Febre Amarela
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Febre Amarela é uma doença infecciosa febril aguda, imunoprevenível, causada por um vírus do gênero Flavivirus. É uma arbovirose com dois ciclos epidemiológicos distintos no Brasil:
Ciclo Silvestre (endêmico): O vírus circula entre primatas não humanos (macacos), sendo transmitido por mosquitos silvestres dos gêneros Haemagogus e Sabethes. O homem entra no ciclo como um hospedeiro acidental ao adentrar áreas de mata.
Ciclo Urbano: Ocorre quando um humano inf
Categoria
Infecciosas e Exantemáticas > Arboviroses > Febre Amarela
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Febre Amarela é uma doença infecciosa febril aguda, imunoprevenível, causada por um vírus do gênero Flavivirus. É uma arbovirose com dois ciclos epidemiológicos distintos no Brasil:
Ciclo Silvestre (endêmico): O vírus circula entre primatas não humanos (macacos), sendo transmitido por mosquitos silvestres dos gêneros Haemagogus e Sabethes. O homem entra no ciclo como um hospedeiro acidental ao adentrar áreas de mata.
Ciclo Urbano: Ocorre quando um humano infectado no ciclo silvestre se desloca para uma área urbana e é picado pelo Aedes aegypti, que então passa a transmitir o vírus para outras pessoas. O ciclo urbano não é registrado no Brasil desde 1942, mas o risco de reurbanização é constante.
Fisiopatologia
O vírus da febre amarela possui um acentuado hepatotropismo. Após a replicação inicial, a viremia leva a uma infecção maciça dos hepatócitos, causando necrose celular extensa (apoptose), que histologicamente se manifesta como os corpúsculos de Councilman. Esta lesão hepática direta resulta em:
1. Insuficiência Hepática Aguda: Com icterícia, hipoglicemia e queda abrupta dos fatores de coagulação vitamina K-dependentes.
2. Coagulopatia Grave: A disfunção hepática, somada à trombocitopenia e à possível coagulação intravascular disseminada (CIVD), leva a um quadro hemorrágico.
3. Lesão Renal: Pode ocorrer por ação viral direta ou, mais comumente, por hipoperfusão na síndrome hepatorrenal.
2. Avaliação Clínica e Diagnóstico
A doença tem um espectro que vai de formas oligossintomáticas a quadros fulminantes.
Forma Leve/Moderada (maioria dos casos): Quadro inespecífico de febre de início súbito, cefaleia, mialgia intensa, náuseas e vômitos. Dura de 2 a 4 dias e se resolve completamente.
Forma Grave (Clássica): Apresenta uma evolução bifásica característica.
1. Fase Infecciosa (Período virêmico, 3-4 dias): Idêntica à forma leve, com febre alta, cefaleia, mialgia intensa e mal-estar. O sinal de Faget (bradicardia relativa, com pulso baixo apesar da febre alta) pode estar presente.
2. Período de Remissão (24-48 horas): A febre cede e há uma melhora aparente dos sintomas, o que pode levar a uma falsa sensação de recuperação.
3. Fase Tóxica (Período de Disfunção Orgânica): Retorno da febre, acompanhado do surgimento de icterícia, fenômenos hemorrágicos (epistaxe, gengivorragia, hematêmese com aspecto de "borra de café", melena) e sinais de insuficiência renal (oligúria). O paciente evolui com choque, disfunção de múltiplos órgãos e óbito em 20 a 50% dos casos.
Diagnóstico Laboratorial:
Confirmação Viral (Fase Aguda): RT-PCR no sangue nos primeiros 5-7 dias de doença.
Sorologia (IgM): Positiva a partir do 5º dia, útil para diagnóstico em fases mais tardias.
Exames de Suporte: A elevação acentuada das transaminases (TGO/AST > TGP/ALT), com valores frequentemente acima de 1.000 UI/L, associada ao alargamento do tempo de protrombina (TP) e à plaquetopenia, é altamente sugestiva de febre amarela grave.
Diagnóstico Diferencial: É crucial diferenciar de outras doenças febris ictéricas e hemorrágicas, como leptospirose, hepatites virais fulminantes, malária grave e dengue grave.
3. Manejo e Tratamento
Não existe terapia antiviral específica. O tratamento é inteiramente de suporte e deve ser conduzido em ambiente hospitalar, preferencialmente em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para as formas graves.
Manejo Inicial: Todo caso suspeito deve ser hospitalizado para monitoramento rigoroso.
Suporte Intensivo (Formas Graves):
Monitoramento Hemodinâmico: Controle rigoroso da pressão arterial, frequência cardíaca e diurese.
Manejo da Insuficiência Hepática: Correção da hipoglicemia, administração de Vitamina K e manejo da encefalopatia hepática.
Manejo da Coagulopatia: Transfusão de plasma fresco congelado, crioprecipitado e plaquetas, conforme os exames laboratoriais e a presença de sangramento.
Manejo da Insuficiência Renal: Hidratação venosa criteriosa e, se necessário, terapia de substituição renal (hemodiálise).
Medicações a serem EVITADAS: Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) e Ácido Acetilsalicílico (AAS) são formalmente contraindicados pelo risco de agravar o sangramento.
4. Prevenção
A prevenção é a medida mais importante e eficaz.
Vacinação: A vacina contra a febre amarela (cepa 17D) é de vírus vivo atenuado, altamente eficaz (imunidade >95%) e confere proteção duradoura, considerada para toda a vida pela OMS. No Brasil, faz parte do calendário nacional de vacinação.
Controle Vetorial: Combate ao Aedes aegypti em áreas urbanas e proteção individual (uso de repelentes, roupas compridas) em áreas silvestres.
Referências Bibliográficas
1. Ministério da Saúde (Brasil). (2022). Guia de Vigilância em Saúde (6ª ed.). (A principal referência nacional para notificação, investigação e manejo de casos e surtos).
2. World Health Organization (WHO). (2023). Yellow Fever Fact Sheet. (Informações globais e recomendações da OMS).
3. Monath, T. P., & Vasconcelos, P. F. C. (2015). Yellow fever. Journal of Clinical Virology, 64, 160–173. (Revisão abrangente e detalhada sobre a doença).
4. Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). (2023/2024). Calendários de Vacinação SBIm. (As diretrizes nacionais mais atuais sobre o esquema vacinal e suas particularidades).
5. Gardner, C. L., & Ryman, K. D. (2010). Yellow fever: a reemerging threat. Clinics in Laboratory Medicine, 30(1), 237–260.
6. Barrett, A. D., & Higgs, S. (2007). Yellow fever: a disease that has yet to be conquered. Annual Review of Entomology, 52, 209-229.
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
A Febre Amarela é uma doença de notificação compulsória imediata (em até 24h).
Todo caso suspeito deve ser hospitalizado para monitoramento, devido ao risco de evolução para a forma grave.
O tratamento é de suporte intensivo. Não há antiviral específico.
NÃO PRESCREVER AINEs (Ibuprofeno, Diclofenaco) ou AAS.
2. Prescrição de Admissão Hospitalar (Caso Suspeito)
1. Admitir em leito de enfermaria com precauções padrão.
2. Notificar o caso à Vigilância Epidemiológica local imediatamente.
3. Manter em repouso absoluto no leito.
4. Instalar monitorização contínua de sinais vitais e oximetria de pulso.
5. Obter acesso venoso periférico e iniciar Hidratação Venosa de Manutenção com solução glicofisiológica. Manter balanço hídrico rigoroso.
6. Coletar exames de urgência: Hemograma completo, Coagulograma (TP/INR, TTPA), Transaminases (TGO, TGP), Bilirrubinas, Ureia, Creatinina, Eletrólitos e Glicemia.
7. Coletar amostras para confirmação diagnóstica: Sangue para RT-PCR (se < 7 dias de doença) e Sorologia IgM para Febre Amarela.
8. Medicação Sintomática:
Dipirona 20 mg/kg/dose, IV, a cada 6 horas, se febre ou dor.
Ondansetrona 0,15 mg/kg/dose, IV, a cada 8 horas, se náuseas ou vômitos.
3. Prescrição para o Manejo da Forma Grave (UTI)
Admissão e Monitoramento:
1. Admitir em leito de UTI.
2. Instalar monitorização invasiva da pressão arterial (PAI) e pressão venosa central (PVC).
3. Instalar sonda vesical de demora para controle de diurese horária.
Suporte Hemodinâmico:
1. Se hipotensão/choque, iniciar expansão volêmica com cristaloides (Soro Fisiológico 0,9%), 20 mL/kg em 30 minutos. Reavaliar.
2. Se choque refratário, prescrever infusão contínua de Norepinefrina, iniciando com 0,1 mcg/kg/min, para manter PAM > 65 mmHg.
Manejo da Coagulopatia e Sangramento:
1. Vitamina K 10 mg, IV, uma vez ao dia, por 3 dias.
2. Se sangramento ativo ou INR > 1,5, prescrever Plasma Fresco Congelado 10-15 mL/kg, IV.
3. Se sangramento e plaquetas < 50.000/mm³, prescrever Concentrado de Plaquetas 10-15 mL/kg.
Manejo da Insuficiência Hepática:
1. Manter infusão contínua de Soro Glicosado 10-20% para prevenir/tratar hipoglicemia.
2. Se sinais de encefalopatia hepática, prescrever Lactulose 20-30 mL, via Sonda Nasogástrica, de 8/8h.
Manejo da Insuficiência Renal:
1. Realizar controle rigoroso de fluidos e eletrólitos.
2. Se oligúria persistente, acidose grave ou hipercalemia refratária, solicitar avaliação da Nefrologia e preparar para terapia de substituição renal (hemodiálise).
4. Prescrição da Vacina (Prevenção)
Esta prescrição é para o contexto ambulatorial/atenção primária.
Prescrição:
1. Vacina contra Febre Amarela (atenuada), cepa 17DD.
2. Dose: 0,5 mL, por via Subcutânea.
3. Esquema: Dose única. Conforme o PNI, uma dose é considerada suficiente para proteção por toda a vida.
Indicações:
Rotina: Crianças aos 9 meses de idade.
Viajantes para áreas de risco não vacinados.
Contraindicações Absolutas:
Crianças < 6 meses.
Imunossupressão grave (congênita ou adquirida, como AIDS com CD4 < 200).
História de doença do timo (timoma, miastenia gravis).
Alergia grave a ovo.
Gestantes (avaliar risco-benefício em situações de surto).
Mulheres amamentando crianças < 6 meses.
Precaução (avaliar risco-benefício):
Idade > 60 anos (primeira vacinação).
Lactentes de 6 a 8 meses.
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