Dengue
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Dengue é uma doença febril aguda, sistêmica e dinâmica, causada por um arbovírus do gênero Flavivirus (DENV), com quatro sorotipos distintos (DENV-1, 2, 3 e 4). É a arbovirose urbana mais prevalente no mundo, transmitida pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti. A infecção por um sorotipo confere imunidade permanente para ele, mas uma infecção subsequente por outro sorotipo (infecção secundária) é o principal fator de risco para o desenvolvimento de formas g
Categoria
Infecciosas e Exantemáticas > Arboviroses > Dengue
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Dengue é uma doença febril aguda, sistêmica e dinâmica, causada por um arbovírus do gênero Flavivirus (DENV), com quatro sorotipos distintos (DENV-1, 2, 3 e 4). É a arbovirose urbana mais prevalente no mundo, transmitida pela picada da fêmea do mosquito Aedes aegypti. A infecção por um sorotipo confere imunidade permanente para ele, mas uma infecção subsequente por outro sorotipo (infecção secundária) é o principal fator de risco para o desenvolvimento de formas graves da doença.
Fisiopatologia
O evento central que define a gravidade da dengue é o extravasamento plasmático, resultante de um aumento transitório da permeabilidade vascular. A resposta imune do hospedeiro ao vírus leva à liberação de citocinas e outros mediadores que causam disfunção do endotélio vascular. Isso permite que o plasma escape do espaço intravascular para o terceiro espaço (cavidades serosas como pleura e peritônio), levando à hemoconcentração (aumento do hematócrito) e, em casos graves, ao choque hipovolêmico. A trombocitopenia (queda de plaquetas) e as alterações na coagulação também contribuem para o risco de sangramentos.
2. Fases Clínicas e Classificação de Risco
A dengue evolui classicamente em três fases:
Fase Febril (dura de 2 a 7 dias): Início súbito de febre alta, acompanhada de cefaleia intensa, dor retro-orbital, mialgia, artralgia e, por vezes, um exantema maculopapular.
Fase Crítica (ocorre na defervescência da febre): É a fase de maior risco, durando 24 a 48 horas. A queda da febre coincide com o início do extravasamento plasmático. É neste momento que os sinais de alarme aparecem, indicando a evolução para a gravidade.
Fase de Recuperação: Ocorre a reabsorção gradual do plasma extravasado, com melhora do estado geral, estabilização do hematócrito e elevação das plaquetas.
Para fins de manejo, o Ministério da Saúde classifica os pacientes em quatro grupos de risco:
Grupo A: Dengue sem sinais de alarme, sem comorbidades. Manejo ambulatorial.
Grupo B: Dengue sem sinais de alarme, mas com sangramento de pele (prova do laço positiva) ou comorbidades (gestantes, idosos, etc.). Requer observação e hidratação supervisionada.
Grupo C: Dengue com sinais de alarme presentes. Requer internação hospitalar imediata.
Grupo D: Dengue grave (choque, sangramento grave, disfunção orgânica). Requer tratamento em UTI.
3. Avaliação Clínica e Diagnóstico
O diagnóstico é clínico-epidemiológico, confirmado por exames laboratoriais.
Sinais de Alarme (Indicadores de Piora)
A identificação destes sinais é o ponto mais crucial do manejo. Eles indicam o início do extravasamento plasmático e a necessidade de internação e hidratação venosa imediata.
Dor abdominal intensa e contínua.
Vômitos persistentes.
Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, edema).
Sangramento de mucosas (gengivorragia, epistaxe).
Letargia ou irritabilidade.
Hepatomegalia dolorosa (>2 cm).
Queda abrupta das plaquetas associada a aumento do hematócrito.
Diagnóstico Laboratorial
Hemograma: Achados clássicos incluem leucopenia com linfocitose e, principalmente, hemoconcentração (aumento do hematócrito em 20% sobre o basal) e plaquetopenia (< 100.000/mm³).
Confirmação Viral:
Antígeno NS1: Positivo nos primeiros dias de doença (fase virêmica).
Sorologia (IgM): Positiva a partir do 5º-6º dia.
4. Manejo e Tratamento
O pilar do tratamento da dengue é a hidratação adequada e o manejo sintomático. Não há terapia antiviral específica.
Manejo por Grupo de Risco
Grupo A: Tratamento ambulatorial com hidratação oral vigorosa, repouso e sintomáticos. Orientar retorno diário para reavaliação.
Grupo B: Observação em unidade de saúde com hidratação oral supervisionada. Se houver intolerância ou hemoconcentração, iniciar hidratação venosa.
Grupo C: Internação hospitalar imediata. Iniciar hidratação venosa de expansão rápida com cristaloides (Soro Fisiológico 0,9%).
Grupo D (Choque): Manejo em UTI com ressuscitação volêmica agressiva (bolus rápidos de cristaloide). Se não houver resposta, considerar o uso de coloides e drogas vasoativas.
Tratamento Sintomático
Para febre e dor, usar Dipirona ou Paracetamol.
São formalmente contraindicados os Anti-inflamatórios Não Esteroides (AINEs, como Ibuprofeno, Diclofenaco) e o Ácido Acetilsalicílico (AAS), pelo risco de agravar sangramentos e a acidose.
5. Prevenção
A prevenção se baseia no controle do vetor (Aedes aegypti), com a eliminação de criadouros de água parada, e na vacinação.
Vacina Qdenga® (TAK-003): Vacina de vírus vivo atenuado, tetravalente, licenciada no Brasil para indivíduos de 4 a 60 anos, independentemente de infecção prévia. Foi incorporada ao SUS em 2024, com estratégia de vacinação focada em crianças e adolescentes em áreas de alta transmissão. O esquema consiste em duas doses com intervalo de três meses.
Referências Bibliográficas
Ministério da Saúde (Brasil). (2024). Dengue: Diagnóstico e Manejo Clínico – Adulto e Criança (6ª ed.). (A principal e mais atualizada referência nacional, obrigatória para a prática no Brasil).
World Health Organization (WHO). (2009). Dengue: Guidelines for Diagnosis, Treatment, Prevention and Control. (A diretriz global da OMS que estabeleceu a classificação de risco atual).
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2023). Dengue em Pediatria. Documento Científico.
Simmons, C. P., Farrar, J. J., Nguyen, V. V., & Wills, B. (2012). Dengue. The New England Journal of Medicine, 366(15), 1423–1432. (Artigo de revisão clássico e fundamental do NEJM).
Wilder-Smith, A., Ooi, E. E., Horstick, O., & Wills, B. (2019). Dengue. The Lancet, 393(10169), 350–363. (Revisão abrangente e mais recente da Lancet).
Bhatt, S., Gething, P. W., Brady, O. J., et al. (2013). The global distribution and burden of dengue. Nature, 496*(7446), 504–507. (Estudo fundamental sobre o impacto global da doença).
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
A prescrição na dengue é dinâmica e baseada na estratificação de risco (Grupos A, B, C, D).
O pilar do tratamento é a hidratação. A via, o tipo de fluido e o volume são ajustados conforme a fase da doença e a presença de sinais de alarme.
NÃO PRESCREVER AINEs (Ibuprofeno, Diclofenaco) ou AAS.
A reavaliação clínica e laboratorial seriada (especialmente do hematócrito) é fundamental para detectar o início da fase crítica.
2. Prescrição para o Grupo A (Manejo Ambulatorial)
1. Hidratação Oral Vigorosa: Prescrever um volume total de 60 a 80 mL/kg/dia. Orientar que 1/3 deste volume seja com Soro de Reidratação Oral (SRO) e os 2/3 restantes com líquidos caseiros (água, sucos, chás, água de coco).
2. Medicação Sintomática:
Dipirona solução oral 500mg/mL. Prescrever na dose de 20 mg/kg/dose, por via oral, a cada 6 horas, se febre ou dor.
ou Paracetamol solução oral 200mg/mL. Prescrever na dose de 15 mg/kg/dose, por via oral, a cada 6 horas.
3. Orientações e Sinais de Alerta (por escrito):
Explicar os sinais de alarme e orientar o retorno imediato se qualquer um deles aparecer.
Agendar retorno para reavaliação clínica e laboratorial (hemograma) em 24 horas ou no dia da defervescência.
3. Prescrição para o Grupo B (Observação e Hidratação Supervisionada)
1. Manter paciente em leito de observação na unidade de saúde.
2. Iniciar Hidratação Oral Supervisionada: Oferecer SRO ou líquidos na unidade, monitorando a aceitação.
3. Coletar Hemograma completo na admissão.
4. Iniciar Hidratação Venosa se:
Intolerância à via oral (vômitos).
Recusa de líquidos.
Hemoconcentração no hemograma inicial.
Prescrição: Soro Fisiológico 0,9%, 20 mL/kg, IV, para infundir em 2 horas. Reavaliar.
4. Prescrição para o Grupo C (Internação Hospitalar Imediata)
1. Admitir em leito de enfermaria.
2. Manter em jejum (NPO) nas primeiras horas.
3. Instalar monitorização contínua e obter dois acessos venosos periféricos.
4. Coletar exames: Hemograma, coagulograma, função renal e hepática, tipagem sanguínea.
5. Prescrever Fase de Expansão Rápida (Hidratação Venosa):
Soro Fisiológico 0,9%, 20 mL/kg, IV, para infundir em 1 hora.
Reavaliar clinicamente e pelo hematócrito. Se mantiver sinais de alarme ou hemoconcentração, repetir a fase de expansão por até 3 vezes.
6. Após a estabilização, prescrever Fase de Manutenção:
Iniciar Soro Glicofisiológico (SGF) com um volume de manutenção calculado (ex: Holliday-Segar).
5. Prescrição para o Grupo D (Dengue Grave / Choque - Manejo em UTI)
1. Admitir em leito de UTI Pediátrica.
2. Prescrever Fase de Expansão Rápida e Agressiva:
Soro Fisiológico 0,9%, 20 mL/kg, IV, para infundir em 20 minutos (em bolus).
Reavaliar imediatamente. Se o choque persistir, repetir o bolus até 3 vezes.
3. Se Choque Refratário (sem resposta após 60 mL/kg de cristaloide):
Se o hematócrito estiver subindo (indicando extravasamento contínuo): Prescrever expansor plasmático (coloide), como Albumina 5%, 10-20 mL/kg.
Se o hematócrito estiver caindo (indicando hemorragia): Prescrever Concentrado de Hemácias, 10-15 mL/kg.
Iniciar drogas vasoativas (ex: Noradrenalina) se o choque persistir.
4. Monitoramento Invasivo: Prescrever passagem de cateter de pressão arterial invasiva e cateter venoso central.
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