 dias de sintomas.
*E. coli Enterohemorrágica (EHEC, ex: O157:H7): O uso de antibióticos é CONTRAINDICADO, pois aumenta o risco de desenvolvimento da Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU)*.
5. Complicações
Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU): É a complicação mais temida da infecção por EHEC. Caracteriza-se pela tríade de anemia hemolítica microangiopática, trombocitopenia e insuficiência renal aguda.
Bacteremia e Infecções Metastáticas: Podem ocorrer com patógenos invasivos como a Salmonella.
Megacólon Tóxico: Complicação rara, mas grave, da disenteria por Shigella.
6. Prevenção e Controle
A prevenção é baseada em medidas de saneamento básico, higiene pessoal (lavagem das mãos) e segurança alimentar. O isolamento de contato (entérico) é indicado para pacientes hospitalizados com diarreia infecciosa, especialmente por Shigella e EHEC.
Referências Bibliográficas
1. Shane, A. L., Mody, R. K., Crump, J. A., et al. (2017). 2017 Infectious Diseases Society of America Clinical Practice Guidelines for the Diagnosis and Management of Infectious Diarrhea. Clinical Infectious Diseases, 65(12), e45–e80.
2. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2023). Diarreia Aguda Infecciosa. Documento Científico.
3. Kotloff, K. L., Riddle, M. S., Platts-Mills, J. A., et al. (2018). Shigellosis. The Lancet, 391(10122), 801–812.
4. Crump, J. A., Sjölund-Karlsson, M., Gordon, M. A., & Parry, C. M. (2015). Epidemiology, clinical presentation, laboratory diagnosis, antimicrobial resistance, and antimicrobial management of invasive Salmonella infections. Clinical Microbiology Reviews, 28(4), 901–937.
5. Tarr, P. I., Gordon, C. A., & Chandler, W. L. (2005). Shiga-toxin–producing Escherichia coli and haemolytic–uraemic syndrome. The Lancet, 365(9464), 1073–1086.
6. Guarino, A., et al. (2014). European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition/European Society for Paediatric Infectious Diseases evidence-based guidelines for the management of acute gastroenteritis in children in Europe. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, 59(1), 132–152.
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
A principal decisão na diarreia aguda é diferenciar a síndrome aquosa da disentérica. A presença de sangue e muco nas fezes, associada a febre alta e toxemia, é o principal gatilho para a investigação e o tratamento antibiótico empírico.
NÃO prescrever antibióticos para diarreia aquosa não complicada.
*NÃO prescrever antibióticos se houver suspeita de E. coli O157:H7 (história de consumo de carne malcozida, surtos).
O tratamento de suporte com hidratação e zinco segue o mesmo protocolo da GECA geral.
2. Prescrição para Investigação Laboratorial
Indicação: Paciente com disenteria (sangue/muco nas fezes), febre alta, toxemia, ou em caso de surtos.
Prescrição:
1. Coletar amostra de fezes e enviar para:
Coprocultura (cultura para Salmonella, Shigella, Campylobacter).
Pesquisa de leucócitos fecais (exame a fresco com azul de metileno).
Se disponível: Pesquisa de toxina Shiga.
2. Coletar 2 amostras de Hemocultura, se o paciente apresentar febre alta e sinais de toxemia.
3. Coletar Hemograma completo, Ureia, Creatinina e Eletrólitos.
3. Prescrição de Antibioticoterapia Empírica (para Disenteria Grave)
Indicação: Iniciar em pacientes com disenteria e comprometimento do estado geral, enquanto se aguardam os resultados da cultura.
Primeira Escolha (Cobre Shigella e Campylobacter):
Prescrição:
1. Azitromicina suspensão oral.
2. Dose: Prescrever na dose de 10 a 12 mg/kg/dia, por via oral, em dose única diária.
3. Duração: 3 a 5 dias.
Alternativa (se a prevalência de resistência de Shigella for baixa):
Prescrição:
1. Ceftriaxona 50 a 75 mg/kg/dia, por via endovenosa, em dose única diária, especialmente se o paciente necessitar de internação.
4. Prescrição para Tratamento Específico (Guiado por Cultura)
Shigelose:
Manter ou iniciar Azitromicina conforme prescrição acima. A Ciprofloxacina é uma alternativa em adolescentes, se o perfil de sensibilidade local for favorável.
Salmonelose Invasiva (Bacteremia):
Prescrição:
1. Ceftriaxona 80-100 mg/kg/dia, IV, por 7 a 14 dias.
Campilobacteriose:
Manter ou iniciar Azitromicina conforme prescrição acima.
5. Prescrição de Orientações e Sinais de Alerta
1. Isolamento de Contato (Entérico): Orientar higiene rigorosa das mãos, especialmente após usar o banheiro e trocar fraldas.
2. Sinais de Alerta para Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU):
Orientar a família a procurar atendimento imediato se a criança apresentar diminuição súbita do volume de urina, palidez intensa, surgimento de petéquias ou hematomas, ou sonolência/irritabilidade.
3. Manter hidratação vigorosa e realimentação precoce.
4. Completar o ciclo de antibióticos prescrito, mesmo com a melhora dos sintomas.
Acesso Interativo
Acesse o conteúdo completo e interativo em Diarreia Aguda Infecciosa