Síndrome do Intestino Irritável
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é o distúrbio funcional gastrointestinal mais comum em crianças e adolescentes. É definida pela presença de dor abdominal crônica ou recorrente, associada a alterações no hábito intestinal (diarreia, constipação ou um padrão misto), na ausência de uma causa orgânica identificável.
Fisiopatologia: O Eixo Intestino-Cérebro
A SII não é uma doença "psicológica", mas sim um distúrbio complexo da interação intestino-cérebro. A fisi
Categoria
Gastrointestinais e Alergias Alimentares > Doenças Inflamatórias e Autoimunes > Síndrome do Intestino Irritável
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é o distúrbio funcional gastrointestinal mais comum em crianças e adolescentes. É definida pela presença de dor abdominal crônica ou recorrente, associada a alterações no hábito intestinal (diarreia, constipação ou um padrão misto), na ausência de uma causa orgânica identificável.
Fisiopatologia: O Eixo Intestino-Cérebro
A SII não é uma doença "psicológica", mas sim um distúrbio complexo da interação intestino-cérebro. A fisiopatologia envolve múltiplos fatores interligados:
Hipersensibilidade Visceral: Crianças com SII têm um limiar de dor mais baixo no intestino. Estímulos normais, como a passagem de gases ou fezes, são percebidos como dolorosos.
Dismotilidade Intestinal: Ocorrem alterações na velocidade e na coordenação das contrações intestinais, levando a diarreia ou constipação.
Fatores Pós-Infecciosos: Uma parcela significativa dos casos de SII se inicia após um episódio de gastroenterite aguda.
Disbiose: Alterações na composição da microbiota intestinal.
Fatores Psicossociais: Estresse, ansiedade e depressão não causam a SII, mas podem modular a percepção da dor e exacerbar os sintomas através do eixo intestino-cérebro.
2. Diagnóstico: Critérios de Roma IV e Sinais de Alarme
O diagnóstico da SII é clínico e positivo, baseado nos critérios de Roma IV, e não apenas na exclusão de outras doenças.
Critérios Diagnósticos de Roma IV (para crianças e adolescentes):
A dor abdominal deve ocorrer, em média, pelo menos 4 dias por mês, nos últimos 2 meses, associada a um ou mais dos seguintes:
1. Relação com a defecação (a dor melhora ou piora após evacuar).
2. Mudança na frequência das evacuações.
3. Mudança na forma (aparência) das fezes.
Subtipos da SII:
SII com predomínio de Constipação (SII-C): >25% das evacuações anormais são endurecidas (Bristol 1-2).
SII com predomínio de Diarreia (SII-D): >25% das evacuações anormais são amolecidas/líquidas (Bristol 6-7).
SII Mista (SII-M): Alternância entre constipação e diarreia.
Sinais de Alarme ("Red Flags"): A presença de qualquer um destes sinais sugere uma causa orgânica e exige investigação adicional.
Perda de peso involuntária ou desaceleração do crescimento.
Sangramento gastrointestinal (visível ou oculto).
Vômitos significativos.
Diarreia noturna que acorda o paciente.
Febre persistente e inexplicada.
Artrite.
História familiar de Doença Inflamatória Intestinal (DII), Doença Celíaca ou câncer colorretal.
3. Manejo e Tratamento: Uma Abordagem Multimodal
O tratamento é individualizado e focado na melhora da qualidade de vida.
Educação e Validação: O primeiro e mais importante passo é explicar ao paciente e à família a natureza da SII como um distúrbio real da interação intestino-cérebro. Validar os sintomas da criança é fundamental para estabelecer a confiança e a adesão.
Intervenções Dietéticas:
Dieta Baixa em FODMAPs: É a intervenção dietética com maior evidência. FODMAPs são carboidratos de cadeia curta, fermentáveis e pouco absorvidos, que podem causar distensão e dor em indivíduos sensíveis. A dieta consiste em uma fase de restrição (2-6 semanas) seguida por uma fase de reintrodução gradual e sistemática para identificar os gatilhos individuais. Deve ser sempre acompanhada por um nutricionista.
Fibras: Fibras solúveis (ex: psyllium) podem ajudar na SII-C, enquanto fibras insolúveis (ex: farelo de trigo) podem piorar a dor e a distensão.
Tratamento Farmacológico (Sintomático):
Dor Abdominal: Antiespasmódicos (ex: Hioscina) podem ser usados para alívio das cólicas. Antidepressivos em baixas doses (ex: Amitriptilina) atuam como neuromoduladores da dor visceral e podem ser muito eficazes em casos refratários.
Constipação (SII-C): Laxantes osmóticos, como o Polietilenoglicol (PEG), são a primeira linha.
Diarreia (SII-D): A Loperamida pode ser usada de forma criteriosa para controlar os episódios.
Terapias Mente-Corpo:
Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC): Altamente eficaz para ensinar estratégias de enfrentamento da dor e do estresse.
Hipnoterapia direcionada ao intestino: Demonstrou excelentes resultados em estudos pediátricos.
4. Prognóstico
A SII é uma condição crônica com um curso flutuante de exacerbações e remissões. Não evolui para doenças mais graves como câncer ou DII, mas pode ter um impacto significativo na qualidade de vida. Com uma abordagem multidisciplinar, a maioria das crianças e adolescentes consegue um bom controle dos sintomas.
Referências Bibliográficas
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4. Rutten, J. M. T. M., Korterink, J. J., Venmans, L. M. A. J., et al. (2015). Nonpharmacologic treatment of functional abdominal pain disorders: a systematic review. Pediatrics, 135(3), 522–535.
5. Black, C. J., & Ford, A. C. (2020). Global burden of irritable bowel syndrome: a systematic review and meta-analysis. The Lancet Gastroenterology & Hepatology, 5(10), 867-878.
6. Shulman, R. J., et al. (2019). The Role of Diet in the Management of Irritable Bowel Syndrome in Children. Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, 69*(5), 609-617.
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
O diagnóstico da SII é clínico, baseado nos critérios de Roma IV, após a exclusão de sinais de alarme.
A prescrição deve ser multimodal, abordando dieta, medicamentos sintomáticos e, quando necessário, suporte psicológico.
O tratamento é de longo prazo e visa o controle dos sintomas e a melhora da qualidade de vida, não a "cura".
2. Prescrição para Investigação Inicial (se houver dúvida ou sinais de alarme)
1. Solicitar exames de triagem para causas orgânicas:
Hemograma completo, VHS, PCR.
Dosagem de Anticorpo Anti-Transglutaminase Tecidual (anti-TTG) IgA e IgA sérica total (para rastreio de Doença Celíaca).
Exame Parasitológico de Fezes (3 amostras).
Calprotectina Fecal (para descartar Doença Inflamatória Intestinal).
3. Prescrição de Intervenções Dietéticas
Primeira Linha (Dieta Baixa em FODMAPs):
Prescrição:
1. Encaminhar para Nutricionista com experiência em dieta baixa em FODMAPs.
2. Orientação Inicial: Prescrever uma fase de restrição de alimentos ricos em FODMAPs por 2 a 6 semanas.
3. Após a melhora dos sintomas, o paciente deve entrar na fase de reintrodução gradual e sistemática, sob orientação do nutricionista, para identificar os gatilhos individuais.
4. Prescrição de Terapia Farmacológica (Sintomática)
Para Dor Abdominal / Espasmos:
Prescrição:
1. Butilbrometo de Escopolamina 10mg. Prescrever 1 comprimido, por via oral, até 3 vezes ao dia, durante as crises de dor.
2. ou* Óleo de Hortelã-Pimenta (Peppermint Oil) em cápsulas gastrorresistentes. Prescrever 1 cápsula, por via oral, 3 vezes ao dia, 30 minutos antes das refeições.
Para SII com Predomínio de Constipação (SII-C):
Prescrição (Primeira Linha):
1. Polietilenoglicol 3350 ou 4000 (PEG), sem eletrólitos, em pó para solução.
2. Dose: Prescrever na dose inicial de 0,4 a 0,8 g/kg/dia, por via oral, uma vez ao dia. Orientar a titular a dose para atingir fezes pastosas e sem esforço.
Para SII com Predomínio de Diarreia (SII-D):
Prescrição (Uso Criterioso, para episódios específicos):
1. Loperamida 2mg. Prescrever 1 comprimido, por via oral, conforme a necessidade, após evacuações líquidas (não exceder a dose máxima diária recomendada para a idade).
Para Dor Refratária (Manejo Especializado):
Prescrição (Neuromodulador):
1. Amitriptilina 10mg. Prescrever meio a um comprimido (5-10 mg), por via oral, uma vez ao dia, ao deitar. A dose pode ser titulada lentamente pelo especialista.
5. Prescrição de Suporte Psicológico
1. Encaminhar para avaliação com Psicólogo ou Psiquiatra Infantil.
2. Indicação: Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) ou Hipnoterapia direcionada ao intestino para manejo da dor e do estresse.
6. Orientações para a Família
1. Explicar que a SII é uma condição real de hipersensibilidade intestinal, não "frescura" ou "invenção".
2. Manter um diário de sintomas e alimentação para ajudar a identificar padrões e gatilhos.
3. Incentivar a prática regular de atividade física e a manutenção de uma rotina de sono adequada, pois ambos ajudam a regular o eixo intestino-cérebro.
4. Validar os sentimentos da criança/adolescente e oferecer um ambiente familiar de baixo estresse.
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