Doença de Crohn

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Doença de Crohn (DC) é uma Doença Inflamatória Intestinal (DII) crônica, imunomediada, caracterizada por uma inflamação transmural (que afeta todas as camadas da parede intestinal) e segmentar, podendo acometer qualquer parte do trato gastrointestinal, da boca ao ânus. Em pediatria, seu diagnóstico tem aumentado, e a doença frequentemente se apresenta de forma mais extensa e com maior impacto no crescimento e desenvolvimento do que em adultos. Fisiopatologia A DC

Categoria

Gastrointestinais e Alergias Alimentares > Doenças Inflamatórias e Autoimunes > Doença de Crohn

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Doença de Crohn (DC) é uma Doença Inflamatória Intestinal (DII) crônica, imunomediada, caracterizada por uma inflamação transmural (que afeta todas as camadas da parede intestinal) e segmentar, podendo acometer qualquer parte do trato gastrointestinal, da boca ao ânus. Em pediatria, seu diagnóstico tem aumentado, e a doença frequentemente se apresenta de forma mais extensa e com maior impacto no crescimento e desenvolvimento do que em adultos. Fisiopatologia A DC resulta de uma resposta imune desregulada à microbiota intestinal em indivíduos com predisposição genética. Essa resposta inflamatória crônica, mediada por citocinas como o TNF-α, leva à formação de úlceras profundas, fissuras e, caracteristicamente, granulomas não caseosos na histologia. A natureza transmural da inflamação é a base para as complicações típicas da doença, como a formação de estenoses (estreitamentos) e fístulas (comunicações anormais). 2. Classificação de Paris (Classificação Pediátrica) A classificação de Paris é essencial para caracterizar a doença na criança e no adolescente, guiando o tratamento e o prognóstico. Idade do Diagnóstico (A): A1a (<10 anos), A1b (10-17 anos). Localização (L): L1: Íleo terminal. L2: Apenas cólon. L3: Ileocolônica (localização mais comum em pediatria). L4: Trato gastrointestinal superior associado. Comportamento da Doença (B): B1 (Inflamatório): Sem complicações. B2 (Estenosante): Com estreitamentos fibróticos. B3 (Penetrante/Fistulizante): Com fístulas ou abscessos. Crescimento (G): G1 se houver déficit de crescimento documentado, um achado crucial em pediatria. 3. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico exige um alto índice de suspeição e é confirmado por uma combinação de achados. Manifestações Clínicas: Sintomas Gastrointestinais: Dor abdominal (geralmente em cólica, na fossa ilíaca direita), diarreia (pode ou não ser sanguinolenta) e perda de peso são a tríade clássica. Déficit de Crescimento: A desaceleração da velocidade de crescimento e o atraso puberal podem ser as únicas manifestações da doença por meses ou anos, precedendo os sintomas intestinais. Manifestações Extraintestinais (MEI): Ocorrem em até 25% dos casos e incluem artrite, eritema nodoso, pioderma gangrenoso e uveíte. Diagnóstico Laboratorial: Marcadores Inflamatórios: Elevação da PCR e VHS. A Calprotectina Fecal é um marcador sensível e específico de inflamação intestinal, muito útil para triagem e monitoramento. Outros: Anemia (ferropriva ou de doença crônica), trombocitose e hipoalbuminemia. Diagnóstico Endoscópico e Histológico: A ileocolonoscopia com biópsias é o exame fundamental. Os achados característicos incluem úlceras aftoides ou serpiginosas, lesões salteadas (áreas de mucosa doente intercaladas com mucosa normal) e um aspecto de "pedras de calçamento" (cobblestone). A histologia confirma a inflamação crônica e pode revelar os granulomas não caseosos. Exames de Imagem do Intestino Delgado: A Entero-Ressonância Magnética ou Entero-Tomografia são essenciais para avaliar o intestino delgado, que não é alcançado pela endoscopia convencional, e para detectar complicações como estenoses e abscessos. 4. Manejo e Tratamento O tratamento é escalonado e visa induzir e manter a remissão, promover a cicatrização da mucosa e garantir o crescimento e desenvolvimento normais. Indução da Remissão: Nutrição Enteral Exclusiva (NEE): É a terapia de primeira linha para indução de remissão em crianças e adolescentes com DC luminal ativa. Consiste no uso de uma fórmula polimérica como única fonte de nutrição por 6 a 8 semanas. Tem eficácia similar aos corticosteroides, mas sem os efeitos adversos e com benefício nutricional. Corticosteroides (Prednisona): Usados se a NEE falhar ou não for viável. São eficazes para a indução, mas não devem ser usados para manutenção devido aos seus múltiplos efeitos colaterais, incluindo o prejuízo ao crescimento. Manutenção da Remissão: Imunossupressores (Tiopurinas): Azatioprina ou 6-Mercaptopurina são as drogas de primeira linha para a manutenção da remissão induzida por corticoides. Metotrexato: Alternativa para pacientes que não toleram as tiopurinas. Terapia Biológica (Agentes Anti-TNF): Infliximabe e Adalimumabe revolucionaram o tratamento da DC moderada a grave. São indicados para pacientes que não respondem aos imunossupressores ou como terapia de primeira linha ("top-down") em casos de doença grave, fistulizante ou com déficit de crescimento significativo. Tratamento Cirúrgico: A cirurgia não é curativa para a DC, mas é frequentemente necessária para tratar complicações refratárias, como obstrução intestinal por estenose, fístulas ou abscessos que não respondem ao tratamento clínico. 5. Prognóstico A Doença de Crohn é uma condição crônica, sem cura, com um curso de remissões e recidivas. No entanto, com as terapias modernas, especialmente os agentes biológicos, é possível alcançar a remissão profunda (clínica e endoscópica) e garantir uma boa qualidade de vida e um crescimento normal para a maioria das crianças. Referências Bibliográficas 1. Levine, A., Koletzko, S., Turner, D., et al. (2014). ESPGHAN Revised Porto Criteria for the Diagnosis of Inflammatory Bowel Disease in Children and Adolescents. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, 58(6), 795–806. 2. Ruemmele, F. M., Veres, G., Kolho, K. L., et al. (2014). Consensus guidelines of ECCO/ESPGHAN on the medical management of pediatric Crohn's disease. Journal of Crohn's & Colitis, 8(10), 1179–1207. 3. van Rheenen, P. F., Aloi, M., Assa, A., et al. (2021). The Medical Management of Paediatric Crohn's Disease: an ECCO-ESPGHAN Guideline Update. Journal of Crohn's & Colitis, 15(2), 171–194. 4. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2018). Doença inflamatória intestinal na infância e adolescência. Guia Prático de Orientação. 5. Hyams, J. S., Ferry, G. D., Mandel, F. S., et al. (1991). Development and validation of a pediatric Crohn's disease activity index. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, 12(4), 439–447. 6. Mack, D. R., et al. (2019). North American Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology, and Nutrition Position Paper on the Diagnosis and Management of Immune-Mediated Food Allergies in Pediatric Patients With Inflammatory Bowel Disease. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, 68(2), 277-291.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor O manejo da Doença de Crohn é especializado e deve ser conduzido por um Gastroenterologista Pediátrico. A prescrição inicial visa a indução da remissão. A terapia de manutenção é introduzida subsequentemente. O suporte nutricional é um componente central do tratamento em todas as fases. Antes de iniciar imunossupressores ou biológicos, um rastreamento infeccioso e a atualização vacinal são mandatórios. 2. Prescrição para Investigação Diagnóstica 1. Solicitar exames laboratoriais: Hemograma completo, VHS, PCR, Albumina, Ferritina, Vitamina B12, 25-OH Vitamina D, Zinco. 2. Solicitar marcadores de inflamação intestinal: Calprotectina Fecal. 3. Solicitar sorologias para DII: ASCA (frequentemente positivo na DC) e pANCA. 4. Solicitar Endoscopia Digestiva Alta e Ileocolonoscopia com biópsias seriadas. 5. Solicitar Entero-Ressonância Magnética para avaliação do intestino delgado. 3. Prescrição para Indução da Remissão Primeira Linha (Terapia Nutricional) Prescrição: 1. Nutrição Enteral Exclusiva (NEE) por 6 a 8 weeks. 2. Prescrever fórmula polimérica padrão (ex: Nutren Jr, Fortini). O volume diário deve ser calculado pela nutricionista para atingir 100% das necessidades calóricas da criança. 3. Orientação: Durante este período, a fórmula deve ser a única fonte de nutrição. Apenas água é permitida além da fórmula. Segunda Linha (Corticosteroides) Indicação: Falha ou impossibilidade de realizar a NEE. Prescrição: 1. Prednisona comprimido. 2. Dose: Prescrever na dose de 1 a 2 mg/kg/dia (dose máxima de 40-60 mg/dia), por via oral, em dose única pela manhã. 3. Planejamento de Desmame: Manter a dose plena por 2 a 4 semanas e, então, iniciar um desmame lento, reduzindo a dose em 5 mg a cada 1-2 semanas, ao longo de 6 a 8 semanas no total. 4. Prescrição para Manutenção da Remissão Primeira Linha (Imunossupressores) Iniciados durante o desmame do corticoide. Prescrição: 1. Azatioprina comprimido 50mg. 2. Dose: Prescrever na dose de 2 a 2,5 mg/kg/dia, por via oral, em dose única diária. 3. Monitoramento: Solicitar Hemograma completo e Transaminases semanalmente no primeiro mês, depois mensalmente. Terapia Biológica (Anti-TNF) Indicação: Doença moderada a grave, fistulizante ou refratária. Prescrição (Exemplo com Infliximabe): 1. Rastreamento pré-infusão: Solicitar PPD/IGRA, Radiografia de tórax, Sorologias para Hepatites B, C e HIV. Atualizar o calendário vacinal (especialmente vacinas inativadas). 2. Infliximabe, solução para infusão endovenosa. 3. Dose de Indução: Prescrever na dose de 5 mg/kg/dose, IV, nas semanas 0, 2 e 6. 4. Dose de Manutenção: Manter 5 mg/kg/dose, IV, a cada 8 semanas. 5. Prescrição de Suporte Nutricional 1. Encaminhar para Nutricionista Pediátrico. 2. Prescrever Suplementação de Vitaminas e Minerais, conforme deficiências identificadas: Sulfato Ferroso para anemia ferropriva. Vitamina D (ex: 1000-2000 UI/dia). Cálcio (1000-1500 mg/dia). Ácido Fólico 1 mg/dia. Vitamina B12 (se houver ressecção ou doença ileal extensa). 3. Considerar o uso de suplementos nutricionais orais poliméricos para complementar o aporte calórico.

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