Hepatites Virais

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia As Hepatites Virais são um grupo de doenças infecciosas caracterizadas pela inflamação do fígado, causadas por diferentes vírus hepatotrópicos (A, B, C, D e E). Embora compartilhem o órgão-alvo, eles diferem drasticamente em suas vias de transmissão, história natural e potencial para cronificação. Fisiopatologia A lesão hepática na maioria das hepatites virais agudas não é causada pela ação direta do vírus (efeito citopático), mas sim pela resposta imune do hospede

Categoria

Infecciosas e Exantemáticas > Outras infecções > Hepatites Virais

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia As Hepatites Virais são um grupo de doenças infecciosas caracterizadas pela inflamação do fígado, causadas por diferentes vírus hepatotrópicos (A, B, C, D e E). Embora compartilhem o órgão-alvo, eles diferem drasticamente em suas vias de transmissão, história natural e potencial para cronificação. Fisiopatologia A lesão hepática na maioria das hepatites virais agudas não é causada pela ação direta do vírus (efeito citopático), mas sim pela resposta imune do hospedeiro que tenta eliminar as células infectadas (hepatócitos). Esta resposta imune celular causa a necrose hepatocelular, que se traduz laboratorialmente pela elevação das transaminases. Nas hepatites B e C, a falha do sistema imune em eliminar completamente o vírus pode levar à persistência da infecção, inflamação crônica, fibrose progressiva, cirrose e, eventualmente, hepatocarcinoma. 2. Os Vírus e suas Características Hepatite A (HAV): Vírus RNA, de transmissão fecal-oral (água/alimentos contaminados). Causa apenas doença aguda, é frequentemente assintomática em crianças pequenas e nunca cronifica. A infecção confere imunidade permanente. Hepatite B (HBV): Vírus DNA, de transmissão parenteral, sexual e, crucialmente em pediatria, vertical (mãe-filho). O risco de cronificação é inversamente proporcional à idade da infecção: cerca de 90% dos recém-nascidos infectados cronificam, em comparação com menos de 5% dos adultos. Hepatite C (HCV): Vírus RNA, de transmissão primariamente parenteral (compartilhamento de agulhas, transfusões antes de 1993). A transmissão vertical ocorre em cerca de 5% dos casos. Apresenta uma altíssima taxa de cronificação (cerca de 80%). Hepatite D (HDV): Vírus RNA defectivo que só consegue infectar na presença do vírus da Hepatite B. A coinfecção ou superinfecção HBV/HDV agrava significativamente a doença hepática. Hepatite E (HEV): Vírus RNA, de transmissão fecal-oral, similar à Hepatite A. Geralmente é autolimitada, mas pode ser grave em gestantes. 3. Avaliação Clínica e Diagnóstico Manifestações Clínicas da Hepatite Aguda Fase Prodrômica: Inespecífica, com mal-estar, anorexia, náuseas e febre baixa. Fase Ictérica: É a fase clássica, com surgimento de icterícia (pele e escleras amareladas), colúria (urina escura, "cor de Coca-Cola") e acolia fecal (fezes claras). A hepatomegalia dolorosa é comum. Em crianças pequenas, a infecção por HAV é frequentemente anictérica ou assintomática. Hepatite Crônica (HBV e HCV) Geralmente é assintomática por anos ou décadas, progredindo silenciosamente. O diagnóstico muitas vezes ocorre em fases avançadas, já com cirrose. Diagnóstico Laboratorial: A Chave é a Sorologia O diagnóstico é feito pela detecção de anticorpos (sorologia) e/ou material genético viral (PCR). Hepatite A O diagnóstico de infecção aguda é feito pela detecção do Anti-HAV IgM. O Anti-HAV IgG indica imunidade (infecção passada ou vacinação). Hepatite B A interpretação do painel sorológico é complexa e fundamental. HBsAg (Antígeno de Superfície): Marcador de infecção. Se presente por >6 meses, define infecção crônica. Anti-HBc IgM: Marcador de infecção aguda ou agudização de crônica. Anti-HBc IgG: Marcador de contato prévio com o vírus. Anti-HBs: Marcador de imunidade (cura ou vacinação). HBeAg e Anti-HBe: Marcadores de replicação viral e infectividade. Hepatite C O rastreamento é feito com o Anti-HCV. Se positivo, a infecção ativa deve ser confirmada pela detecção do HCV-RNA (PCR). 4. Manejo e Tratamento Hepatite Aguda (HAV, HEV, e formas agudas de HBV/HCV) O tratamento é exclusivamente de suporte. Não há terapia antiviral específica. A conduta inclui repouso relativo, hidratação e dieta de acordo com a aceitação do paciente. Medicações hepatotóxicas (incluindo Paracetamol em altas doses) devem ser evitadas. A hospitalização é indicada em casos de vômitos incoercíveis, desidratação ou sinais de insuficiência hepática aguda (coagulopatia, encefalopatia). Hepatite B Crônica O tratamento visa suprimir a replicação viral para prevenir a progressão para cirrose e hepatocarcinoma. As drogas de primeira linha em pediatria são os análogos de nucleosídeos/nucleotídeos, como o Entecavir e o Tenofovir. Hepatite C Crônica O tratamento foi revolucionado pelos Antivirais de Ação Direta (DAAs). Esquemas como Sofosbuvir/Velpatasvir ou Glecaprevir/Pibrentasvir são pangenotípicos, administrados por via oral por 8 a 12 semanas, com taxas de cura superiores a 95%. Hepatite Fulminante É uma complicação rara, mas devastadora, da hepatite aguda (principalmente por HAV e HBV). Caracteriza-se pelo desenvolvimento de insuficiência hepática aguda grave (coagulopatia e encefalopatia). Requer manejo em UTI e, frequentemente, transplante de fígado de emergência. 5. Prevenção Vacinação É a medida mais eficaz. Vacinas seguras e eficazes estão disponíveis para Hepatite A e Hepatite B e fazem parte do calendário do PNI no Brasil. Profilaxia Pós-Exposição (PEP) Hepatite A: Vacina e/ou Imunoglobulina Humana para contatos próximos. Hepatite B: Vacina e, crucialmente, Imunoglobulina Humana Anti-Hepatite B (HBIG) para recém-nascidos de mães HBsAg positivas e em outras situações de exposição de risco. Medidas Gerais Saneamento básico, higiene das mãos, triagem de sangue e hemoderivados, e práticas de sexo seguro. Referências Bibliográficas Ministério da Saúde (Brasil). (2024). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Hepatites Virais. (A principal referência nacional, com todos os protocolos, esquemas e fluxogramas para a prática no Brasil). American Academy of Pediatrics. Hepatitis A, B, C, D, and E. In: Red Book: 2024 Report of the Committee on Infectious Diseases (33rd ed.). (A principal diretriz clínica pediátrica norte-americana). European Association for the Study of the Liver (EASL). (2017). EASL 2017 Clinical Practice Guidelines on the management of hepatitis B virus infection. Journal of Hepatology, 67(2), 370-398. Terrault, N. A., et al. (2018). Update on prevention, diagnosis, and treatment of chronic hepatitis B: AASLD 2018 hepatitis B guidance. Hepatology, 67(4), 1560-1599. (Diretriz da sociedade americana de fígado para Hepatite B). Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2019). Hepatites Virais na Infância. Documento Científico. Pawlowsky, J. M. (2022). New hepatitis C therapies: The revolution continues. Gastroenterology, 162*(5), 1361-1374. (Revisão sobre os avanços no tratamento da Hepatite C).

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor O manejo da hepatite aguda é suportivo. A prescrição deve focar no alívio sintomático e na orientação. NÃO PRESCREVER medicamentos desnecessários ou potencialmente hepatotóxicos. A profilaxia pós-exposição (PEP) para Hepatite B em recém-nascidos é uma emergência médica e deve ser feita nas primeiras 12 horas de vida. O tratamento da hepatite crônica é especializado e deve ser conduzido por um hepatologista/infectologista pediátrico. 2. Prescrição para Manejo da Hepatite Aguda Viral (Não Complicada) Medidas Gerais e Sintomáticas: 1. Orientar repouso relativo, conforme o estado geral do paciente. 2. Orientar dieta leve, fracionada e com baixo teor de gordura, conforme a aceitação. Incentivar a hidratação oral. 3. Dipirona solução oral 500mg/mL. Prescrever na dose de 20 mg/kg/dose, por via oral, a cada 6 horas, se febre ou dor. 4. Ondansetrona 0,15 mg/kg/dose, por via oral, a cada 8 horas, se náuseas ou vômitos intensos. 5. Proibir estritamente o consumo de álcool e o uso de outros medicamentos sem prescrição médica. 3. Prescrição para Profilaxia Pós-Exposição (PEP) PEP para Hepatite A (Contato Domiciliar Suscetível): Prescrição: 1. Vacina contra Hepatite A, 0,5 mL, por via Intramuscular, em dose única. Administrar o mais breve possível (idealmente em até 14 dias da exposição). 2. Para crianças < 12 meses ou imunocomprometidos, prescrever Imunoglobulina Humana Padrão 0,02 mL/kg, IM, em dose única. PEP para Hepatite B (Recém-nascido de mãe HBsAg Positiva): Prescrição (a ser feita na maternidade, nas primeiras 12 horas de vida): 1. Imunoglobulina Humana Anti-Hepatite B (HBIG), 0,5 mL, por via Intramuscular profunda, em um membro (ex: vasto lateral esquerdo). 2. Vacina contra Hepatite B (recombinante), 0,5 mL (10 mcg), por via Intramuscular profunda, em outro membro (ex: vasto lateral direito). 3. Agendar a continuação do esquema vacinal (2ª e 3ª doses) e a sorologia pós-vacinal. 4. Prescrição para Tratamento da Hepatite Crônica (Exemplos para Especialistas) Hepatite B Crônica: Prescrição (Exemplo para adolescente): 1. Tenofovir (TDF) 300 mg, 1 comprimido, por via oral, uma vez ao dia, continuamente. 2. Solicitar monitoramento de função renal (creatinina, fósforo) a cada 3-6 meses. Hepatite C Crônica: Prescrição (Exemplo de esquema pangenotípico): 1. Sofosbuvir/Velpatasvir (400mg/100mg), 1 comprimido, por via oral, uma vez ao dia. 2. Duração: 12 semanas. 3. Solicitar HCV-RNA (PCR quantitativo) ao final do tratamento e 12 semanas após para confirmação da Resposta Virológica Sustentada (cura). 5. Orientações de Alta e Sinais de Alerta 1. Orientar sobre a evolução natural da doença e o tempo esperado para a normalização dos exames. 2. Sinais de Alerta para Retorno Imediato (sinais de insuficiência hepática fulminante): Sonolência excessiva, confusão mental ou irritabilidade extrema. Vômitos persistentes que impedem a hidratação. Surgimento de sangramentos (gengiva, nariz) ou manchas roxas na pele. 3. Reforçar a importância de não consumir álcool por pelo menos 6 meses após a hepatite aguda. 4. Agendar retorno para reavaliação clínica e laboratorial.

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