Citomegalovírus (CMV)

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A infecção pelo Citomegalovírus (CMV), um membro da família Herpesviridae (HHV-5), é a infecção congênita mais comum em todo o mundo. Após a infecção primária, o CMV estabelece uma latência permanente no organismo, podendo reativar, especialmente em estados de imunossupressão. A importância clínica do CMV em pediatria se divide em dois cenários principais: 1. Infecção Congênita: Ocorre por transmissão transplacentária. É a principal causa não genética de surdez ne

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Infecciosas e Exantemáticas > Outras infecções > Citomegalovírus (CMV)

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A infecção pelo Citomegalovírus (CMV), um membro da família Herpesviridae (HHV-5), é a infecção congênita mais comum em todo o mundo. Após a infecção primária, o CMV estabelece uma latência permanente no organismo, podendo reativar, especialmente em estados de imunossupressão. A importância clínica do CMV em pediatria se divide em dois cenários principais: 1. Infecção Congênita: Ocorre por transmissão transplacentária. É a principal causa não genética de surdez neurossensorial na infância e uma causa significativa de sequelas neurológicas a longo prazo. 2. Infecção Adquirida (Pós-natal): Geralmente benigna em hospedeiros imunocompetentes, mas pode causar doença grave em imunocomprometidos e prematuros. Fisiopatologia O CMV possui tropismo por múltiplas linhagens celulares. Na infecção congênita, o vírus tem um acentuado neurotropismo, infectando células progenitoras neurais no cérebro fetal. Isso interfere na neurogênese, na migração neuronal e na organização cortical, levando à destruição tecidual, que se manifesta como microcefalia, calcificações periventriculares e outras anomalias cerebrais. No ouvido interno, a infecção do labirinto coclear é a base da perda auditiva. 2. Transmissão Transmissão Vertical (Congênita): Ocorre durante a gestação. O risco de transmissão é maior na infecção primária materna (30-40%) e está associado a desfechos mais graves. Na infecção secundária (reativação ou reinfecção), o risco é muito menor (1-2%). Transmissão Perinatal e Pós-natal: Ocorre pelo contato com secreções genitais no parto ou, mais comumente, pelo leite materno. Em bebês de termo, essa infecção é geralmente assintomática. Em prematuros extremos, pode causar uma síndrome semelhante à sepse. 3. Manifestações Clínicas Infecção Congênita por CMV: Assintomática ao Nascimento (>90% dos casos): A maioria dos bebês infectados não apresenta sinais da doença ao nascer. No entanto, 10-15% deste grupo desenvolverá surdez neurossensorial tardia e/ou progressiva nos primeiros anos de vida, o que justifica o seguimento audiológico de todos os casos. Sintomática ao Nascimento (<10% dos casos): Apresenta um quadro multissistêmico de gravidade variável. Os achados mais comuns incluem: Restrição de Crescimento Intrauterino (RCIU) e baixo peso. Hepatoesplenomegalia e hepatite com icterícia e hiperbilirrubinemia direta. Petéquias e púrpura por trombocitopenia (aspecto de "blueberry muffin"). Acometimento do SNC: Microcefalia, calcificações periventriculares, ventriculomegalia, convulsões e coriorretinite. Infecção Adquirida em Imunocompetentes: Geralmente assintomática. Quando sintomática, pode causar uma Síndrome Mononucleose-símile, com febre prolongada, mal-estar, mialgia e hepatite leve, mas com faringite e linfadenopatia menos proeminentes que na mononucleose por EBV. Infecção em Imunocomprometidos: Pode causar doença grave e disseminada, com risco de vida, manifestando-se como pneumonite intersticial, retinite, colite, encefalite e hepatite. 4. Diagnóstico Diagnóstico da Infecção Congênita: É mandatório confirmar a infecção nos primeiros 21 dias de vida. Após esse período, torna-se impossível diferenciar uma infecção congênita de uma adquirida. Padrão-Ouro: PCR para CMV em amostra de urina ou saliva. A urina é o fluido de escolha pela alta carga viral e facilidade de coleta. Avaliação da Extensão da Doença (Estadiamento): Uma vez confirmada a infecção congênita, todo recém-nascido deve ser investigado para determinar se a doença é sintomática ou não. 1. Avaliação Neurológica: Exame físico completo e neuroimagem (preferencialmente RM de crânio). 2. Avaliação Auditiva: BERA/PEATE é obrigatório. 3. Avaliação Oftalmológica: Exame de fundo de olho. 4. Exames Laboratoriais: Hemograma e provas de função hepática. 5. Tratamento Tratamento da Infecção Congênita por CMV: Indicação: O tratamento antiviral é recomendado apenas para recém-nascidos com doença sintomática moderada a grave, especialmente com acometimento do SNC. Não há indicação de tratar os casos assintomáticos. Objetivo: O tratamento demonstrou melhorar os desfechos auditivos e neurocognitivos a longo prazo, embora não cure a infecção. Drogas de Escolha: 1. Valganciclovir Oral: É a terapia de primeira linha, com tratamento por 6 meses. 2. Ganciclovir Endovenoso: Reservado para o tratamento inicial de neonatos gravemente enfermos que não toleram a via oral, com duração de 6 semanas. Tratamento em Imunocomprometidos: A doença ativa requer tratamento com Ganciclovir IV ou Valganciclovir oral. 6. Prognóstico e Seguimento O prognóstico da infecção congênita assintomática é geralmente bom, mas o risco de surdez tardia exige seguimento audiológico seriado e prolongado (pelo menos até a idade escolar). Na forma sintomática, o prognóstico é reservado, com altas taxas de sequelas permanentes, como paralisia cerebral, deficiência intelectual e perda visual, além da surdez. O tratamento antiviral pode melhorar esses desfechos. 7. Prevenção Não existe vacina disponível. A prevenção é focada em medidas de higiene para gestantes soronegativas, como lavagem rigorosa das mãos após o contato com fraldas ou secreções de crianças pequenas. Referências Bibliográficas 1. American Academy of Pediatrics. Cytomegalovirus Infection. In: Red Book: 2024 Report of the Committee on Infectious Diseases (33rd ed.). 2. Kimberlin, D. W., Jester, P. M., Sánchez, P. J., et al. (2015). Valganciclovir for symptomatic congenital cytomegalovirus disease. The New England Journal of Medicine, 372(10), 933–943. (O estudo pivotal que estabeleceu o tratamento de 6 meses com valganciclovir oral). 3. Rawlinson, W. D., Boppana, S. B., Fowler, K. B., et al. (2017). Congenital cytomegalovirus infection in pregnancy and the neonate: consensus recommendations for prevention, diagnosis, and therapy. The Lancet Infectious Diseases, 17(6), e177–e188. 4. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2020). Infecções Congênitas. Manual de Orientação. 5. Luck, S. E., Wieringa, J. W., Blázquez-Gamero, D., et al. (2017). Congenital cytomegalovirus: a European expert consensus statement on diagnosis and management. The Pediatric Infectious Disease Journal, 36(12), 1205–1213. 6. Gantt, S., et al. (2016). Cost-effectiveness of universal and targeted newborn screening for congenital cytomegalovirus infection. JAMA Pediatrics, 170(12), 1173-1180.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor O diagnóstico de infecção congênita por CMV deve ser confirmado por PCR na urina ou saliva, coletados impreterivelmente antes dos 21 dias de vida. O tratamento antiviral é reservado para casos congênitos sintomáticos moderados a graves e dura 6 meses, exigindo monitoramento rigoroso da principal toxicidade: a neutropenia. O seguimento audiológico é obrigatório para TODOS os bebês com infecção congênita, tratados ou não. 2. Prescrição para Investigação Diagnóstica (RN com Suspeita de Infecção Congênita) 1. Coletar Urina e/ou Saliva e enviar para PCR para Citomegalovírus. Especificar na solicitação: "Coleta realizada com [número] dias de vida. Pesquisa para diagnóstico de infecção congênita". 2. Se PCR positivo, proceder à investigação de estadiamento: Solicitar Ressonância Magnética (RM) de Crânio sem contraste. Solicitar Avaliação Auditiva com BERA/PEATE (Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico). Solicitar Avaliação Oftalmológica com fundoscopia. Solicitar Hemograma completo com contagem de plaquetas e Função Hepática (TGO, TGP, Bilirrubinas). 3. Prescrição do Tratamento Antiviral para CMV Congênito Sintomático Primeira Linha (Terapia Oral): Droga de Escolha: Valganciclovir. Prescrição: 1. Valganciclovir, suspensão oral (geralmente manipulada na concentração de 50 mg/mL). 2. Dose: Prescrever na dose de 16 mg/kg/dose, por via oral, de 12 em 12 horas. 3. Duração: 6 meses. 4. Orientação: Administrar junto com a alimentação (leite) para otimizar a absorção. Terapia Endovenosa (para Casos Graves ou Intolerância Oral): Droga de Escolha: Ganciclovir. Prescrição: 1. Ganciclovir solução injetável. 2. Dose: Prescrever na dose de 6 mg/kg/dose, por via endovenosa, de 12 em 12 horas. 3. Administração: Infundir lentamente, em no mínimo 1 hora. 4. Duração: 6 semanas. 4. Prescrição para Monitoramento da Toxicidade do Tratamento 1. Hemograma completo com contagem de plaquetas: Frequência: Semanalmente durante o primeiro mês de tratamento. Após, se estável, passar para quinzenal e depois mensal. 2. Função Renal (Ureia e Creatinina): Frequência: Quinzenalmente no primeiro mês, depois mensalmente. A dose do antiviral deve ser ajustada se houver insuficiência renal. 5. Manejo da Neutropenia (Efeito Adverso Mais Comum) Se Neutrófilos < 1.000/mm³: 1. Monitorar com hemograma 2 vezes por semana. Considerar reduzir a dose do antiviral em 50%. Se Neutrófilos < 500/mm³: 1. Suspender o Valganciclovir/Ganciclovir temporariamente. 2. Pode-se considerar o uso de Fator Estimulador de Colônias de Granulócitos (G-CSF, Filgrastim), se a neutropenia for grave e prolongada. 3. Reiniciar o antiviral (com dose reduzida, se necessário) assim que a contagem de neutrófilos se recuperar para > 750-1.000/mm³. 6. Prescrição de Alta e Seguimento Ambulatorial 1. Agendar consulta de seguimento audiológico com BERA/PEATE com 1, 3, 6, 9 e 12 meses de idade, e depois semestral ou anualmente até a idade escolar. 2. Agendar consulta de seguimento oftalmológico com 6 e 12 meses de idade, e depois anualmente. 3. Fornecer à família a receita do Valganciclovir, com orientações claras sobre dose, preparo e administração. 4. Entregar cronograma para coletas de hemograma de controle. 5. Fornecer encaminhamento para terapia de intervenção precoce (fisioterapia, fonoaudiologia) se houver atrasos no desenvolvimento.

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