Diarreia Crônica
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Diarreia Crônica é definida como a ocorrência de evacuações de consistência diminuída (líquidas ou semilíquidas), com ou sem aumento da frequência, por um período igual ou superior a 14 dias. Diferentemente da diarreia aguda, a forma crônica raramente é autolimitada e frequentemente sinaliza uma desordem subjacente, seja ela infecciosa, inflamatória, alérgica ou funcional, com impacto significativo no estado nutricional e no crescimento da criança.
A fisiopatolog
Categoria
Gastrointestinais e Alergias Alimentares > Diarreias > Diarreia Crônica
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Diarreia Crônica é definida como a ocorrência de evacuações de consistência diminuída (líquidas ou semilíquidas), com ou sem aumento da frequência, por um período igual ou superior a 14 dias. Diferentemente da diarreia aguda, a forma crônica raramente é autolimitada e frequentemente sinaliza uma desordem subjacente, seja ela infecciosa, inflamatória, alérgica ou funcional, com impacto significativo no estado nutricional e no crescimento da criança.
A fisiopatologia é complexa e pode ser classificada em quatro mecanismos principais, que frequentemente se sobrepõem:
Diarreia Osmótica: Ocorre pela presença de solutos não absorvíveis no lúmen intestinal, que "puxam" água para as fezes. Caracteristicamente, cessa com o jejum. Exemplos: intolerância à lactose, uso de laxativos.
Diarreia Secretória: Resulta de uma secreção ativa de água e eletrólitos pela mucosa intestinal. As fezes são aquosas, volumosas e a diarreia não cessa com o jejum. Exemplos: toxinas bacterianas, tumores secretores (raros).
Diarreia Inflamatória (Exsudativa): Causada por dano à mucosa intestinal, com exsudação de muco, pus, sangue e proteínas. As fezes podem conter sangue e/ou muco. Exemplos: Doença Inflamatória Intestinal, alergias alimentares, infecções invasivas.
Diarreia por Alteração da Motilidade: Trânsito intestinal acelerado ou retardado (com supercrescimento bacteriano) pode levar à diarreia. Exemplo: Síndrome do Intestino Irritável.
2. Principais Etiologias por Faixa Etária
Lactentes (< 2 anos):
Síndrome Pós-Enterite: A causa mais comum. Após um quadro de gastroenterite aguda, a lesão da mucosa pode levar a uma intolerância secundária e transitória à lactose.
Alergia Alimentar: Principalmente a Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV).
Diarreia Funcional do Lactente ("Toddler's Diarrhea"): Criança com excelente estado geral, bom ganho de peso, que apresenta fezes amolecidas com restos alimentares, geralmente por excesso de ingestão de sucos e carboidratos.
Fibrose Cística: Causa de insuficiência pancreática e má absorção.
Crianças Maiores e Adolescentes:
Doença Celíaca: Intolerância permanente ao glúten, com má absorção e impacto no crescimento.
Giardíase: Infecção parasitária que pode causar diarreia crônica e má absorção.
Doença Inflamatória Intestinal (DII): Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa.
Síndrome do Intestino Irritável (SII): Causa funcional, com dor abdominal associada a alterações do hábito intestinal.
3. Avaliação Diagnóstica: Uma Abordagem Escalonada
A investigação deve ser lógica e progressiva, partindo do menos para o mais invasivo.
Etapa 1: Anamnese Detalhada e Exame Físico
A história clínica é a ferramenta mais poderosa. Investigar: início e duração dos sintomas, características das fezes (volume, consistência, presença de gordura, muco ou sangue), relação com a dieta (leite, glúten), história familiar de doenças gastrointestinais, e o impacto no crescimento e no estado geral da criança.
O exame físico deve focar na avaliação nutricional (peso, altura, IMC), na presença de distensão abdominal, dor à palpação e manifestações extraintestinais (lesões de pele, artrite, etc.).
Etapa 2: Exames de Triagem (Não Invasivos)
Exames Laboratoriais Sanguíneos: Hemograma completo (avaliar anemia), provas de atividade inflamatória (VHS, PCR), albumina (marcador nutricional e de perdas proteicas).
Exames Fecais:
Exame Parasitológico de Fezes (EPF): Coletar 3 amostras em dias alternados para aumentar a sensibilidade, especialmente para Giardia.
Pesquisa de Leucócitos Fecais e Sangue Oculto: Indicam processo inflamatório.
pH e Substâncias Redutoras: Sugerem má absorção de carboidratos.
Elastase Fecal: Excelente marcador para insuficiência pancreática exócrina.
Etapa 3: Investigação Específica (Guiada pela Suspeita Clínica)
Suspeita de Doença Celíaca: Dosagem de anticorpos Anti-Transglutaminase Tecidual (anti-TTG) IgA, associada à dosagem de IgA total.
Suspeita de Doença Inflamatória Intestinal: Dosagem de Calprotectina Fecal, um marcador sensível de inflamação intestinal.
Suspeita de Alergia Alimentar: Testes cutâneos (Prick test) ou IgE específica para os alimentos suspeitos.
Etapa 4: Exames Invasivos e de Imagem
Endoscopia Digestiva Alta com Biópsias de Duodeno: Padrão-ouro para o diagnóstico de Doença Celíaca.
Colonoscopia com Biópsias: Essencial para o diagnóstico de Doença Inflamatória Intestinal.
4. Tratamento
O tratamento é direcionado à causa base e deve sempre incluir um suporte nutricional robusto.
Doença Celíaca: Dieta isenta de glúten por toda a vida.
Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV): Exclusão completa da proteína do leite de vaca da dieta da criança e da mãe (se em aleitamento).
Giardíase: Tratamento com antiparasitários (Metronidazol, Nitazoxanida).
Intolerância à Lactose Pós-Enterite: Restrição temporária de lactose por 2 a 4 semanas.
Doença Inflamatória Intestinal: Manejo complexo com anti-inflamatórios, imunossupressores e terapia biológica, conduzido por um gastroenterologista pediátrico.
O suporte nutricional com suplementação de vitaminas e minerais é frequentemente necessário para corrigir as deficiências e promover a recuperação do crescimento.
Referências Bibliográficas
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Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
A diarreia crônica é um sinal, não um diagnóstico. A investigação etiológica é mandatória.
A abordagem deve ser escalonada, partindo de exames não invasivos para os mais complexos.
O suporte nutricional deve ser iniciado precocemente, em paralelo à investigação.
As prescrições de tratamento específico só devem ser feitas após a confirmação diagnóstica.
2. Prescrição para Investigação Inicial (Etapa 1 e 2)
Prescrição de Exames Laboratoriais Iniciais:
Hemograma completo.
Velocidade de Hemossedimentação (VHS) e Proteína C Reativa (PCR).
Albumina e Proteínas Totais.
Eletrólitos, Cálcio, Fósforo, Magnésio.
Ferritina e Saturação de Transferrina.
Exame Parasitológico de Fezes (EPF) - coletar 3 amostras em dias alternados.
Pesquisa de Leucócitos e Sangue Oculto nas fezes.
pH e Substâncias Redutoras nas fezes.
Prescrição de Exames Específicos (Guiada pela Suspeita):
Se suspeita de Doença Celíaca:
Dosagem de Anticorpo Anti-Transglutaminase Tecidual (anti-TTG) IgA.
Dosagem de IgA sérica total.
Se suspeita de Doença Inflamatória Intestinal:
Dosagem de Calprotectina Fecal.
Se suspeita de Insuficiência Pancreática:
Dosagem de Elastase Pancreática Fecal.
3. Prescrição para Tratamento de Causas Comuns
Giardíase:
Prescrição (Primeira Escolha):
Metronidazol suspensão oral. Prescrever na dose de 15 mg/kg/dia, por via oral, dividida em 3 tomadas (de 8/8h), por 5 a 7 dias.
Prescrição (Alternativa):
Nitazoxanida suspensão oral. Prescrever na dose de 7,5 mg/kg/dose, por via oral, de 12/12h, por 3 dias.
Doença Celíaca (após confirmação diagnóstica):
Encaminhar para Nutricionista especializado.
Prescrever Dieta Estrita e Permanente com Isenção de Glúten (trigo, aveia, cevada, centeio).
Prescrever Suplementação Inicial:
Sulfato Ferroso (3-5 mg/kg/dia de ferro elementar).
Ácido Fólico 1-5 mg/dia.
Vitamina D 800-1000 UI/dia.
Complexo B.
Alergia à Proteína do Leite de Vaca (APLV):
Prescrever Dieta de Exclusão da Proteína do Leite de Vaca.
Se a criança estiver em aleitamento materno, prescrever a dieta de exclusão para a mãe.
Se em uso de fórmula, prescrever Fórmula Infantil Extensamente Hidrolisada. Em casos graves, prescrever Fórmula de Aminoácidos.
4. Prescrição de Suporte Nutricional
Encaminhar para avaliação com Nutricionista Pediátrico.
Orientar dieta hipercalórica e hiperproteica, adequada para a idade, para promover a recuperação nutricional.
Se houver má absorção de gorduras, prescrever suplementação de Vitaminas Lipossolúveis (A, D, E, K).
Considerar o uso de suplementos nutricionais orais entre as refeições para aumentar o aporte calórico.
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