Sarampo

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia O Sarampo é uma doença infecciosa viral, exantemática, aguda e extremamente contagiosa, causada por um Morbillivirus da família Paramyxoviridae. Apesar de ser prevenível por vacinação, continua sendo uma importante causa de morbimortalidade infantil em todo o mundo, especialmente em populações com baixa cobertura vacinal. No Brasil, após um período de eliminação, a reintrodução do vírus levou a surtos recentes, reforçando a necessidade de vigilância constante. Fisi

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Infecciosas e Exantemáticas > Viroses Exantemáticas e Relacionadas > Sarampo

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia O Sarampo é uma doença infecciosa viral, exantemática, aguda e extremamente contagiosa, causada por um Morbillivirus da família Paramyxoviridae. Apesar de ser prevenível por vacinação, continua sendo uma importante causa de morbimortalidade infantil em todo o mundo, especialmente em populações com baixa cobertura vacinal. No Brasil, após um período de eliminação, a reintrodução do vírus levou a surtos recentes, reforçando a necessidade de vigilância constante. Fisiopatologia: O vírus do sarampo entra no organismo pelo trato respiratório, infectando macrófagos e células dendríticas. Ocorre uma viremia primária com disseminação para o sistema reticuloendotelial, seguida por uma viremia secundária massiva que leva à infecção de múltiplos tecidos, incluindo pele, conjuntiva e vias aéreas. Uma característica marcante da infecção é a imunossupressão profunda e transitória, que dura várias semanas após a fase aguda e predispõe o paciente a infecções bacterianas secundárias graves (pneumonia, otite), que são as principais causas de morte. 2. Transmissão e Período de Contágio A transmissão ocorre por via aérea, através da disseminação de gotículas e aerossóis ao tossir, espirrar ou falar. É uma das doenças mais contagiosas que existem, com um número básico de reprodução (R₀) estimado entre 12 e 18. Período de Contágio: Um indivíduo infectado é contagioso desde 4 dias antes até 4 dias depois do aparecimento do exantema. A transmissibilidade é máxima durante a fase prodrômica (catarral). 3. Manifestações Clínicas (As 3 Fases Clássicas) O quadro clínico do sarampo é característico e evolui em fases distintas. Período Prodrômico (ou Fase Catarral): Dura de 2 a 4 dias. Sintomas: Início com febre alta, mal-estar intenso e a tríade clássica dos "3 Cs": Coriza, Conjuntivite (com fotofobia) e Tosse seca e persistente. Sinal Patognomônico: Surgimento das Manchas de Koplik 1 a 2 dias antes do exantema. São pontos branco-azulados de 1-2 mm, com um halo avermelhado, localizados na mucosa oral, na altura dos pré-molares. Período Exantemático: O exantema maculopapular eritematoso surge cerca de 2 a 4 dias após o início da febre. Progressão: A erupção tem uma progressão cefalocaudal característica: inicia-se na região retroauricular e na face, e em 2 a 3 dias se espalha para o tronco e, por fim, para os membros, incluindo palmas e plantas. As lesões podem confluir. A febre geralmente atinge o pico nesta fase. Período de Convalescença (ou Descamativo): Após 3 a 5 dias, o exantema começa a desaparecer na mesma ordem em que surgiu, deixando uma descamação fina ("furfurácea") e, por vezes, uma pigmentação acastanhada transitória. A febre cede e o estado geral do paciente melhora. A tosse pode persistir por mais 1 a 2 semanas. 4. Diagnóstico Diagnóstico Clínico-Epidemiológico: Em um cenário de surto, a presença do quadro clínico clássico (febre, os 3 Cs, manchas de Koplik e exantema cefalocaudal) em um paciente não vacinado é altamente sugestiva. Diagnóstico Laboratorial: É fundamental para a confirmação de casos e para a vigilância epidemiológica. Sorologia (IgM): A detecção de anticorpos IgM específicos para o sarampo no soro confirma a infecção aguda. A coleta deve ser feita a partir do primeiro dia do exantema. Biologia Molecular (RT-PCR): É o método de escolha para confirmação precoce e para a genotipagem do vírus (importante para o rastreamento da origem dos surtos). Amostras de urina, secreção de nasofaringe ou sangue podem ser coletadas até 7 dias após o início do exantema. 5. Tratamento Não existe terapia antiviral específica para o sarampo. O tratamento é de suporte. Medidas Gerais: Hidratação, repouso e controle da febre com antitérmicos (Paracetamol, Dipirona. Evitar AAS). Vitamina A: É a única intervenção específica que demonstrou reduzir a morbimortalidade por sarampo. A OMS e o Ministério da Saúde recomendam a administração de Vitamina A para todas as crianças diagnosticadas com sarampo, independentemente do estado nutricional, pois ela diminui a gravidade das complicações, especialmente a cegueira e a pneumonia. Antibióticos: Indicados apenas para o tratamento de complicações bacterianas secundárias, como otite média aguda e pneumonia bacteriana. 6. Complicações A imunossupressão induzida pelo vírus é a principal causa das complicações. Pneumonia: É a complicação mais comum e a principal causa de morte. Pode ser causada pelo próprio vírus do sarampo (pneumonia de células gigantes) ou por uma superinfecção bacteriana. Otite Média Aguda: Complicação bacteriana muito frequente. Diarreia: Pode ser grave e levar à desidratação. Complicações Neurológicas: Encefalite Aguda Pós-infecciosa: Ocorre em 1 a cada 1.000 casos, com alto risco de mortalidade e sequelas neurológicas. Panencefalite Esclerosante Subaguda (PEES): Uma doença neurodegenerativa rara, progressiva e fatal, que ocorre anos após a infecção inicial. 7. Prevenção e Controle de Surtos Prevenção Primária (Vacinação): A vacinação com a vacina tríplice viral (SCR - Sarampo, Caxumba e Rubéola) é a medida mais eficaz. O esquema básico no Brasil inclui duas doses: aos 12 e aos 15 meses de idade. Isolamento: Pacientes com sarampo devem ser mantidos em isolamento respiratório por precauções para aerossóis desde a suspeita até 4 dias após o início do exantema. Notificação: O sarampo é uma doença de notificação compulsória e imediata (em até 24 horas) para as autoridades de saúde. Manejo de Contatos (Profilaxia Pós-Exposição): Bloqueio Vacinal: A vacina SCR pode ser administrada em contatos suscetíveis (não vacinados) até 72 horas após a exposição para tentar prevenir a doença. Imunoglobulina Humana: Indicada para contatos suscetíveis de alto risco (lactentes < 6 meses, gestantes, imunocomprometidos), devendo ser administrada em até 6 dias após a exposição. Referências Bibliográficas World Health Organization (WHO). (2017). Measles vaccines: WHO position paper – April 2017. Weekly Epidemiological Record, 92(17), 205-228. (O posicionamento oficial da OMS sobre as estratégias de vacinação). American Academy of Pediatrics. Measles. In: Red Book: 2024 Report of the Committee on Infectious Diseases (33rd ed.). (A principal diretriz clínica pediátrica norte-americana). Ministério da Saúde (Brasil). (2022). Guia de Vigilância em Saúde (6ª ed.). (A referência nacional obrigatória para notificação, investigação e manejo de casos e surtos). Strebel, P. M., & Orenstein, W. A. (2019). Measles. The New England Journal of Medicine, 381(4), 349-357. (Excelente artigo de revisão recente sobre a doença). Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2023). Calendários de Vacinação da SBP. (As diretrizes nacionais mais atuais sobre o esquema vacinal). Griffin, D. E. (2018). The Immunology of Measles. Current Topics in Microbiology and Immunology, 413*, 1-21. (Revisão aprofundada sobre a fisiopatologia e a imunossupressão).

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor Sarampo é uma emergência de saúde pública. ISOLE o paciente e NOTIFIQUE o caso à vigilância epidemiológica local imediatamente (em até 24h). O tratamento é de suporte. A prescrição da Vitamina A é obrigatória e demonstrou reduzir a mortalidade e a gravidade das complicações. Antibióticos são indicados apenas para o tratamento de complicações bacterianas secundárias (otite, pneumonia). 2. Prescrição para Manejo de Suporte e Vitamina A Cuidados Gerais: 1. Manter Isolamento Respiratório por Precauções para Aerossóis por 4 dias após o início do exantema. 2. Prescrever repouso, conforme o estado geral do paciente. 3. Manter ambiente com penumbra para alívio da fotofobia. 4. Prescrever hidratação oral vigorosa. Se houver desidratação, iniciar hidratação venosa. Medicação Sintomática: 1. Dipirona solução oral 500mg/mL. Prescrever na dose de 20 mg/kg/dose, por via oral, a cada 6 horas, se febre (T > 37,8°C). Terapia Obrigatória com Vitamina A: Prescrição (Dose 1 - no Dia 1 do diagnóstico): Se idade < 6 meses: Vitamina A 50.000 UI, por via oral. Se idade de 6 a 11 meses: Vitamina A 100.000 UI, por via oral. Se idade ≥ 12 meses: Vitamina A 200.000 UI, por via oral. Prescrição (Dose 2 - no Dia 2): Repetir a dose de Vitamina A conforme a faixa etária, 24 horas após a primeira dose. 3. Prescrição para Tratamento de Complicações Comuns Otite Média Aguda Secundária: Prescrição: 1. Amoxicilina suspensão oral. Prescrever na dose de 50 mg/kg/dia, dividida de 8/8h, por 7 a 10 dias. Pneumonia Bacteriana Secundária (Tratamento Ambulatorial): Prescrição: 1. Amoxicilina suspensão oral. Prescrever na dose de 80-90 mg/kg/dia, dividida de 8/8h, por 7 a 10 dias. Pneumonia Bacteriana Secundária (Tratamento Hospitalar): Prescrição: 1. Ampicilina 150 mg/kg/dia, IV, dividida de 6/6h. 2. ou Ceftriaxona 80-100 mg/kg/dia, IV, em dose única diária. 4. Prescrição para Profilaxia Pós-Exposição de Contatos Suscetíveis Ação a ser coordenada com a vigilância epidemiológica. Opção 1 (Até 72 horas da exposição): Bloqueio Vacinal Indicação: Para todos os contatos suscetíveis (não vacinados ou com esquema incompleto) com idade a partir de 6 meses. Prescrição: 1. Vacina Tríplice Viral (SCR), 0,5 mL, por via Subcutânea, em dose única. 2. Observação: A dose administrada entre 6 e 11 meses ("dose zero") não conta para o calendário de rotina; a criança deverá receber as doses de 12 e 15 meses normalmente. Opção 2 (Até 6 dias da exposição): Imunoprofilaxia Passiva Indicação: Para contatos suscetíveis de alto risco para doença grave (lactentes < 6 meses, gestantes, imunocomprometidos graves). Prescrição: 1. Imunoglobulina Humana Padrão, por via Intramuscular (IM). 2. Dose: Prescrever na dose de 0,5 mL/kg (dose máxima de 15 mL). Orientações para a Família e Sinais de Alerta: Explicar a natureza da doença, o período de contágio e a importância do isolamento. Orientar sobre os sinais de alerta para complicações que exigem retorno imediato ao serviço de saúde: dificuldade para respirar, convulsões, prostração extrema ou sonolência excessiva.

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