Toxocaríase

Resumo

1. Definição e Contexto Zoonose parasitária causada por larvas de Toxocara canis (principalmente) ou T. cati. Humanos (especialmente crianças) são hospedeiros acidentais, infectados pela ingestão de ovos embrionados presentes no solo ou alimentos contaminados. As larvas migram para fígado, pulmões, olhos e SNC, desencadeando resposta inflamatória eosinofílica. 2. Fatores de Risco Essenciais Geofagia e pica: Hábito de levar terra/objetos contaminados à boca. Contato com solo contaminado: Parques, tanques de areia. Animais de estimação não vermifugados: Cães (filhotes) e gatos. Higiene precária: Mãos não lavadas após contato com solo/animais. 3. Apresentação Clínica e Diagnóstico Diferencial | Forma Clínica | Características Principais | Faixa Etária Típica | Diagnóstico Diferencial Chave | |---|---|---|---| | Larva Migrans Visceral (LMV) | Febre, hepatomegalia dolorosa, tosse, sibilância, anorexia. Eosinofilia acentuada (>3.000/mm³). | Crianças 2-7 anos | Outras helmintíases, alergias, neoplasias. | | Larva Migrans Ocular (LMO) | Geralmente unilateral, perda de acuidade visual, estrabismo, leucocoria. Eosinofilia sistêmica frequentemente ausente. | Crianças mais velhas e adolescentes | Retinoblastoma, doença de Coats. | | Neurotoxocaríase | Rara, grave: meningite eosinofílica, encefalite, convulsões. | Variável | Outras neuroinfecções, epilepsia. | 4. Diagnóstico Laboratorial e por Imagem Hemograma: Eosinofilia acentuada na LMV (frequentemente >3.000/mm³). Pode estar ausente na LMO. Sorologia (ELISA): Método de escolha para confirmação, utilizando antígenos de excreção-secreção de T. canis. Títulos elevados sugerem infecção. Imagem: USG abdominal: Granulomas hipoecoicos no fígado/baço. Avaliação Oftalmológica: Essencial na LMO (fundoscopia para granulomas retinianos). TC/RM crânio: Na suspeita de neurotoxocaríase. 5. Manejo e Tratamento Princípios Gerais: Tratamento reservado para pacientes sintomáticos. LMO e Neurotoxocaríase: Manejo sempre em conjunto com especialista (oftalmologista/neurologista). Eosinofilia periférica é marcador de resposta, mas normalização é lenta. Sorologia não é útil para controle de cura. 5.1. Terapia Farmacológica Essencial Albendazol: Fármaco de primeira escolha. Dose: 15 mg/kg/dia (máx. 800 mg/dia) divididos em duas tomadas, via oral. Duração: 5 a 20 dias, conforme forma clínica e gravidade. Corticosteroides (Prednisona): Indicados em casos graves para controlar inflamação. Indicações: LMV com acometimento pulmonar/cardíaco grave, neurotoxocaríase, LMO. Dose: 1-2 mg/kg/dia, via oral, com desmame gradual. Iniciar 24-48h antes do anti-helmíntico em casos graves. 5.2. Esquemas Terapêuticos por Forma Clínica LMV Leve a Moderada: Albendazol: 15 mg/kg/dia (dividido BID) por 5-10 dias. LMV Grave (Pneumonite, Miocardite): Prednisona: 1-2 mg/kg/dia por 7-14 dias (desmame gradual). Albendazol: 15 mg/kg/dia (dividido BID) por 10-20 dias. LMO e Neurotoxocaríase: Manejo especializado obrigatório. Prednisona: 1-2 mg/kg/dia (duração e desmame pelo especialista). Albendazol: 15 mg/kg/dia (dividido BID) por 10-20 dias. 6. Monitoramento e Sinais de Alerta Monitoramento: Reavaliar clinicamente. Repetir hemograma 2-4 semanas após tratamento para queda de eosinófilos. Sinais de Alerta para Retorno Imediato: Perda visual súbita, dor ocular, estrabismo de início recente. Dificuldade respiratória, cansaço intenso, cianose. Sonolência excessiva, irritabilidade intensa, alteração de comportamento. Convulsões. Dor abdominal intensa e contínua. Febre persistente. 7. Critérios de Hospitalização Comprometimento respiratório: Hipoxemia (SpO2 <92%), taquipneia intensa. Sinais de miocardite: Taquicardia desproporcional, sopro novo, sinais de insuficiência cardíaca. Acometimento do SNC: Convulsões, rebaixamento de consciência. Desidratação ou intolerância à medicação oral. 8. Prevenção Vermifugação regular de cães e gatos (especialmente filhotes). Higiene das mãos (após brincar no chão/areia e antes de comer). Saneamento ambiental: Descarte adequado de fezes de animais. Proteção de áreas de lazer infantil: Cobrir tanques de areia. Consumo de alimentos seguros: Lavar bem frutas e vegetais.

Categoria

Infecciosas e Exantemáticas > Parasitoses e micologias > Toxocaríase

Conduta Completa

1. Definição e Contexto A toxocaríase é uma zoonose parasitária causada pela migração de larvas de nematódeos do gênero Toxocara, principalmente Toxocara canis (do cão) e, menos frequentemente, Toxocara cati (do gato). Humanos, especialmente crianças, atuam como hospedeiros paratênicos (acidentais) ao ingerir ovos embrionados presentes no ambiente. A doença tem distribuição global, com maior prevalência em regiões tropicais e em áreas com condições socioeconômicas precárias. 2. Fisiopatologia Após a ingestão de ovos embrionados presentes no solo, areia ou alimentos contaminados, as larvas eclodem no intestino delgado. Elas penetram a parede intestinal, entram na circulação e migram para diversos tecidos, como fígado, pulmões, olhos e sistema nervoso central (SNC). As larvas não completam seu ciclo de vida no ser humano, mas podem permanecer viáveis por meses, desencadeando uma resposta inflamatória eosinofílica intensa, responsável pelas manifestações clínicas. 3. Fatores de Risco Os principais fatores de risco na população pediátrica estão associados ao contato com ambientes contaminados por fezes de cães e gatos não tratados. Geofagia e pica: Hábito de levar terra e objetos contaminados à boca. Contato com solo contaminado: Brincar em parques, tanques de areia e quintais. Presença de animais de estimação: Convivência com cães (especialmente filhotes) e gatos não vermifugados regularmente. Higiene precária: Lavagem inadequada das mãos após contato com o solo ou animais. Baixo nível socioeconômico: Associado a piores condições de saneamento e maior exposição. 4. Apresentação Clínica A maioria das infecções é assintomática. Quando sintomática, a toxocaríase pode se manifestar em diferentes síndromes clínicas, dependendo da carga parasitária e dos órgãos acometidos. | Forma Clínica | Características Principais | Faixa Etária Típica | |---|---|---| | Larva Migrans Visceral (LMV) | Febre, hepatomegalia dolorosa, tosse, sibilância, anorexia e mal-estar. Pode haver miocardite e exantema. | Crianças de 2 a 7 anos. | | Larva Migrans Ocular (LMO) | Geralmente unilateral, com perda de acuidade visual, estrabismo e leucocoria. Sinais sistêmicos e eosinofilia são frequentemente ausentes. | Crianças mais velhas e adolescentes. | | Toxocaríase Oculta (Covert) | Sintomas inespecíficos: dor abdominal crônica, cefaleia, alterações de comportamento, distúrbios do sono e linfadenopatia. | Variável. | | Neurotoxocaríase | Rara, mas grave. Pode cursar com meningite eosinofílica, encefalite, mielite, vasculite cerebral e convulsões. | Variável. | 5. Diagnóstico O diagnóstico é baseado na combinação de achados clínicos, epidemiológicos e laboratoriais, uma vez que a identificação direta da larva em tecidos é rara e invasiva. 5.1. Exames Complementares Hemograma: Eosinofilia acentuada é o achado mais característico na LMV, frequentemente com contagens absolutas >3.000/mm³ e leucocitose. Na LMO, a eosinofilia pode estar ausente. Bioquímica: Hipergamaglobulinemia (IgG, IgM, IgE) é comum. Sorologia (ELISA): É o método de escolha para confirmação diagnóstica, utilizando antígenos de excreção-secreção de larvas de T. canis. Títulos elevados sugerem infecção ativa ou recente, mas o teste não diferencia infecção passada de atual. Exames de Imagem: - Ultrassonografia abdominal: Pode revelar múltiplos granulomas hipoecoicos no fígado e baço. - Radiografia/TC de tórax: Infiltrados pulmonares migratórios podem ser observados. - TC/RM de crânio: Indicada na suspeita de neurotoxocaríase, podendo mostrar lesões granulomatosas. Avaliação Oftalmológica: Essencial na suspeita de LMO, incluindo fundoscopia para identificar granulomas retinianos, endoftalmite ou descolamento de retina. 5.2. Diagnóstico Diferencial LMV: Outras causas de hipereosinofilia (outras helmintíases, alergias, síndromes hipereosinofílicas, neoplasias), infecções virais (EBV, CMV), tuberculose miliar. LMO: Retinoblastoma (principal diferencial que causa leucocoria), doença de Coats, retinopatia da prematuridade. 6. Manejo e Tratamento O tratamento é indicado para pacientes sintomáticos, pois infecções leves e assintomáticas podem ser autolimitadas. O objetivo é aliviar os sintomas e prevenir danos teciduais pela resposta inflamatória. 6.1. Terapia Farmacológica Albendazol: É o fármaco de primeira escolha. - Dose: 15 mg/kg/dia (máximo de 800 mg/dia) divididos em duas tomadas, via oral. - Duração: 5 a 20 dias, dependendo da forma clínica e da gravidade. O CDC recomenda um curso de 5 dias para casos viscerais. Mebendazol: Alternativa terapêutica. - Dose: 100-200 mg duas vezes ao dia, via oral. - Duração: 5 a 20 dias. Corticosteroides: Indicados em casos graves para controlar a inflamação. - Indicações: LMV com acometimento pulmonar ou cardíaco grave, neurotoxocaríase e LMO. - Dose: Prednisona 1-2 mg/kg/dia, via oral, com desmame gradual após a melhora clínica. 6.2. Manejo por Forma Clínica LMV Leve a Moderada: Tratamento apenas com anti-helmíntico (Albendazol por 5-10 dias). LMV Grave: Associação de Albendazol (10-20 dias) e Prednisona. LMO e Neurotoxocaríase: Tratamento sempre em conjunto com especialista (oftalmologista/neurologista). A terapia combina Albendazol e corticosteroides para minimizar o dano inflamatório. 7. Complicações LMO: Perda visual permanente, estrabismo, descolamento de retina, catarata e glaucoma secundário. Neurotoxocaríase: Déficits neurológicos permanentes, epilepsia. LMV: Insuficiência respiratória, miocardite, falência hepática (raras). 8. Prognóstico e Seguimento O prognóstico da LMV é geralmente excelente, com resolução completa dos sintomas. Na LMO, o prognóstico visual é reservado e depende da localização e extensão da lesão. O seguimento é primariamente clínico. A contagem de eosinófilos é um bom marcador de resposta terapêutica, embora sua normalização possa ser lenta. A sorologia não é útil para controle de cura, pois os títulos de anticorpos podem permanecer elevados por anos. 9. Prevenção A prevenção é a estratégia mais importante e envolve a interrupção do ciclo de transmissão. Vermifugação regular de cães e gatos: Principalmente filhotes. Higiene das mãos: Lavar as mãos com água e sabão após brincar no chão/areia e antes de comer. Saneamento ambiental: Recolher e descartar adequadamente as fezes de animais. Proteção de áreas de lazer infantil: Cobrir tanques de areia quando não estiverem em uso. Consumo de alimentos seguros: Lavar bem frutas e vegetais. 10. Referências 1. AMERICAN ACADEMY OF PEDIATRICS. Toxocariasis. In: Kimberlin DW, Barnett ED, Lynfield R, Sawyer MH, eds. Red Book: 2024–2027 Report of the Committee on Infectious Diseases. 33rd ed. Itasca, IL: American Academy of Pediatrics; 2024. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. 5. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2021. 3. CARVALHO, E. A.; ROCHA, R. L. Toxocaríase: larva migrans visceral em crianças e adolescentes. Jornal de Pediatria, v. 87, n. 2, p. 100-110, 2011. 4. CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Parasites - Toxocariasis. Clinical Care of Toxocariasis. Atlanta: CDC, 2024. 5. MA, G.; HOLLAND, C. V. Human toxocariasis. The Lancet Infectious Diseases, v. 18, n. 1, p. e14-e24, 2018. 6. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP). Tratado de Pediatria. 5. ed. Barueri: Manole, 2022.

Tratamento

1. Orientações ao Prescritor O tratamento da toxocaríase é reservado para pacientes sintomáticos. A maioria das infecções é assintomática e autolimitada. A escolha do esquema terapêutico depende da forma clínica (visceral, ocular, neurológica) e da gravidade dos sintomas. A eosinofilia periférica é um marcador útil para avaliar a resposta ao tratamento, embora sua normalização possa levar semanas a meses. A sorologia não deve ser usada como critério de cura. Em casos de acometimento ocular ou do sistema nervoso central, o manejo deve ser sempre realizado em conjunto com o especialista focal (oftalmologista, neurologista). --- 2. Esquemas Terapêuticos Ambulatoriais 2.1. Larva Migrans Visceral (LMV) - Forma Leve a Moderada Primeira Linha: - Albendazol suspensão oral 40 mg/mL - Dose: 7,5 mg/kg/dose, via oral, de 12 em 12 horas (dose diária total: 15 mg/kg/dia). - Duração: 5 dias. - Observação: Para crianças com mais de 40 kg, pode-se utilizar a dose máxima de 400 mg, via oral, de 12 em 12 horas. Alternativa: - Mebendazol suspensão oral 20 mg/mL - Dose: 100-200 mg (5-10 mL), via oral, de 12 em 12 horas. - Duração: 5 dias. --- 3. Esquemas Terapêuticos para Casos Graves ou com Acometimento de Órgãos-Alvo 3.1. Larva Migrans Visceral (LMV) - Forma Grave (Pneumonite, Miocardite) Associação Terapêutica: 1. Prednisona comprimidos 5 mg ou 20 mg - Dose: 1-2 mg/kg/dia, via oral (dose máxima de 60 mg/dia), por 7 a 14 dias, com desmame gradual. Iniciar 24-48h antes do anti-helmíntico. 2. Albendazol suspensão oral 40 mg/mL - Dose: 7,5 mg/kg/dose, via oral, de 12 em 12 horas. - Duração: 10 a 20 dias. 3.2. Larva Migrans Ocular (LMO) e Neurotoxocaríase Manejo especializado obrigatório. O tratamento visa primariamente reduzir a inflamação para prevenir sequelas. Esquema Terapêutico Base: 1. Corticosteroide Sistêmico (Ex: Prednisona) - Dose: 1-2 mg/kg/dia, via oral, com duração e desmame definidos pelo especialista. 2. Albendazol - Dose: 15 mg/kg/dia, via oral, divididos em 2 tomadas. - Duração: 10 a 20 dias, conforme avaliação especializada. --- 4. Monitoramento Clínico e Laboratorial Monitoramento Clínico: Reavaliar o paciente ao final do tratamento. Observar a melhora de sintomas como febre, tosse, dor abdominal e regressão da hepatomegalia. Monitoramento Laboratorial: Repetir o hemograma 2 a 4 semanas após o término do tratamento para avaliar a tendência de queda da contagem de eosinófilos. --- 5. Sinais de Alerta para Retorno Imediato Orientar os pais/responsáveis a procurar atendimento de urgência se a criança apresentar: [ ] Perda visual súbita, dor ocular ou estrabismo de início recente. [ ] Dificuldade respiratória, cansaço intenso ou cianose (lábios azulados). [ ] Sonolência excessiva, irritabilidade intensa ou alteração do comportamento. [ ] Convulsões. [ ] Dor abdominal intensa e contínua. [ ] Febre persistente apesar do tratamento. --- 6. Critérios de Hospitalização Comprometimento respiratório: Hipoxemia (SpO2 <92% em ar ambiente), taquipneia intensa ou uso de musculatura acessória. Sinais de miocardite: Taquicardia desproporcional à febre, sopro cardíaco novo, sinais de insuficiência cardíaca. Acometimento do SNC: Convulsões, rebaixamento do nível de consciência, sinais de hipertensão intracraniana. Desidratação ou intolerância à medicação oral. Necessidade de investigação diagnóstica invasiva ou manejo cirúrgico (casos oculares complexos).

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