Zika Vírus

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A infecção pelo Vírus Zika é uma doença viral aguda, causada por um arbovírus do gênero Flavivirus, transmitido principalmente pela picada de mosquitos do gênero Aedes (principalmente o A. aegypti). A doença ganhou notoriedade global após a epidemia no Brasil em 2015, quando foi estabelecida sua associação causal com a microcefalia e outras malformações graves, configurando a Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCZ). Fisiopatologia: Infecção Pós-Natal: O vírus se replica localmente e causa uma viremia transitória. A doença é geralmente branda e autolimitada. Cerca de 80% das infecções são assintomáticas. Infecção Congênita: O ponto central da fisiopatologia é o neurotropismo acentuado do vírus. Durante a viremia em uma gestante, o vírus é capaz de atravessar a barreira placentária e infectar o sistema nervoso central do feto, que está em pleno desenvolvimento. Ele ataca e destrói as células progenitoras neurais, interrompendo a neurogênese e a migração neuronal. Isso resulta em uma cascata de eventos que leva à destruição do parênquima cerebral, microcefalia grave, calcificações intracranianas e outras anomalias estruturais. 2. Transmissão Vetorial: Principal via, pela picada do Aedes aegypti. Vertical: Transmissão transplacentária da mãe para o feto, resultando na SCZ. Sexual: O vírus pode ser transmitido sexualmente, pois persiste no sêmen por meses. Transfusional: Rara, mas possível. 3. Manifestações Clínicas Zika Adquirido (Pós-Natal): A maioria dos casos é assintomática. Quando sintomático, o quadro é geralmente leve e dura de 3 a 7 dias. Os sintomas mais característicos são: 1. Exantema Maculopapular Pruriginoso: É o sinal mais comum, iniciando-se na face e se espalhando pelo corpo. 2. Febre Baixa: Geralmente < 38,5°C, ou ausente. 3. Conjuntivite não Purulenta: Hiperemia conjuntival sem secreção. 4. Artralgia e Mialgia: Dores articulares e musculares de leve a moderada intensidade. Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCZ): É um espectro de malformações graves, sendo a microcefalia o achado mais marcante, frequentemente com colapso do crânio. Achados Neurológicos: Calcificações intracranianas (principalmente subcorticais), ventriculomegalia, lisencefalia e outras anomalias do desenvolvimento cortical. Clinicamente, cursa com hipertonia, irritabilidade e convulsões. Achados Oftalmológicos: Lesões retinianas, atrofia do nervo óptico. Achados Musculoesqueléticos: Artrogripose (contraturas articulares múltiplas). Complicações Neurológicas no Adulto: A infecção pelo Zika está associada a um aumento do risco de desenvolvimento da Síndrome de Guillain-Barré. 4. Diagnóstico Diagnóstico Clínico: A suspeita é baseada no quadro clínico e no contexto epidemiológico. O diagnóstico diferencial com Dengue e Chikungunya é fundamental. Zika: Febre baixa, exantema pruriginoso precoce, conjuntivite. Dengue: Febre alta, mialgia intensa, dor retro-orbital, plaquetopenia. Chikungunya: Febre alta e artralgia intensa e incapacitante. Diagnóstico Laboratorial: RT-PCR: É o método de escolha para confirmar a infecção aguda. Detecta o RNA viral no sangue ou na urina nos primeiros 5-7 dias de sintomas. Sorologia (IgM): Positiva a partir do 5º dia, mas apresenta alta taxa de reação cruzada com o vírus da Dengue, podendo gerar resultados falso-positivos. Diagnóstico da SCZ: Baseia-se nos achados de neuroimagem (ultrassom transfontanelar, TC ou RM de crânio) do recém-nascido, associados à confirmação laboratorial da infecção na mãe ou no bebê. 5. Manejo e Tratamento Manejo da Infecção Aguda: O tratamento é exclusivamente de suporte e sintomático. Hidratação oral, repouso e analgésicos/antitérmicos (Paracetamol, Dipirona). Anti-histamínicos podem ser usados para o prurido. AINEs e AAS devem ser evitados até que se descarte o diagnóstico de Dengue. Manejo da Síndrome Congênita do Zika (SCZ): Não há tratamento curativo. O manejo é complexo e requer uma abordagem multidisciplinar para toda a vida, com o objetivo de reabilitar e dar suporte. A equipe deve incluir neuropediatra, fisiatra, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, oftalmologista, entre outros. O foco é a estimulação precoce para maximizar o potencial de desenvolvimento da criança e o manejo de complicações como convulsões e disfagia. 6. Prevenção Como não há vacina disponível, a prevenção é centrada em: Controle Vetorial: Eliminação de criadouros do Aedes aegypti. Proteção Individual: Uso de repelentes, roupas compridas e telas em janelas. Proteção da Gestante: É a prioridade máxima. Gestantes devem redobrar os cuidados de proteção individual e usar preservativos durante toda a gestação se o parceiro vive ou viajou para área de risco, devido à transmissão sexual. Referências Bibliográficas 1. Ministério da Saúde (Brasil). (2022). Guia de Vigilância em Saúde (6ª ed.). (A principal referência nacional para notificação, investigação e manejo de casos e surtos). 2. Rasmussen, S. A., Jamieson, D. J., Honein, M. A., & Petersen, L. R. (2016). Zika Virus and Birth Defects — Reviewing the Evidence for Causality. The New England Journal of Medicine, 374(20), 1981–1987. (Artigo fundamental que estabeleceu a relação causal entre Zika e microcefalia). 3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2016). Síndrome Congênita do Zika Vírus. Documento Científico. 4. Moore, C. A., Staples, J. E., Dobyns, W. B., et al. (2017). Characterizing the Pattern of Anomalies in Congenital Zika Syndrome for Pediatric Clinicians. JAMA Pediatrics, 171(3), 288–295. (Artigo chave que delineou o espectro da SCZ). 5. World Health Organization (WHO). (2016). Zika virus disease: Interim case definition. 6. Coyne, C. B., & Lazear, H. M. (2016). Zika virus - a new old virus. Current Opinion in Virology, 18, 115-121.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor A infecção adquirida pelo Zika é geralmente benigna e de manejo sintomático. A principal preocupação é a gestante, devido ao risco de Síndrome Congênita do Zika (SCZ). Notifique todo caso suspeito de Zika em gestante ou de SCZ em recém-nascido à vigilância epidemiológica. Evite prescrever AINEs (Ibuprofeno, etc.) até que o diagnóstico de Dengue seja descartado. 2. Prescrição para Manejo Sintomático da Infecção Aguda Medidas Gerais e Sintomáticas: 1. Orientar repouso relativo e hidratação oral vigorosa. 2. Dipirona solução oral 500mg/mL. Prescrever na dose de 20 mg/kg/dose, por via oral, a cada 6 horas, se febre ou dor. ou Paracetamol solução oral 200mg/mL. Prescrever na dose de 15 mg/kg/dose, por via oral, a cada 6 horas. 3. Para o prurido, prescrever um anti-histamínico: Hidroxizina xarope 2mg/mL, na dose de 0,5 a 1 mg/kg/dose, por via oral, a cada 8 horas, se necessário. Orientações: Informar sobre a evolução benigna e autolimitada na maioria dos casos. Orientar sobre a prevenção da transmissão sexual (uso de preservativos) e vetorial (eliminar criadouros, usar repelente). 3. Prescrição para Investigação e Manejo da Gestante com Suspeita de Zika Prescrição de Investigação Imediata: 1. Solicitar RT-PCR para Vírus Zika em amostras de sangue E urina. 2. Solicitar Sorologia para Zika (IgM) e Dengue (IgM), ciente da possibilidade de reação cruzada. 3. Notificar o caso como "Gestante com Doença Exantemática Aguda" à vigilância epidemiológica. Prescrição de Seguimento (se infecção confirmada): 1. Encaminhar para serviço de Medicina Fetal / Pré-natal de Alto Risco. 2. Solicitar Ultrassonografia Obstétrica seriada (a cada 3-4 semanas) para monitoramento do crescimento fetal, morfologia cerebral e detecção de calcificações. 3. Orientar rigorosamente sobre as medidas de proteção individual contra picadas de mosquito e sobre a proteção sexual. 4. Prescrição de Cuidados para o Recém-Nascido com Síndrome Congênita do Zika (SCZ) Esta é uma prescrição de cuidado multidisciplinar, não apenas medicamentosa.* Prescrição de Avaliação Inicial na Maternidade: 1. Medir e plotar o Perímetro Cefálico em curva de referência adequada. 2. Solicitar Ultrassom Transfontanelar. 3. Solicitar Avaliação Oftalmológica com fundoscopia. 4. Solicitar Avaliação Auditiva com BERA/PEATE (Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico). 5. Coletar sangue e urina do RN para RT-PCR para Zika. Prescrição de Alta e Encaminhamentos: 1. Encaminhar para programa de seguimento multidisciplinar de crianças com SCZ. 2. Encaminhar para Neurologista Pediátrico para acompanhamento do desenvolvimento e manejo de convulsões, se presentes. 3. Encaminhar para Centro de Reabilitação para início imediato de estimulação precoce (Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia). 4. Prescrever anticonvulsivante, se indicado pelo neurologista (ex: Fenobarbital 3-5 mg/kg/dia). 5. Fornecer suporte e orientação à família sobre os cuidados contínuos e a rede de apoio disponível.

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