Sepse e Choque Séptico

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Sepse é definida como uma disfunção orgânica potencialmente fatal causada por uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção. O Choque Séptico é um subconjunto da sepse no qual as anormalidades circulatórias, celulares e metabólicas subjacentes são suficientemente profundas para aumentar substancialmente o risco de mortalidade. Fisiopatologia: A sepse não é apenas a infecção, mas a resposta inflamatória sistêmica descontrolada do corpo a ela. Essa respost

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Infecciosas e Exantemáticas > Infecções Bacterianas Sistêmicas > Sepse e Choque Séptico

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Sepse é definida como uma disfunção orgânica potencialmente fatal causada por uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção. O Choque Séptico é um subconjunto da sepse no qual as anormalidades circulatórias, celulares e metabólicas subjacentes são suficientemente profundas para aumentar substancialmente o risco de mortalidade. Fisiopatologia: A sepse não é apenas a infecção, mas a resposta inflamatória sistêmica descontrolada do corpo a ela. Essa resposta leva a: Disfunção Endotelial: Com vasodilatação maciça e aumento da permeabilidade capilar, resultando em hipovolemia relativa e extravasamento de plasma (edema). Estado Pró-coagulante: Ativação da cascata de coagulação, levando à formação de microtrombos e à Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD). Disfunção Miocárdica: As citocinas inflamatórias têm um efeito depressor direto sobre o coração, reduzindo sua contratilidade. Disfunção Mitocondrial: As células perdem a capacidade de utilizar o oxigênio eficientemente, gerando energia por via anaeróbica e produzindo lactato. Essa cascata de eventos leva à hipoperfusão tecidual, disfunção de múltiplos órgãos e, se não revertida, à morte. 2. Reconhecimento Clínico e Diagnóstico O diagnóstico é uma emergência médica. O reconhecimento precoce é a chave para a sobrevida. Critérios Diagnósticos (Consenso Pediátrico): A sepse é suspeitada em uma criança com infecção confirmada ou suspeita que apresenta sinais da Síndrome da Resposta Inflamatória Sistêmica (SIRS), que incluem alterações na temperatura, frequência cardíaca, frequência respiratória e contagem de leucócitos. O diagnóstico de sepse grave (termo antigo, mas clinicamente útil em pediatria) é firmado na presença de disfunção orgânica. Sinais de Disfunção Orgânica (Sinais de Alerta): Cardiovascular: Hipotensão (sinal tardio em crianças), necessidade de drogas vasoativas, ou sinais de má perfusão (enchimento capilar > 2s, extremidades frias/mosqueadas, pulsos fracos). Respiratória: Necessidade de oxigênio para manter a saturação, ou necessidade de ventilação mecânica. Neurológica: Alteração do nível de consciência (irritabilidade, sonolência, coma), rebaixamento na Escala de Coma de Glasgow. Renal: Oligúria (< 0,5 mL/kg/h). Hematológica: Plaquetopenia (< 100.000/mm³) ou coagulopatia (INR > 1,5). Choque Séptico: É definido pela presença de disfunção cardiovascular que persiste apesar da administração de volume (≥ 40 mL/kg em 1 hora). Exames Laboratoriais: Lactato Arterial: É o principal biomarcador de hipoperfusão tecidual. Níveis > 2 mmol/L são um sinal de alerta, e níveis > 4 mmol/L estão associados a alta mortalidade. Hemoculturas: Essenciais. Devem ser coletadas duas amostras de sítios diferentes, antes de iniciar os antibióticos. Outros: Hemograma, coagulograma, função renal e hepática, gasometria, PCR e procalcitonina. 3. Manejo na Primeira Hora ("Golden Hour") O tratamento do choque séptico é baseado em um pacote de intervenções ("bundle") que deve ser completado na primeira hora após o reconhecimento. 1. Reconhecimento e Acesso Vascular: Iniciar oxigenoterapia de alto fluxo e obter acesso IV ou IO imediatamente. 2. Coleta de Culturas: Coletar hemoculturas (e outras culturas, se indicado) antes de iniciar os antibióticos, sem que isso atrase o tratamento. 3. Administração de Antibióticos: Iniciar antibióticos de amplo espectro por via endovenosa. 4. Ressuscitação Volêmica: Administrar bolus agressivos de cristaloides. 5. Drogas Vasoativas: Iniciar precocemente se o choque for refratário a fluidos. 6. Monitoramento do Lactato: Medir o lactato inicial e reavaliá-lo para guiar a ressuscitação. 4. Terapia de Suporte na UTI Suporte Respiratório: Muitos pacientes necessitarão de ventilação mecânica. A estratégia deve ser de ventilação protetora pulmonar para minimizar a lesão induzida pelo ventilador. Suporte Renal: A insuficiência renal aguda é comum. O manejo envolve evitar drogas nefrotóxicas e, se necessário, iniciar terapia de substituição renal (hemodiálise). Suporte Hematológico: Correção da coagulopatia com plasma fresco congelado e transfusão de plaquetas se sangramento ativo. Controle do Foco Infeccioso: Drenagem de abscessos, remoção de cateteres infectados ou desbridamento cirúrgico são cruciais para o controle da sepse. 5. Prognóstico O prognóstico depende da gravidade da disfunção orgânica, das comorbidades do paciente e, fundamentalmente, da rapidez e adequação do tratamento na primeira hora. A mortalidade da sepse pode variar de 10% a mais de 40% no choque séptico com disfunção de múltiplos órgãos. Referências Bibliográficas 1. Weiss, S. L., Peters, M. J., Alhazzani, W., et al. (2020). Surviving Sepsis Campaign International Guidelines for the Management of Septic Shock and Sepsis-Associated Organ Dysfunction in Children. Pediatric Critical Care Medicine, 21(2), e52-e106. (A diretriz internacional mais importante e abrangente para o manejo do choque séptico em pediatria). 2. Davis, A. L., Carcillo, J. A., Aneja, R. K., et al. (2017). American College of Critical Care Medicine Clinical Practice Parameters for Hemodynamic Support of Pediatric and Neonatal Septic Shock. Critical Care Medicine, 45(6), 1061-1093. 3. Singer, M., Deutschman, C. S., Seymour, C. W., et al. (2016). The Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3). JAMA, 315(8), 801–810. 4. Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS). 5. Goldstein, B., Giroir, B., & Randolph, A. (2005). International pediatric sepsis consensus conference: definitions for sepsis and organ dysfunction in pediatrics. Pediatric Critical Care Medicine, 6(1), 2-8.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor A sepse é uma emergência tempo-dependente. O "Bundle da Primeira Hora" deve ser iniciado imediatamente após o reconhecimento. A prescrição deve ser agressiva, com reavaliações frequentes da resposta do paciente. O objetivo inicial é restaurar a perfusão tecidual. 2. Prescrição do "Bundle da Primeira Hora" Ações Imediatas e Paralelas: 1. Monitorização e Suporte: Instalar monitor multiparamétrico contínuo, oferecer oxigênio de alto fluxo e obter acesso vascular (2 acessos IV periféricos ou 1 acesso intraósseo). 2. Coleta de Exames: Coletar 2 pares de Hemoculturas (de sítios diferentes), Gasometria com Lactato, Hemograma, Coagulograma, Eletrólitos, Glicemia, Função Renal e Hepática. 3. Iniciar Antibioticoterapia de Amplo Espectro IMEDIATAMENTE (dentro da 1ª hora): Exemplo para Criança da Comunidade, sem foco definido: 1. Ceftriaxona 100 mg/kg (máx. 2g), IV, agora. 2. Associar: Vancomicina 15 mg/kg, IV, agora (infundir em 1 hora). Exemplo para Paciente com Fatores de Risco para Germes Hospitalares: 1. Meropenem 20 mg/kg, IV, agora. 2. Associar: Vancomicina 15 mg/kg, IV, agora (infundir em 1 hora). 4. Iniciar Ressuscitação Volêmica Agressiva: Prescrição: 1. Soro Fisiológico 0,9%, 20 mL/kg, IV, em bolus rápido (infundir em 5 a 20 minutos). 2. Reavaliar a perfusão. Se mantiver sinais de choque, repetir o bolus de 20 mL/kg mais 1 ou 2 vezes, até um total de 40-60 mL/kg. 3. Prescrição de Drogas Vasoativas (se Choque Refratário a Fluidos) Indicação: Hipotensão ou má perfusão persistente após 40-60 mL/kg de volume. Preparo: Todas as drogas devem ser administradas em bomba de infusão contínua, preferencialmente por acesso venoso central. Para Choque Frio (Baixo Débito, Vasoconstrição Periférica): Droga de Escolha: Epinefrina (Adrenalina). Prescrição: 1. Iniciar infusão contínua de Epinefrina 0,05 a 0,1 mcg/kg/min, IV. Titular a dose para atingir as metas terapêuticas. Para Choque Quente (Vasodilatado): Droga de Escolha: Norepinefrina (Noradrenalina). Prescrição: 1. Iniciar infusão contínua de Norepinefrina 0,05 a 0,1 mcg/kg/min, IV. Titular a dose para manter a Pressão Arterial Média (PAM) alvo para a idade. 4. Prescrição de Terapias Adjuvantes Corticosteroides (para Choque Refratário): Indicação: Choque que não responde a fluidos e necessita de doses crescentes de vasopressores. Prescrição: 1. Hidrocortisona 2 mg/kg/dose, IV, de 6/6 horas. Correção de Distúrbios Metabólicos: Hipoglicemia: Glicose 10%, 5 mL/kg, IV. Hipocalcemia Ionizável: Gluconato de Cálcio 10%, 1 mL/kg (máx. 20 mL), IV, lento. 5. Metas Terapêuticas a serem Prescritas e Monitoradas 1. Manter Enchimento Capilar < 2 segundos. 2. Manter Pulsos periféricos presentes e normais. 3. Manter Débito Urinário > 1 mL/kg/hora (instalar sonda vesical de demora). 4. Normalizar nível de consciência. 5. Normalizar o lactato sérico (ou clearance* > 10%/hora). 6. Manter Saturação Venosa Central (se monitorada) > 70%.

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