Artrite Séptica
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Artrite Séptica é uma infecção bacteriana do espaço articular, que leva a uma intensa resposta inflamatória na membrana sinovial. É uma emergência ortopédica, pois a cascata inflamatória e as enzimas proteolíticas liberadas pelos neutrófilos e bactérias podem causar a destruição irreversível da cartilagem articular em menos de 24 horas, resultando em sequelas funcionais permanentes.
Fisiopatologia
A via de infecção mais comum em crianças é a hematogênica, onde ba
Categoria
Infecciosas e Exantemáticas > Infecções Bacterianas Sistêmicas > Artrite Séptica
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Artrite Séptica é uma infecção bacteriana do espaço articular, que leva a uma intensa resposta inflamatória na membrana sinovial. É uma emergência ortopédica, pois a cascata inflamatória e as enzimas proteolíticas liberadas pelos neutrófilos e bactérias podem causar a destruição irreversível da cartilagem articular em menos de 24 horas, resultando em sequelas funcionais permanentes.
Fisiopatologia
A via de infecção mais comum em crianças é a hematogênica, onde bactérias de um foco distante atingem a membrana sinovial, que é altamente vascularizada e não possui uma membrana basal limitante. Menos comumente, pode ocorrer por extensão direta de uma osteomielite adjacente (especialmente no quadril do lactente) ou por inoculação direta (trauma, punção). A resposta inflamatória purulenta dentro do espaço articular fechado aumenta a pressão intra-articular, comprometendo o suprimento sanguíneo da epífise e agravando o dano à cartilagem.
2. Etiologia
O agente etiológico varia com a idade.
Staphylococcus aureus: É o principal agente em todas as faixas etárias (>70% dos casos), incluindo cepas resistentes à meticilina (MRSA).
Lactentes < 3 meses: S. aureus, Streptococcus agalactiae (GBS) e bacilos Gram-negativos (E. coli).
Crianças de 3 meses a 5 anos: S. aureus, Streptococcus pyogenes (Grupo A), Streptococcus pneumoniae e Kingella kingae (um agente cada vez mais reconhecido nesta faixa etária, muitas vezes com um quadro mais brando).
Adolescentes: S. aureus e, em sexualmente ativos, Neisseria gonorrhoeae (geralmente poliarticular).
3. Avaliação Clínica e Diagnóstico
O diagnóstico é baseado em um alto índice de suspeição clínica, confirmado pela análise do líquido sinovial.
Manifestações Clínicas
A apresentação clássica é de início agudo com febre, dor articular intensa e limitação funcional grave.
Sinais Cardinais:
1. Dor à mobilização passiva da articulação.
2. Recusa em apoiar o peso no membro afetado ou em movê-lo (pseudoparalisia).
3. Sinais flogísticos locais: edema, calor e eritema na articulação.
A criança tipicamente mantém o membro em uma posição antálgica (ex: quadril em flexão, abdução e rotação externa).
Critérios de Kocher (para artrite séptica do quadril)
São um conjunto de preditores clínicos úteis:
1. Febre > 38,5°C.
2. Recusa em suportar peso.
3. VHS > 40 mm/h.
4. Leucocitose > 12.000/mm³.
A presença de 4 critérios confere uma probabilidade >99% de artrite séptica.
Diagnóstico Definitivo: Artrocentese (Punção Articular)
A punção articular diagnóstica é mandatória em toda suspeita de artrite séptica.
O procedimento deve ser guiado por ultrassonografia, especialmente para articulações profundas como o quadril.
Análise do Líquido Sinovial:
Aspecto: Turvo ou francamente purulento.
Citologia: Leucocitose > 50.000/mm³ com predomínio de neutrófilos (>90%).
Bioquímica: Glicose baixa (em comparação com a sérica) e proteínas elevadas.
Microbiologia: Bacterioscopia pelo método de Gram e Cultura são essenciais para identificar o agente e guiar a terapia.
Exames de Imagem
Ultrassonografia: É o exame de imagem de escolha inicial. Confirma a presença de derrame articular e pode guiar a punção.
Radiografia: Geralmente normal no início. Útil para descartar outros diagnósticos (fraturas, osteomielite avançada).
Ressonância Magnética: Indicada se houver suspeita de osteomielite associada ou para avaliar complicações.
4. Manejo e Tratamento
A artrite séptica é uma emergência cirúrgica.
1. Drenagem Articular de Urgência
O pilar do tratamento é a drenagem imediata e completa do pus da articulação para aliviar a pressão e remover as enzimas destrutivas.
Métodos:
Artrotomia (cirurgia aberta): É a abordagem tradicional e necessária para o quadril.
Artroscopia: Abordagem minimamente invasiva, preferível para o joelho e o ombro.
O procedimento deve ser realizado o mais breve possível após o diagnóstico.
2. Antibioticoterapia Sistêmica
Deve ser iniciada imediatamente após a coleta de culturas (hemoculturas e do líquido sinovial).
A terapia empírica inicial é baseada na faixa etária e nos padrões de resistência locais, com foco principal na cobertura para S. aureus.
A terapia é iniciada por via endovenosa e mantida por 1 a 2 semanas, seguida por terapia oral, totalizando 3 a 4 semanas de tratamento.
3. Imobilização e Reabilitação
A articulação é imobilizada em posição funcional nos primeiros dias para controle da dor.
A mobilização passiva e ativa precoce, guiada pela fisioterapia, é fundamental para prevenir a rigidez articular e restaurar a função.
5. Prognóstico
O prognóstico é tempo-dependente. O diagnóstico e a drenagem cirúrgica realizados nas primeiras 24-48 horas estão associados a excelentes resultados. Atrasos no tratamento aumentam drasticamente o risco de sequelas permanentes, como destruição da cartilagem, necrose avascular da cabeça femoral, distúrbios do crescimento e artrose secundária.
Referências Bibliográficas
1. American Academy of Orthopaedic Surgeons (AAOS). (2019). Management of Pediatric Septic Arthritis. Clinical Practice Guideline.
2. Peltola, H., & Pääkkönen, M. (2014). Acute osteomyelitis in children. The New England Journal of Medicine, 370(4), 352–360. (Embora foque em osteomielite, discute amplamente a fisiopatologia das infecções musculoesqueléticas).
3. Kocher, M. S., Zurakowski, D., & Kasser, J. R. (1999). Differentiating between septic arthritis and transient synovitis of the hip in children: an evidence-based clinical prediction algorithm. The Journal of Bone and Joint Surgery. American volume, 81(12), 1662–1670. (O artigo clássico que estabeleceu os critérios de Kocher).
4. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2019). Artrite Séptica e Osteomielite. Documento Científico.
5. Montgomery, C., & Siegel, E. (2021). Pediatric Septic Arthritis. Pediatrics in Review, 42(10), 547-559. (Excelente artigo de revisão focado na prática pediátrica).
6. Shirtliff, M. E., & Mader, J. T. (2002). Acute septic arthritis. Clinical Microbiology Reviews, 15(4), 527–544.
7. Pääkkönen, M., & Peltola, H. (2013). Treatment of acute septic arthritis. The Pediatric Infectious Disease Journal, 32(6), 684–685.
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
A suspeita de Artrite Séptica é uma emergência ortopédica. Acione o ortopedista pediátrico imediatamente.
A punção articular diagnóstica é mandatória e não deve ser atrasada.
A drenagem cirúrgica é o tratamento de urgência.
Inicie a antibioticoterapia endovenosa empírica imediatamente após a coleta de culturas (líquido sinovial e sangue).
2. Prescrição para Investigação e Manejo Inicial na Emergência
1. Admitir em regime de internação hospitalar.
2. Manter em jejum (NPO) para preparo cirúrgico.
3. Obter acesso venoso periférico calibroso.
4. Coletar exames de urgência: 2 amostras de Hemocultura, Hemograma completo, VHS e PCR.
Prescrever Analgesia Endovenosa: Dipirona 20 mg/kg/dose, IV, a cada 6 horas, de forma regrada. Se dor intensa, prescrever Morfina 0,05 a 0,1 mg/kg/dose, IV, a cada 4 horas, conforme necessidade.
6. Solicitar Ultrassonografia da articulação acometida com urgência, para confirmar derrame e guiar a punção.
7. Solicitar avaliação da Ortopedia Pediátrica com urgência para realização de artrocentese diagnóstica e programação de drenagem cirúrgica.
3. Prescrição de Antibioticoterapia Empírica Endovenosa
Crianças > 3 meses:
Primeira Escolha (em locais com baixa prevalência de MRSA):
1. Oxacilina 150 a 200 mg/kg/dia, IV, dividida de 6 em 6 horas.
Se alta prevalência de MRSA comunitário, paciente grave/séptico ou sem melhora com Oxacilina:
1. Clindamicina 40 mg/kg/dia, IV, dividida de 8 em 8 horas.
2. ou Vancomicina 60 mg/kg/dia, IV, dividida de 6 em 6 horas. Prescrever monitoramento de nível sérico (vale alvo: 10-15 mcg/mL).
Neonatos (< 3 meses):
Prescrição:
1. Oxacilina na dose para a idade.
2. Associar: Cefotaxima 150 mg/kg/dia, IV, dividida de 8 em 8 horas.
4. Prescrição de Cuidados Pós-Operatórios
1. Manter membro operado imobilizado com tala gessada em posição funcional, conforme orientação da ortopedia.
2. Manter analgesia venosa regrada.
3. Iniciar Fisioterapia Motora Passiva precoce, assim que orientado pela equipe cirúrgica (geralmente após 48-72h).
5. Prescrição para Transição para Terapia Oral e Alta
Critérios:
Paciente com melhora clínica evidente, afebril há 48-72h, com queda significativa da PCR e capaz de tolerar medicação oral.
Prescrição (após 1-2 semanas de terapia IV, dependendo da gravidade e do agente):
1. Suspender antibioticoterapia endovenosa.
2. Prescrever antibiótico oral com boa biodisponibilidade, guiado pelo antibiograma, se disponível.
Opções comuns: Clindamicina (30 mg/kg/dia), Cefalexina (100-150 mg/kg/dia).
3. Manter a terapia oral para completar um tempo total de tratamento de 3 a 4 semanas (IV + VO).
4. Agendar retorno ambulatorial com o Ortopedista Pediátrico em 1 semana.
5. Fornecer orientações sobre a importância da fisioterapia e da reabilitação.
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