Meningite

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Meningite é um processo inflamatório das leptomeninges (as membranas aracnoide e pia-máter que recobrem o cérebro e a medula espinhal). Em pediatria, representa uma emergência médica, especialmente a Meningite Bacteriana Aguda (MBA), que, se não tratada, pode levar a sequelas neurológicas graves ou ao óbito. Fisiopatologia: A maioria dos casos de MBA resulta da disseminação hematogênica de bactérias que colonizam a nasofaringe. Ao atingirem o espaço subaracnóideo

Categoria

Infecciosas e Exantemáticas > Infecções Bacterianas Sistêmicas > Meningite

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Meningite é um processo inflamatório das leptomeninges (as membranas aracnoide e pia-máter que recobrem o cérebro e a medula espinhal). Em pediatria, representa uma emergência médica, especialmente a Meningite Bacteriana Aguda (MBA), que, se não tratada, pode levar a sequelas neurológicas graves ou ao óbito. Fisiopatologia: A maioria dos casos de MBA resulta da disseminação hematogênica de bactérias que colonizam a nasofaringe. Ao atingirem o espaço subaracnóideo, as bactérias se multiplicam rapidamente, desencadeando uma intensa resposta inflamatória. A liberação de citocinas e outros mediadores inflamatórios leva a: Aumento da permeabilidade da barreira hematoencefálica. Edema cerebral vasogênico e citotóxico. Aumento da Pressão Intracraniana (PIC). Vasculite cerebral, que pode resultar em isquemia e infarto. Esta cascata de eventos é responsável pelas manifestações clínicas e pelo potencial de dano neurológico permanente. 2. Etiologia por Faixa Etária A etiologia da MBA varia significativamente com a idade, o que é fundamental para a escolha da antibioticoterapia empírica. Neonatos (0 a 2 meses): Os agentes são tipicamente adquiridos do canal de parto materno. Streptococcus agalactiae (Estreptococo do Grupo B - GBS). Escherichia coli e outros bacilos Gram-negativos. Listeria monocytogenes. Lactentes e Crianças (a partir de 2-3 meses): Os agentes são as bactérias encapsuladas clássicas. Streptococcus pneumoniae (Pneumococo): Principal agente em todas as faixas etárias após o período neonatal. Neisseria meningitidis (Meningococo): Importante causa de meningite e meningococcemia, com potencial para surtos. **Haemophilus influenzae tipo b (Hib):* Tornou-se raro em países com vacinação universal, mas ainda deve ser considerado em crianças não vacinadas. Meningite Viral (Asséptica): É a forma mais comum de meningite em geral. Os Enterovírus são a principal causa. O quadro é benigno e autolimitado. 3. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico exige um alto índice de suspeição. Manifestações Clínicas: Crianças Maiores: A apresentação clássica é a tríade de febre, cefaleia e rigidez de nuca. Vômitos em jato, fotofobia e alteração do nível de consciência são comuns. Os sinais de irritação meníngea (Kernig e Brudzinski) podem estar presentes. Lactentes e Neonatos: O quadro é inespecífico e atípico. Os sinais de irritação meníngea são frequentemente ausentes. A suspeita deve surgir diante de um lactente com febre ou hipotermia, irritabilidade, letargia, recusa alimentar, vômitos ou abaulamento da fontanela. Convulsões podem ser o sinal de apresentação. Meningococcemia: A presença de exantema petequial ou purpúrico que não desaparece à digitopressão é um sinal de alerta máximo para doença meningocócica e exige tratamento imediato. Diagnóstico Definitivo: Análise do Líquor (LCR) A punção lombar (PL) para coleta de LCR é mandatória em toda suspeita de meningite, a menos que haja contraindicações. Contraindicações à PL imediata: Sinais de hipertensão intracraniana grave (coma, postura anormal, papiledema), instabilidade hemodinâmica (choque) ou infecção no local da punção. Nesses casos, deve-se iniciar a antibioticoterapia empírica e realizar uma TC de crânio antes da PL. Análise do LCR: A diferenciação entre meningite bacteriana e viral é feita com base nos achados citoquímicos: | Característica | Meningite Bacteriana | Meningite Viral | |:---------------|:---------------------|:----------------| | Aspecto | Turvo, purulento | Límpido, "água de rocha" | | Células (/mm³) | Aumentadas (>1000) | Aumentadas (10-500) | | Predomínio Celular | Neutrófilos | Linfócitos | | Proteínas (mg/dL) | Muito elevadas (>100) | Normal ou levemente elevada | | Glicose (mg/dL) | Muito baixa (<40) | Normal | | Relação Glicorraquia/Glicemia | < 0,4 | > 0,6 | | Bacterioscopia (Gram) | Positivo em 60-90% | Negativo | 4. Manejo e Tratamento A MBA é uma emergência. O tratamento deve ser iniciado o mais rápido possível. Antibioticoterapia Empírica Imediata: Deve ser iniciada logo após a coleta do LCR (ou antes, se a PL for contraindicada). A escolha é baseada na faixa etária e nos padrões de resistência locais. Neonatos (<1-2 meses): Ampicilina (para cobrir Listeria) + uma Cefalosporina de 3ª geração (Cefotaxima) ou um Aminoglicosídeo (Gentamicina). Crianças (>2 meses): Cefalosporina de 3ª geração (Ceftriaxona) + Vancomicina (para cobrir pneumococo com possível resistência à penicilina). Terapia Adjuvante com Corticosteroides: O uso de Dexametasona, administrada 15-20 minutos antes ou junto com a primeira dose de antibiótico, demonstrou reduzir o risco de sequelas auditivas (surdez), especialmente em meningites por H. influenzae tipo b e, possivelmente, por pneumococo. Medidas de Suporte: O tratamento é conduzido em ambiente hospitalar, frequentemente em UTI, e inclui hidratação venosa cuidadosa (restrição hídrica para evitar edema cerebral), controle de convulsões e manejo da hipertensão intracraniana. 5. Complicações e Prognóstico Complicações Agudas: Edema cerebral, hidrocefalia, convulsões, choque séptico, CIVD. Sequelas a Longo Prazo: A perda auditiva neurossensorial é a sequela mais comum. Outras incluem déficit cognitivo, epilepsia e paralisia cerebral. Prognóstico: A mortalidade da MBA permanece em torno de 10-20%, e até 30% dos sobreviventes apresentam sequelas. O prognóstico da meningite viral é excelente, com recuperação completa na maioria dos casos. 6. Prevenção Imunização: A vacinação contra *Pneumococo (VPC13), Meningococo (ACWY e B) e H. influenzae tipo b (Hib) é a medida mais eficaz e de maior impacto na prevenção da MBA. Quimioprofilaxia de Contatos: Indicada para contatos próximos de casos de meningite por meningococo e, em situações específicas, por Hib, para erradicar o estado de portador e prevenir casos secundários. Referências Bibliográficas Ministério da Saúde (Brasil). (2023). Guia de Vigilância em Saúde (Volume Único, 6ª ed.). (A principal referência nacional para notificação, investigação e manejo de casos e surtos). American Academy of Pediatrics. Meningitis. In: Red Book: 2024 Report of the Committee on Infectious Diseases (33rd ed.). (A principal diretriz clínica pediátrica norte-americana). Tunkel, A. R., et al. (2017). 2017 Infectious Diseases Society of America’s Clinical Practice Guideline for Healthcare-Associated Ventriculitis and Meningitis. Clinical Infectious Diseases, 64(6), e34–e65. (Diretriz da IDSA, focada em infecções hospitalares, mas com princípios importantes). Brouwer, M. C., McIntyre, P., & van de Beek, D. (2019). Dexamethasone in adults with bacterial meningitis. The Lancet Infectious Diseases, 19(6), e223-e231. (Revisão sobre o uso de corticoides). Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2020). Meningites Bacterianas. Documento Científico. van de Beek, D., Cabellos, C., Dzupova, O., et al. (2016). ESCMID guideline: diagnosis and treatment of acute bacterial meningitis. Clinical Microbiology and Infection, 22(Suppl 3), S37-S62. (Diretriz europeia abrangente).

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor A suspeita de Meningite Bacteriana Aguda (MBA) é uma emergência médica. O tratamento não deve ser atrasado. A punção lombar (PL) é obrigatória para o diagnóstico, a menos que haja contraindicações formais. A antibioticoterapia empírica deve ser iniciada imediatamente após a PL (ou antes, se a PL for adiada). A Dexametasona deve ser administrada antes ou junto com a primeira dose de antibiótico. Notifique o caso à vigilância epidemiológica imediatamente. 2. Prescrição de Ação Imediata na Emergência Admitir em leito de emergência com monitorização contínua (cardíaca, oximetria, PA). Manter em jejum (NPO). Obter acesso venoso periférico e coletar exames: Hemograma, PCR, Hemoculturas, Coagulograma, Eletrólitos, Glicemia, Função Renal. Realizar Punção Lombar, se não houver contraindicações (coma, sinais de herniação, instabilidade hemodinâmica). Enviar LCR para análise completa. Iniciar terapia empírica imediatamente após a PL. 3. Prescrição da Terapia Empírica Inicial Corticosteroide (administrar 15-20 minutos ANTES da primeira dose de antibiótico): Prescrição: Dexametasona 0,15 mg/kg/dose, por via endovenosa (dose máxima de 10 mg). Manter a cada 6 horas, por 2 a 4 dias. Antibioticoterapia Empírica para Crianças > 2 meses: Prescrição (Esquema Padrão): Ceftriaxona 100 mg/kg/dia, IV, dividida de 12 em 12 horas (dose máxima de 4g/dia). Associar: Vancomicina 60 mg/kg/dia, IV, dividida de 6 em 6 horas (dose máxima de 4g/dia). Objetivo: Cobertura para S. pneumoniae (incluindo cepas resistentes), N. meningitidis e H. influenzae. Antibioticoterapia Empírica para Neonatos (< 2 meses): Prescrição (Esquema Padrão): Ampicilina 200 a 300 mg/kg/dia, IV, dividida de 6/6h ou 8/8h (conforme idade). Associar: Cefotaxima 150 a 200 mg/kg/dia, IV, dividida de 6/6h ou 8/8h. Objetivo: Cobertura para S. agalactiae, L. monocytogenes e bacilos Gram-negativos. 4. Prescrição para Manejo de Complicações Hipertensão Intracraniana (HIC): Manter cabeceira elevada a 30°. Manter em restrição hídrica (2/3 das necessidades basais). Se sinais de HIC aguda, prescrever Manitol 20%, na dose de 0,5 a 1 g/kg, IV, em infusão rápida (20-30 minutos). Convulsões: Diazepam 0,2 a 0,5 mg/kg, IV, lento (ataque). Se não ceder, prescrever Fenitoína, dose de ataque de 20 mg/kg, IV, lento, sob monitorização cardíaca. 5. Prescrição para Quimioprofilaxia de Contatos Para Contatos de Meningite Meningocócica: Prescrição (Primeira Escolha): Rifampicina suspensão oral ou cápsula. Prescrever na dose de 10 mg/kg/dose (máx. 600 mg), por via oral, de 12 em 12 horas, por 2 dias. Alternativas: Ceftriaxona (dose única IM) ou Ciprofloxacino (dose única oral, para >18 anos). Para Contatos de Meningite por H. influenzae tipo b: Indicação: Se houver contatos domiciliares < 4 anos não vacinados ou imunocomprometidos. Prescrição: Rifampicina suspensão oral ou cápsula. Prescrever na dose de 20 mg/kg/dia (máx. 600 mg), por via oral, em dose única diária, por 4 dias.

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