Fasciolíase

Resumo

1. Definição e Contexto Zoonose parasitária causada por Fasciola hepatica. Infecção humana acidental, comum em áreas de pecuária (ovinos/bovinos). Transmissão: Ingestão de água não tratada ou vegetais aquáticos crus (especialmente agrião) contaminados com metacercárias. 2. Fisiopatologia Essencial Fase Aguda (Hepática/Migratória): Larvas migram pelo parênquima hepático (2-4 meses), causando destruição tecidual e inflamação. Fase Crônica (Biliar): Vermes adultos nos ductos biliares, produzem ovos. 3. Fatores de Risco Pediátricos Consumo de agrião cru ou vegetais aquáticos mal lavados. Água de fontes não tratadas em áreas endêmicas. Residência/frequência em áreas rurais com pecuária. 4. Apresentação Clínica Varia conforme a fase, mais sintomática em crianças na fase aguda. Fase Aguda (6-12 semanas pós-infecção): Febre prolongada (alta, comum). Dor abdominal (hipocôndrio direito/epigástrio). Hepatomegalia dolorosa. Manifestações alérgicas: Urticária, prurido. Sintomas gastrointestinais inespecíficos. Eosinofilia acentuada (achado laboratorial mais característico). Fase Crônica (Vermes nos ductos biliares): Dor abdominal tipo cólica biliar. Icterícia obstrutiva. Episódios de colangite ou pancreatite. Eosinofilia menos pronunciada. 5. Diagnóstico Suspeita em febre prolongada, dor abdominal, hepatomegalia e eosinofilia, com história epidemiológica. Laboratorial: Hemograma: Eosinofilia marcante (>10%, >5.000 células/mm³) na fase aguda. Função hepática: ↑ AST/ALT (aguda), ↑ FA/GGT/Bilirrubinas (crônica). ↑ VHS, PCR, IgE total. Imagem: USG/TC abdominal: Lesões hepáticas hipoecoicas/nodulares/trajetos "em túnel" (aguda); dilatação biliar/verme adulto (crônica). TC mais sensível para fase aguda. Testes Específicos: Sorologia (ELISA): Método de escolha na fase aguda (detecta anticorpos 2-4 semanas pós-infecção, antes dos ovos). Exame Parasitológico de Fezes (EPF): Negativo na fase aguda. Pesquisa de ovos na fase crônica (múltiplas amostras). Diagnóstico Diferencial (com eosinofilia): Larva Migrans Visceral (Toxocaríase): Febre, hepatomegalia, sibilância, eosinofilia intensa, pica/geofagia. Diferenciar por sorologia específica. Hepatites Virais: Sem eosinofilia marcante. Abscesso Hepático: Leucocitose com neutrofilia, lesão cavitária em imagem. 6. Manejo e Tratamento Droga de Escolha: Triclabendazol (eficaz contra formas imaturas e adultas). Dose Pediátrica (≥ 6 anos): 10 mg/kg/dose VO, em duas doses com intervalo de 12 horas (dose total 20 mg/kg). Administrar com alimentos para otimizar absorção. Comprimidos podem ser partidos/esmagados. Atenção: Praziquantel é ineficaz. Terapia de Suporte (Casos Graves): Corticosteroides: Prednisona (1-2 mg/kg/dia) por 5-7 dias em casos graves de fase aguda (febre alta, toxemia, eosinofilia extrema) para controlar inflamação. Iniciar junto ou antes do triclabendazol. 7. Critérios de Hospitalização Sintomas sistêmicos graves (toxemia, febre alta persistente). Desidratação ou intolerância à via oral. Dor abdominal intensa e refratária. Sinais de complicações (colangite, pancreatite, icterícia obstrutiva). 8. Complicações (mais comuns na fase crônica) Colangite bacteriana secundária. Pancreatite aguda. Litíase biliar. Cirrose biliar (em infecções crônicas não tratadas). 9. Prognóstico e Seguimento Excelente com tratamento adequado. Controle laboratorial: Eosinofilia diminui em semanas, normaliza em 6-12 meses. Enzimas hepáticas normalizam gradualmente. Sorologia: Negativação dos anticorpos pode levar 6-12 meses. 10. Prevenção Evitar consumo de vegetais aquáticos crus (especialmente agrião) de fontes desconhecidas. Consumir apenas água potável, filtrada ou fervida. Lavar rigorosamente frutas e vegetais. 11. Sinais de Alerta para Retorno Imediato Febre alta que não melhora ou retorna após 48-72h do tratamento. Dor abdominal intensa, de difícil controle ou piora progressiva. Icterícia (pele e olhos amarelados). Vômitos persistentes que impedem hidratação ou medicação. Alteração do estado geral (prostração, sonolência, irritabilidade intensa).

Categoria

Infecciosas e Exantemáticas > Parasitoses e micologias > Fasciolíase

Conduta Completa

1. Definição e Contexto A fasciolíase é uma zoonose parasitária causada por trematódeos do gênero Fasciola, principalmente a Fasciola hepatica ("verme do fígado de ovelha") e, menos comumente, a Fasciola gigantica. A infecção humana é acidental e ocorre predominantemente em áreas de criação de ovinos e bovinos, que são os hospedeiros definitivos. A transmissão para crianças e adolescentes está associada ao consumo de água não tratada ou de plantas aquáticas cruas, como o agrião, contaminadas com as larvas do parasita (metacercárias). 2. Fisiopatologia O ciclo se inicia com a ingestão das metacercárias. No duodeno, as larvas eclodem, penetram a parede intestinal e migram pela cavidade peritoneal até o fígado. Esta fase de migração, conhecida como fase aguda ou hepática, dura de 2 a 4 meses e é caracterizada por destruição tecidual e intensa reação inflamatória. Posteriormente, as larvas amadurecem nos ductos biliares, dando início à fase crônica ou biliar, onde os vermes adultos produzem ovos que são eliminados nas fezes. 3. Fatores de Risco Os principais fatores de risco na população pediátrica incluem: Ingestão de vegetais aquáticos crus ou mal lavados, especialmente o agrião. Consumo de água de fontes não tratadas em áreas endêmicas. Residir ou frequentar áreas rurais com pecuária (ovinos, bovinos). Hábitos de higiene precários. 4. Apresentação Clínica A apresentação clínica varia conforme a fase da infecção, sendo a fase aguda frequentemente mais sintomática em crianças do que em adultos. Fase Aguda (Invasiva/Hepática) Corresponde à migração das larvas pelo parênquima hepático. Os sintomas geralmente surgem de 6 a 12 semanas após a infecção. Febre prolongada: Geralmente alta e o sintoma mais comum. Dor abdominal: Tipicamente localizada no hipocôndrio direito ou epigástrio. Hepatomegalia dolorosa. Manifestações alérgicas: Urticária, prurido e mal-estar geral. Sintomas gastrointestinais inespecíficos: Náuseas, vômitos, diarreia e anorexia. Eosinofilia acentuada: É o achado laboratorial mais característico. Fase Crônica (Biliar) Inicia-se quando os vermes adultos se alojam nos ductos biliares. Pode ser assintomática ou apresentar sintomas intermitentes. Dor abdominal tipo cólica biliar. Icterícia obstrutiva. Episódios de colangite ou pancreatite. A eosinofilia tende a ser menos pronunciada que na fase aguda. 5. Diagnóstico A suspeita diagnóstica deve ser levantada em pacientes com febre prolongada, dor abdominal, hepatomegalia e eosinofilia, associados a uma história epidemiológica compatível. Exames Laboratoriais Hemograma: Eosinofilia marcante (frequentemente > 10% e podendo ultrapassar 5.000 células/mm³) é o achado mais consistente na fase aguda. Anemia pode estar presente. Função hepática: Elevação de transaminases (AST/ALT) na fase aguda. Na fase crônica, pode haver aumento de fosfatase alcalina, gama-GT e bilirrubinas. Marcadores inflamatórios: Velocidade de hemossedimentação (VHS) e Proteína C Reativa (PCR) geralmente elevadas. IgE sérica total: Níveis acentuadamente elevados são comuns. Imagem Ultrassonografia abdominal: Na fase aguda, pode revelar lesões hepáticas hipoecoicas, nodulares ou trajetos "em túnel". Na fase crônica, pode mostrar dilatação de vias biliares ou a presença do verme adulto. Tomografia Computadorizada (TC) de abdome: Exame mais sensível para detectar as lesões migratórias no parênquima hepático durante a fase aguda. Testes Específicos Sorologia (ELISA): É o método de escolha para o diagnóstico, especialmente na fase aguda, pois os anticorpos se tornam detectáveis de 2 a 4 semanas após a infecção, antes do aparecimento de ovos nas fezes. Exame Parasitológico de Fezes (EPF): Pesquisa de ovos de Fasciola. Geralmente é negativo na fase aguda, pois os ovos só são eliminados 3 a 4 meses após a infecção. Múltiplas amostras podem ser necessárias na fase crônica. Diagnóstico Diferencial | Condição | Características Principais | Exames Sugestivos | |---|---|---| | Fasciolíase (fase aguda) | Febre, dor em HCD, hepatomegalia, eosinofilia intensa, história epidemiológica | Sorologia (ELISA) positiva para Fasciola, lesões hepáticas em USG/TC | | Larva Migrans Visceral (Toxocaríase) | Febre, hepatomegalia, sibilância, eosinofilia intensa, pica/geofagia | Sorologia (ELISA) positiva para Toxocara, pode haver envolvimento pulmonar/ocular | | Hepatites Virais | Febre, icterícia, náuseas, dor em HCD, aumento de transaminases | Sorologias virais (HAV, HBV, HCV, EBV, CMV) positivas, eosinofilia ausente ou discreta | | Abscesso Hepático (piogênico/amebiano) | Febre alta, calafrios, dor em HCD, leucocitose com neutrofilia | USG/TC com lesão cavitária, sorologia para amebíase, hemoculturas | | Leucemia/Linfoma | Febre, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, citopenias | Hemograma com blastos, mielograma, biópsia de linfonodo | 6. Manejo e Tratamento O tratamento visa a erradicação do parasita e o controle dos sintomas. Tratamento Farmacológico Droga de Escolha: Triclabendazol. É eficaz contra as formas imaturas e adultas do parasita. Dose Pediátrica (≥ 6 anos): 10 mg/kg/dose, via oral, em duas doses com intervalo de 12 horas. A dose total é de 20 mg/kg. A administração deve ser feita junto com alimentos para aumentar a absorção. Os comprimidos podem ser partidos ou esmagados e misturados com purê de maçã. Falha Terapêutica: Se não houver melhora clínica ou parasitológica, um segundo ciclo de tratamento pode ser necessário. Alternativa: A nitazoxanida (500 mg, 2x/dia, por 7 dias para maiores de 12 anos) tem eficácia limitada e é considerada uma opção secundária. O praziquantel não é eficaz contra a Fasciola. Terapia de Suporte Corticosteroides: Em casos graves da fase aguda, com febre alta, toxemia e eosinofilia extrema, pode-se associar prednisona (1-2 mg/kg/dia) para controlar a reação inflamatória. Critérios de Hospitalização Sintomas sistêmicos graves (toxemia, febre alta persistente). Desidratação ou incapacidade de aceitação da via oral. Dor abdominal intensa e refratária. Sinais de complicações (colangite, pancreatite, icterícia obstrutiva). 7. Complicações As complicações são mais comuns na fase crônica e resultam da obstrução biliar: Colangite bacteriana secundária Pancreatite aguda Litíase biliar Cirrose biliar (em infecções crônicas e não tratadas) 8. Prognóstico e Seguimento O prognóstico com tratamento adequado é excelente, com altas taxas de cura. O seguimento inclui: Avaliação clínica: Resolução da febre e da dor abdominal. Controle laboratorial: A contagem de eosinófilos geralmente começa a diminuir semanas após o tratamento e normaliza em 6 a 12 meses. A normalização das enzimas hepáticas também é esperada. Sorologia: A negativação dos anticorpos pode levar de 6 a 12 meses após a cura. 9. Prevenção A prevenção é fundamental e baseia-se em medidas educacionais e de saneamento: Evitar o consumo de vegetais aquáticos crus, especialmente agrião, de fontes desconhecidas. Consumir apenas água potável, filtrada ou fervida. Lavar rigorosamente frutas e vegetais. Controle dos hospedeiros intermediários (caramujos) e tratamento dos animais em áreas endêmicas. 10. Referências 1. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Parasites - Liver Flukes: Fasciola. Atlanta: CDC, 2024. 2. MAS-COMA, S.; VALERO, M. A.; BARGUES, M. D. Fascioliasis. Advances in Experimental Medicine and Biology, v. 1154, p. 71-103, 2019. 3. MÉDECINS SANS FRONTIÈRES (MSF). Medical Guidelines: Triclabendazole oral. MSF, 2025. 4. MINISTÉRIO DA SAÚDE (BRASIL). Secretaria de Vigilância em Saúde. Surto de Fasciolíase Humana no Município de Canutama, Amazonas. Boletim Eletrônico Epidemiológico, ano 05, n. 19, 2005. 5. WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Fascioliasis. Geneva: WHO, 2020. 6. YILMAZ, H.; GÖDEKMERDAN, A.; CENGEL, A. The clinical characteristics of fascioliasis in pediatric patients. Turkish Journal of Pediatrics, v. 62, n. 2, p. 302-307, 2020.

Tratamento

1. Orientações ao Prescritor O tratamento de escolha para a fasciolíase em todas as suas fases é o Triclabendazol, um benzimidazol com alta eficácia contra formas imaturas e adultas da Fasciola hepatica e F. gigantica. A terapia deve ser iniciada assim que o diagnóstico for confirmado ou fortemente suspeito, especialmente em pacientes sintomáticos. Atenção: O Praziquantel é ineficaz para o tratamento da fasciolíase. 2. Tratamento Farmacológico de Primeira Linha Esquema Ambulatorial Padrão (Crianças ≥ 6 anos) Opção 1: Triclabendazol Fármaco: Triclabendazol 250 mg (comprimido sulcado). Dose: 10 mg/kg/dose. Esquema: Administrar 2 doses com intervalo de 12 horas. Via: Via Oral (VO). Orientações: Administrar sempre com alimentos (leite, iogurte ou refeição) para otimizar a absorção. O comprimido pode ser engolido inteiro, partido ao meio ou esmagado e misturado com uma pequena quantidade de alimento pastoso (ex: purê de maçã), devendo ser consumido imediatamente. Se a dose exata não puder ser alcançada com as frações do comprimido, arredondar a dose para cima. Exemplo de cálculo para uma criança de 25 kg: Dose por tomada: 25 kg 10 mg/kg = 250 mg. Prescrição: Triclabendazol 250 mg, 1 comprimido, via oral, agora. Repetir 1 comprimido após 12 horas. Terapia Adjuvante (Casos Graves) Em pacientes com manifestações sistêmicas intensas na fase aguda (febre alta, toxemia, hipereosinofilia sintomática), considerar o uso de corticoide. Fármaco: Prednisona 20 mg (comprimidos) ou Prednisolona 3 mg/mL (solução oral). Dose: 1 a 2 mg/kg/dia, dividida em 1 a 2 tomadas. Duração: Manter por 5 a 7 dias, com desmame progressivo conforme melhora clínica. Via: Via Oral (VO). Observação: Iniciar o corticoide junto ou ligeiramente antes do triclabendazol para modular a resposta inflamatória à lise parasitária. 3. Monitoramento Pós-Tratamento Acompanhamento Clínico: Reavaliar o paciente em 2 a 4 semanas para verificar a resolução dos sintomas (febre, dor abdominal). Acompanhamento Laboratorial: Solicitar hemograma de controle em 1 a 3 meses. A eosinofilia deve apresentar queda progressiva, embora a normalização completa possa levar até 12 meses. Repetir enzimas hepáticas conforme necessidade, esperando normalização gradual. O exame parasitológico de fezes pode ser repetido após 3 meses para confirmar a cura parasitológica na fase crônica, embora a sorologia seja mais sensível para o controle de cura. 4. Sinais de Alerta para Retorno Imediato Orientar a família a procurar atendimento de urgência se a criança apresentar: Febre alta que não melhora ou retorna após 48-72h do início do tratamento. Dor abdominal intensa, de difícil controle ou com piora progressiva. Icterícia (pele e olhos amarelados). Vômitos persistentes que impeçam a hidratação ou a medicação. Alteração do estado geral: prostração excessiva, sonolência ou irritabilidade intensa. 5. Critérios de Hospitalização A internação hospitalar deve ser considerada nas seguintes situações: [ ] Sinais de toxemia ou comprometimento hemodinâmico. [ ] Dor abdominal refratária à analgesia ambulatorial. [ ] Desidratação ou intolerância à via oral. [ ] Suspeita de complicações: colangite (febre com calafrios e icterícia), pancreatite (dor abdominal irradiada para o dorso com vômitos). [ ] Necessidade de corticoterapia endovenosa em casos de reação inflamatória sistêmica grave. [ ] Alterações laboratoriais graves (ex: insuficiência hepática aguda).

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