Doença de Wilson

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Doença de Wilson (DW) é uma doença genética de herança autossômica recessiva, causada por mutações no gene ATP7B. Este gene codifica uma proteína transportadora de cobre, essencial para duas funções hepáticas: 1. A incorporação do cobre à apoceruloplasmina para formar a ceruloplasmina (a principal proteína transportadora de cobre no sangue). 2. A excreção do excesso de cobre na bile. A disfunção da proteína ATP7B leva a um acúmulo progressivo e tóxico de cobre no

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Gastrointestinais e Alergias Alimentares > Doenças Sistêmicas com Manifestação GI > Doença de Wilson

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Doença de Wilson (DW) é uma doença genética de herança autossômica recessiva, causada por mutações no gene ATP7B. Este gene codifica uma proteína transportadora de cobre, essencial para duas funções hepáticas: 1. A incorporação do cobre à apoceruloplasmina para formar a ceruloplasmina (a principal proteína transportadora de cobre no sangue). 2. A excreção do excesso de cobre na bile. A disfunção da proteína ATP7B leva a um acúmulo progressivo e tóxico de cobre no organismo. Inicialmente, o cobre se acumula nos hepatócitos, causando lesão hepática. Com a progressão da doença e a saturação da capacidade de armazenamento do fígado, o cobre "transborda" para a circulação sanguínea e se deposita em outros tecidos, principalmente no cérebro (gânglios da base), córnea e rins. 2. Apresentação Clínica A DW tem um espectro de apresentação extremamente variável. Os sintomas geralmente surgem entre os 5 e 35 anos de idade. Apresentação Hepática: É a forma mais comum em crianças e adolescentes. Pode se manifestar como: Elevação assintomática de transaminases. Hepatite aguda, que pode mimetizar uma hepatite viral. Hepatite crônica ativa, com progressão para cirrose. Hepatite fulminante: Uma apresentação rara, mas devastadora, frequentemente associada à anemia hemolítica Coombs-negativa e insuficiência renal aguda, com altíssima mortalidade sem um transplante de fígado de emergência. Apresentação Neurológica: Mais comum em adolescentes tardios e adultos jovens. O acúmulo de cobre nos gânglios da base causa um distúrbio do movimento. Sintomas: Tremor (de repouso, postural ou de intenção), disartria (dificuldade na fala), distonia, rigidez, parkinsonismo e dificuldade de coordenação. Um sorriso fixo e sialorreia são característicos. Apresentação Psiquiátrica: Pode preceder ou acompanhar os sintomas neurológicos, incluindo depressão, mudanças de personalidade, comportamento impulsivo ou psicose. Achado Oftalmológico: Os anéis de Kayser-Fleischer são depósitos de cobre na membrana de Descemet, na periferia da córnea. São anéis de coloração castanho-esverdeada, patognomônicos da doença, presentes em >95% dos pacientes com sintomas neurológicos e em cerca de 50% daqueles com doença puramente hepática. A avaliação com lâmpada de fenda é necessária para sua detecção. 3. Diagnóstico O diagnóstico é baseado em uma combinação de achados clínicos e laboratoriais, frequentemente utilizando o Escore de Leipzig. Avaliação Laboratorial: Ceruloplasmina Sérica: É o principal teste de triagem. Níveis < 20 mg/dL são altamente sugestivos. No entanto, pode estar falsamente normal em estados inflamatórios agudos ou falsamente baixa em outras condições. Cobre Urinário de 24 horas: Em pacientes sintomáticos não tratados, está tipicamente > 100 mcg/24h. Cobre Hepático: A dosagem do cobre no tecido hepático obtido por biópsia era o padrão-ouro. Valores > 250 mcg/g de peso seco são diagnósticos. Hoje, é reservada para casos duvidosos. Teste Genético: A identificação de duas mutações patogênicas no gene ATP7B confirma o diagnóstico. É também a principal ferramenta para o rastreamento de familiares. Escore Diagnóstico de Leipzig: Um sistema de pontuação que combina os achados acima. Uma pontuação ≥ 4 confirma o diagnóstico de Doença de Wilson. 4. Manejo e Tratamento O tratamento é para toda a vida e tem dois objetivos: remover o excesso de cobre e prevenir seu reacúmulo. Fase Inicial: Terapia Quelante O objetivo é remover o cobre tóxico dos tecidos. D-Penicilamina: É o quelante mais antigo e potente. No entanto, pode causar uma piora neurológica paradoxal no início do tratamento em até 20-30% dos pacientes com doença neurológica. Trientina: É o quelante de escolha para pacientes com apresentação neurológica, por ter menor risco de piora inicial. É também a alternativa para aqueles que não toleram a D-Penicilamina. Fase de Manutenção: Após a estabilização clínica e a redução da carga de cobre (geralmente após 2-5 anos), o tratamento pode ser mantido com o quelante em doses menores ou trocado para a terapia com Zinco. Sais de Zinco (Acetato ou Sulfato): O zinco não é um quelante. Seu mecanismo de ação é bloquear a absorção intestinal de cobre ao induzir a produção de metalotioneína nas células intestinais. É uma excelente terapia de manutenção e a primeira escolha para o tratamento de pacientes assintomáticos diagnosticados no rastreamento familiar. Dieta: Uma dieta com baixo teor de cobre é recomendada, especialmente no primeiro ano de tratamento. Alimentos muito ricos em cobre, como fígado, chocolate, nozes e mariscos, devem ser evitados. Transplante de Fígado: É um tratamento que salva vidas e é indicado para pacientes com hepatite fulminante ou cirrose descompensada refratária ao tratamento clínico. O transplante cura o defeito metabólico da doença. 5. Rastreamento Familiar Como a DW é uma doença autossômica recessiva, o rastreamento de todos os irmãos de um caso índice é mandatório, pois cada um tem 25% de chance de ser afetado. O método de escolha é o teste genético. Referências Bibliográficas 1. European Association for the Study of the Liver. (2012). EASL Clinical Practice Guidelines: Wilson’s disease. Journal of Hepatology, 56(3), 671–685. 2. Roberts, E. A., & Schilsky, M. L. (2008). Diagnosis and treatment of Wilson disease: an update. Hepatology, 47(6), 2089–2111. 3. Sociedade Brasileira de Hepatologia. (2018). Consenso sobre Doença de Wilson. GED. Gastroenterologia, Endoscopia Digestiva, 37(4), 186-204. 4. Ferenci, P., Caca, K., Loudianos, G., et al. (2003). Diagnosis and phenotypic classification of Wilson disease. Liver International, 23(3), 139–142. 5. Walshe, J. M. (2003). Wilson's disease: the importance of measuring serum caeruloplasmin non-immunologically. Annals of Clinical Biochemistry, 40(2), 115–121. 6. Pfeiffer, R. F. (2007). Wilson's Disease. Seminars in Neurology, 27*(2), 123-132.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor O tratamento da Doença de Wilson é para toda a vida e a adesão é crucial. A escolha da terapia inicial (quelante vs. zinco) depende da apresentação clínica (sintomático vs. assintomático). O monitoramento rigoroso da eficácia e dos efeitos adversos é fundamental. O rastreamento de irmãos é obrigatório. 2. Prescrição para Investigação Diagnóstica 1. Solicitar exames laboratoriais de triagem: Ceruloplasmina sérica. Transaminases (TGO, TGP), Bilirrubinas, Albumina, Coagulograma. 2. Solicitar Cobre Urinário de 24 horas. Orientar o paciente/família sobre a coleta correta em recipiente livre de metais. 3. Solicitar Avaliação Oftalmológica com exame em lâmpada de fenda para pesquisa de anéis de Kayser-Fleischer. 4. Se o diagnóstico permanecer incerto, solicitar Teste Genético com Sequenciamento do gene ATP7B. 3. Prescrição para Tratamento Inicial (Fase de Quelação) Para Pacientes com Apresentação Neurológica (Primeira Escolha): Prescrição: 1. Trientina cápsulas 250mg. 2. Dose: Prescrever na dose de 20 a 30 mg/kg/dia, por via oral, dividida em 2 a 3 tomadas. 3. Orientação: Administrar com o estômago vazio (1 hora antes ou 2 horas após as refeições). Para Pacientes com Apresentação Hepática (sem sintomas neurológicos): Prescrição: 1. D-Penicilamina cápsulas 250mg. 2. Dose: Iniciar com 250 mg/dia e aumentar gradualmente a cada 1-2 semanas até a dose alvo de 20 mg/kg/dia, por via oral, dividida em 2 a 4 tomadas. 3. Associar obrigatoriamente: Piridoxina (Vitamina B6) 25 mg, por via oral, uma vez ao dia. 4. Orientação: Administrar com o estômago vazio. 4. Prescrição para Terapia de Manutenção ou Pacientes Assintomáticos Prescrição (Primeira Escolha): 1. Acetato de Zinco ou Sulfato de Zinco cápsulas. 2. Dose: Prescrever na dose de 25 a 50 mg de zinco elementar, por via oral, 3 vezes ao dia. 3. Orientação: Administrar com o estômago vazio, separado de outras refeições e medicamentos. 5. Prescrição de Monitoramento do Tratamento 1. Monitoramento da Eficácia: Solicitar Cobre Urinário de 24 horas a cada 3 a 6 meses. Meta com quelantes: 200 a 500 mcg/24h. Meta com zinco: < 75 mcg/24h. 2. Monitoramento da Toxicidade (especialmente com D-Penicilamina): Solicitar Hemograma completo e Urina tipo I semanalmente no primeiro mês, depois mensalmente. 3. Monitoramento Geral: Solicitar Transaminases (TGO/TGP) e Função Renal a cada 3 a 6 meses. Agendar consulta de seguimento a cada 3 meses no primeiro ano, e depois semestralmente. 6. Prescrição de Orientações Dietéticas 1. Orientar sobre a Dieta com Baixo Teor de Cobre, especialmente no primeiro ano de tratamento. 2. Fornecer lista de alimentos a serem evitados: Fígado e outras vísceras. Mariscos e frutos do mar. Chocolate e cacau. Nozes, castanhas e sementes. * Cogumelos. 3. Orientar o uso de água com baixo teor de cobre (água filtrada ou mineral). 4. Encaminhar para avaliação com Nutricionista.

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