Doença Celíaca
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Doença Celíaca (DC) é uma enteropatia autoimune sistêmica, desencadeada pela ingestão de glúten e prolaminas relacionadas em indivíduos com predisposição genética. Não é uma simples alergia ou intolerância; é uma condição crônica mediada por linfócitos T que resulta em inflamação e dano à mucosa do intestino delgado.
Fisiopatologia
Em indivíduos geneticamente suscetíveis (portadores dos alelos HLA-DQ2 e/ou HLA-DQ8), a gliadina (uma fração do glúten) atravessa a b
Categoria
Gastrointestinais e Alergias Alimentares > Doenças Inflamatórias e Autoimunes > Doença Celíaca
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Doença Celíaca (DC) é uma enteropatia autoimune sistêmica, desencadeada pela ingestão de glúten e prolaminas relacionadas em indivíduos com predisposição genética. Não é uma simples alergia ou intolerância; é uma condição crônica mediada por linfócitos T que resulta em inflamação e dano à mucosa do intestino delgado.
Fisiopatologia
Em indivíduos geneticamente suscetíveis (portadores dos alelos HLA-DQ2 e/ou HLA-DQ8), a gliadina (uma fração do glúten) atravessa a barreira intestinal e é modificada pela enzima transglutaminase tecidual (tTG). Este complexo é apresentado às células do sistema imune, desencadeando uma resposta inflamatória intensa. O resultado é a produção de autoanticorpos (anti-tTG, anti-endomísio) e, crucialmente, a infiltração de linfócitos na mucosa intestinal, levando à hiperplasia das criptas e atrofia das vilosidades, o que diminui drasticamente a superfície de absorção de nutrientes.
2. Apresentação Clínica
A DC é uma "doença camaleão" com um amplo espectro de apresentações.
Forma Clássica (Gastrointestinal): Mais comum em crianças pequenas (6-24 meses), após a introdução do glúten na dieta.
Diarreia crônica, esteatorreia (fezes gordurosas e fétidas).
Distensão abdominal acentuada.
Falha no ganho de peso e crescimento.
Irritabilidade, apatia e atrofia da musculatura glútea.
Forma Não Clássica (Atípica): Mais comum em crianças maiores e adolescentes. Os sintomas gastrointestinais podem ser discretos ou ausentes.
Manifestações Extraintestinais:
Anemia ferropriva refratária ao tratamento oral.
Baixa estatura inexplicada.
Atraso puberal.
Dermatite Herpetiforme: Lesões vesiculares intensamente pruriginosas em superfícies extensoras (cotovelos, joelhos). É considerada a manifestação cutânea patognomônica da DC.
Elevação inexplicada das transaminases.
Defeitos no esmalte dentário.
Osteopenia/osteoporose.
Forma Silenciosa: Pacientes assintomáticos, geralmente diagnosticados durante o rastreamento de grupos de risco (familiares de primeiro grau, pacientes com Diabetes Mellitus tipo 1 ou Síndrome de Down).
3. Diagnóstico: A Abordagem Escalonada
O diagnóstico mudou significativamente com as diretrizes da ESPGHAN (Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica). É crucial que toda a investigação seja feita enquanto o paciente está consumindo uma dieta normal com glúten.
Passo 1: Sorologia de Triagem
O teste inicial de escolha é a dosagem do anticorpo Anti-Transglutaminase Tecidual (anti-TTG) da classe IgA.
Simultaneamente, deve-se dosar a IgA sérica total para excluir uma deficiência de IgA (que ocorre em 2-3% dos celíacos e pode levar a um resultado falso-negativo do anti-TTG IgA).
Passo 2: Confirmação e Estratificação
Se Anti-TTG IgA for positivo: A conduta depende do título do anticorpo.
Títulos Baixos (< 10x o limite superior da normalidade - LSN): O paciente deve prosseguir para a Endoscopia Digestiva Alta com biópsias duodenais para confirmação histológica (padrão-ouro clássico). A biópsia revelará o grau de atrofia vilositária (classificação de Marsh).
Títulos Muito Altos (≥ 10x o LSN): As diretrizes da ESPGHAN permitem o diagnóstico sem biópsia em crianças e adolescentes, desde que um segundo teste, o Anti-Endomísio (EMA) IgA, coletado em uma amostra de sangue diferente, também seja positivo.
Situações Especiais:
Se Deficiência de IgA: A investigação deve ser feita com testes da classe IgG (Anti-TTG IgG e/ou Anti-Gliadina Deaminada - DGP IgG).
Teste Genético (HLA-DQ2/DQ8): Não é usado para diagnóstico, mas tem um altíssimo valor preditivo negativo. A ausência de ambos os alelos torna o diagnóstico de DC extremamente improvável.
4. Tratamento
O único tratamento eficaz para a Doença Celíaca é a adesão a uma Dieta Isenta de Glúten (DIG) de forma rigorosa e permanente.
Dieta: Exclusão de todos os alimentos que contenham trigo, centeio e cevada. A aveia pode ser consumida se for certificada como "sem glúten", para evitar contaminação cruzada.
Suporte Multidisciplinar: O acompanhamento com um nutricionista experiente em DC é fundamental para a educação sobre a dieta, leitura de rótulos e prevenção da contaminação cruzada.
Suplementação Nutricional: No momento do diagnóstico, a maioria dos pacientes apresenta deficiências que precisam ser corrigidas, como ferro, ácido fólico, vitamina B12, cálcio e vitamina D.
5. Seguimento e Monitoramento
Monitoramento Clínico: Avaliação regular do crescimento, desenvolvimento e resolução dos sintomas.
Monitoramento Laboratorial: A dosagem seriada do Anti-TTG IgA é a melhor ferramenta para monitorar a adesão à dieta. Os títulos devem começar a cair em 3-6 meses e, geralmente, negativam em 12-24 meses com uma dieta correta. A persistência de títulos elevados indica transgressões dietéticas.
Monitoramento de Complicações: Acompanhamento a longo prazo para rastrear doenças autoimunes associadas (especialmente Diabetes tipo 1 e Tireoidite de Hashimoto) e avaliar a densidade mineral óssea.
Referências Bibliográficas
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Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
O diagnóstico da Doença Celíaca exige uma abordagem laboratorial específica. Não inicie uma dieta sem glúten antes de completar a investigação sorológica e, se indicada, a biópsia, pois isso pode negativar os exames e dificultar o diagnóstico.
O tratamento é uma prescrição de estilo de vida. A educação e o suporte nutricional são tão importantes quanto a prescrição de suplementos.
O seguimento é para toda a vida.
2. Prescrição para Investigação Diagnóstica
Prescrição de Exames de Triagem/Diagnóstico:
Dosagem de Anticorpo Anti-Transglutaminase Tecidual (anti-TTG), IgA.
Dosagem de Imunoglobulina A (IgA) Sérica Total.
Se alta suspeita e para confirmação na via sem biópsia: Dosagem de Anticorpo Anti-Endomísio (EMA), IgA.
Se deficiência de IgA ou em < 2 anos: Dosagem de Anticorpo Anti-Gliadina Deaminada (DGP), IgG.
Prescrição para Confirmação Histológica (se indicada):
Solicito Endoscopia Digestiva Alta com Biópsias de Duodeno (mínimo de 4 fragmentos de segunda/terceira porção e 1-2 fragmentos de bulbo) para análise histopatológica com classificação de Marsh.
3. Prescrição para o Tratamento Inicial
Prescrição Dietética (a ser detalhada pelo nutricionista):
Dieta Estrita e Permanente com Isenção de Glúten.
Excluir todos os alimentos contendo trigo, centeio, cevada e malte.
Orientar sobre a leitura cuidadosa de rótulos e o risco de contaminação cruzada.
Encaminhar para consulta com Nutricionista especializado em Doença Celíaca.
Prescrição para Suplementação de Deficiências (Exemplo para Criança de 15 kg):
Ajustar doses com base nos exames laboratoriais.
Sulfato Ferroso solução oral. Prescrever na dose de 3 a 5 mg/kg/dia de ferro elementar, por via oral, por 3 a 6 meses.
Ácido Fólico 1 a 5 mg, por via oral, uma vez ao dia, por 3 meses.
Vitamina D solução oral. Prescrever na dose de 1.000 a 2.000 UI, por via oral, uma vez ao dia.
Carbonato de Cálcio 500 mg, por via oral, uma a duas vezes ao dia.
4. Prescrição para Monitoramento e Seguimento
Agendar retorno em 3 a 6 meses após o início da dieta sem glúten para reavaliação clínica e nutricional.
Solicitar para o retorno de 6 meses:
Hemograma completo.
Perfil de ferro (Ferritina, Saturação de Transferrina).
Dosagem de 25-OH Vitamina D.
Solicitar para o retorno de 12 meses:
Dosagem de Anticorpo Anti-Transglutaminase Tecidual (anti-TTG), IgA, para monitorar a adesão à dieta.
Manter acompanhamento anual com o gastroenterologista pediátrico e nutricionista após a estabilização.
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