Constipação Intestinal
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Constipação Intestinal em pediatria é um distúrbio comum, caracterizado por evacuações infrequentes, dolorosas ou com esforço, e pela retenção de fezes. É crucial entender que mais de 95% dos casos são de Constipação Funcional, ou seja, não há uma causa orgânica ou anatômica subjacente.
Fisiopatologia do Ciclo Vicioso
A constipação funcional geralmente se inicia com um evento desencadeante (ex: uma evacuação dolorosa por fezes endurecidas, o início do treinamento
Categoria
Gastrointestinais e Alergias Alimentares > Doenças Inflamatórias e Autoimunes > Constipação Intestinal
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Constipação Intestinal em pediatria é um distúrbio comum, caracterizado por evacuações infrequentes, dolorosas ou com esforço, e pela retenção de fezes. É crucial entender que mais de 95% dos casos são de Constipação Funcional, ou seja, não há uma causa orgânica ou anatômica subjacente.
Fisiopatologia do Ciclo Vicioso
A constipação funcional geralmente se inicia com um evento desencadeante (ex: uma evacuação dolorosa por fezes endurecidas, o início do treinamento de toalete, ou mudanças na dieta). A criança, para evitar a dor, passa a reter voluntariamente as fezes. Este comportamento retentivo leva a um acúmulo de fezes no reto e no cólon, que se tornam progressivamente mais volumosas, endurecidas e secas. A passagem dessas fezes calibrosas e duras causa mais dor e pode levar a fissuras anais, reforçando o comportamento de retenção e perpetuando um ciclo vicioso de dor-medo-retenção. Com o tempo, a distensão crônica do reto leva à perda da sensibilidade local e à perda do reflexo evacuatório normal.
Encoprese
É o escape involuntário de fezes líquidas ao redor de uma grande massa fecal impactada no reto (incontinência por transbordamento). É uma complicação comum da constipação crônica e não um problema comportamental primário.
2. Diagnóstico
O diagnóstico da constipação funcional é clínico, baseado nos Critérios de Roma IV. A investigação laboratorial ou de imagem raramente é necessária na ausência de sinais de alarme.
Critérios de Roma IV para Constipação Funcional (pelo menos 2 critérios, por no mínimo 1 mês):
Duas ou menos evacuações por semana.
Pelo menos um episódio de incontinência fecal (encoprese) por semana (em crianças com controle esfincteriano adquirido).
História de comportamento retentivo (posturas para evitar a evacuação).
História de evacuações dolorosas ou de fezes endurecidas.
Presença de uma grande massa fecal no reto.
História de fezes de grande calibre que podem entupir o vaso sanitário.
Sinais de Alarme ("Red Flags") que Sugerem Causa Orgânica:
Início nos primeiros meses de vida, especialmente no período neonatal.
Atraso na eliminação de mecônio (>48h de vida).
Presença de fístula ou ânus anteriorizado ao exame.
Fezes em fita.
Distensão abdominal importante associada a vômitos.
Falha no ganho de peso e crescimento.
Sintomas neurológicos (fraqueza em membros inferiores, reflexos anormais).
3. Manejo e Tratamento: A Abordagem em 3 Fases
O tratamento é um processo de longo prazo (meses a anos) e envolve três etapas sequenciais.
Fase 1: Desimpactação Fecal
Objetivo: Esvaziar completamente o reto e o cólon da massa fecal impactada. Esta etapa é essencial antes de iniciar a manutenção.
Método de Escolha: Terapia oral com Polietilenoglicol (PEG) 3350 ou 4000 em altas doses por 3 a 6 dias. É tão eficaz quanto os enemas, porém menos traumático para a criança.
Alternativa: Enemas retais (fosfatados ou salinos) podem ser usados se a terapia oral falhar ou não for tolerada.
Fase 2: Terapia de Manutenção
Objetivo: Prevenir a reacumulação de fezes, manter as fezes macias e indolores, e permitir que o reto retome seu tônus e sensibilidade normais.
Duração: Esta é a fase mais longa, durando de meses a anos. A suspensão precoce da medicação é a principal causa de recidiva.
Droga de Escolha: Polietilenoglicol (PEG) em doses diárias, ajustadas para atingir o objetivo de 1 a 2 evacuações pastosas por dia, sem dor.
Alternativas: Lactulose ou Hidróxido de Magnésio são laxantes osmóticos eficazes. Laxantes estimulantes (Sene, Bisacodil) são reservados para uso intermitente em casos refratários.
Fase 3: Medidas Comportamentais e Dietéticas
Esta fase ocorre em paralelo com a manutenção e é crucial para o sucesso a longo prazo.
Educação Familiar: Explicar a natureza funcional do problema, o ciclo vicioso e a importância do tratamento prolongado e sem punições.
Treinamento de Toalete: Estabelecer uma rotina de "sentar no vaso" por 5 a 10 minutos, 2 a 3 vezes ao dia, preferencialmente após as principais refeições, para aproveitar o reflexo gastrocólico. O ambiente deve ser tranquilo e os pés da criança devem estar apoiados.
Dieta: Aumentar a ingestão de fibras (frutas, vegetais, grãos integrais) e, principalmente, de líquidos (água). A dieta isoladamente raramente resolve a constipação estabelecida, mas é fundamental na manutenção.
4. Prognóstico
Com um tratamento bem estruturado e prolongado, o prognóstico é bom, com resolução em 50-70% dos casos após 1 a 2 anos. No entanto, as recidivas são comuns, especialmente se a medicação for suspensa precocemente ou se as medidas comportamentais não forem mantidas.
Referências Bibliográficas
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Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
O tratamento da constipação funcional é um processo de 3 fases: desimpactação, manutenção e desmame gradual.
A educação familiar sobre a natureza crônica do problema e a importância da adesão é tão crucial quanto a prescrição medicamentosa.
O objetivo da terapia de manutenção é alcançar 1 a 2 evacuações macias e indolores por dia.
2. Prescrição para a Fase 1: Desimpactação Fecal
Primeira Linha (Terapia Oral):
Prescrição:
1. Polietilenoglicol 3350 ou 4000 (PEG), sem eletrólitos, em pó para solução.
2. Dose: Prescrever na dose de 1 a 1,5 g/kg/dia, por via oral.
3. Modo de Usar: Dissolver a dose diária total em um grande volume de líquido (água, suco) e oferecer à criança para beber ao longo do dia.
4. Duração: Manter por 3 a 6 dias consecutivos, até a evacuação de fezes líquidas e sem resíduos sólidos.
Segunda Linha (Terapia Retal):
Indicação: Falha ou intolerância à terapia oral.
Prescrição (para crianças > 2 anos):
1. Enema de Fosfato de Sódio, 1 aplicação, via retal, uma vez ao dia, por no máximo 2 a 3 dias.
Prescrição (para lactentes):
1. Supositório de Glicerina para lactentes, 1 unidade, via retal, uma vez ao dia.
3. Prescrição para a Fase 2: Terapia de Manutenção
Primeira Linha (Laxante Osmótico):
Prescrição:
1. Polietilenoglicol 3350 ou 4000 (PEG), sem eletrólitos, em pó para solução.
2. Dose Inicial: Prescrever na dose de 0,4 g/kg/dia, por via oral, uma vez ao dia.
3. Ajuste: Orientar a família a titular a dose (aumentando ou diminuindo em 0,2 g/kg/dia a cada 3-5 dias) até atingir o objetivo de 1-2 evacuações pastosas (tipo Bristol 4) por dia.
4. Duração: Manter o tratamento por pelo menos 2 meses após a resolução dos sintomas, com desmame lento e gradual.
Alternativa (Laxante Osmótico):
Prescrição:
1. Lactulose xarope 667 mg/mL.
2. Dose: Prescrever na dose de 1 a 3 mL/kg/dia, por via oral, dividida em 1 ou 2 tomadas.
4. Prescrição de Medidas Comportamentais e Dietéticas
1. Treinamento de Toalete: Orientar a criança a sentar-se no vaso sanitário por 5 a 10 minutos, 2 a 3 vezes ao dia, preferencialmente 15 a 30 minutos após as principais refeições. Utilizar um apoio para os pés e um redutor de assento.
2. Diário Evacuatório: Fornecer um diário para a família registrar a frequência, consistência (usando a Escala de Bristol) e presença de dor ou escape fecal, para auxiliar nos ajustes da medicação.
3. Dieta:
Orientar o aumento gradual da ingestão de fibras, através de frutas com casca e bagaço, vegetais e grãos integrais.
* Enfatizar a importância de uma ingestão hídrica adequada ao longo do dia.
5. Orientações para a Família
1. Explicar que a constipação é um problema médico, não "manha" ou "preguiça", e que a criança não deve ser punida por reter as fezes ou por episódios de escape (encoprese).
2. Reforçar que o tratamento é longo e que a suspensão precoce do laxante levará à recidiva do problema.
3. O objetivo não é apenas "fazer cocô", mas sim criar uma experiência evacuatória regular, indolor e sem medo.
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