Derrame Pleural

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia O Derrame Pleural é o acúmulo patológico de líquido no espaço pleural, o espaço virtual entre a pleura visceral (que recobre os pulmões) e a pleura parietal (que recobre a parede torácica). Em pediatria, a causa mais comum é, de longe, o Derrame Pleural Parapneumônico (DPP), uma complicação que ocorre em até 40% das crianças hospitalizadas por pneumonia bacteriana. A fisiopatologia do DPP segue uma progressão em três fases, que ditam a estratégia de tratamento: Fa

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Doenças Respiratórias > Complicações e Urgências > Derrame Pleural

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia O Derrame Pleural é o acúmulo patológico de líquido no espaço pleural, o espaço virtual entre a pleura visceral (que recobre os pulmões) e a pleura parietal (que recobre a parede torácica). Em pediatria, a causa mais comum é, de longe, o Derrame Pleural Parapneumônico (DPP), uma complicação que ocorre em até 40% das crianças hospitalizadas por pneumonia bacteriana. A fisiopatologia do DPP segue uma progressão em três fases, que ditam a estratégia de tratamento: Fase Exsudativa (Derrame Simples): A inflamação do parênquima pulmonar adjacente aumenta a permeabilidade capilar, levando ao extravasamento de um líquido pleural estéril, com baixa celularidade e pH normal. Fase Fibrinopurulenta (Derrame Complicado): Ocorre a invasão bacteriana do espaço pleural, desencadeando uma intensa resposta inflamatória. O líquido torna-se túrbido, rico em neutrófilos, com queda do pH e da glicose, e aumento do LDH. Fibrina começa a se depositar, formando septos e loculações. Fase Organizacional (Empiema): O líquido se torna francamente purulento (pus). Há uma proliferação de fibroblastos que formam uma "casca" espessa e inelástica sobre a pleura visceral (encarceramento pulmonar), impedindo a reexpansão do pulmão. 2. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico é suspeitado em uma criança com pneumonia que apresenta piora clínica ou febre persistente apesar da antibioticoterapia adequada. Manifestações Clínicas: Os sintomas são dominados pela doença de base (pneumonia), mas o derrame adiciona dispneia progressiva, dor torácica pleurítica (que piora com a inspiração profunda) e tosse seca. Exame Físico: Os achados clássicos no hemitórax acometido são: Expansibilidade diminuída. Frêmito tóraco-vocal abolido ou diminuído. Macicez à percussão. Murmúrio vesicular abolido ou diminuído. Diagnóstico por Imagem Radiografia de Tórax: É o exame inicial. Mostra a opacificação de seios costofrênicos, uma opacidade homogênea com uma curva de concavidade superior (linha de Damoiseau) ou, em grandes derrames, opacificação total do hemitórax com desvio contralateral do mediastino. A radiografia em decúbito lateral de Laurell é útil para confirmar a presença de líquido livre. Ultrassonografia de Tórax: É uma ferramenta fundamental no manejo atual. É superior à radiografia para: Detectar pequenos derrames. Diferenciar líquido de consolidação pulmonar. Caracterizar o líquido (anecoico vs. ecogênico) e, crucialmente, identificar a presença de septos e loculações. Guiar a toracocentese com segurança. Tomografia Computadorizada de Tórax: Reservada para casos complexos, falha terapêutica ou para o planejamento cirúrgico. Toracocentese e Análise do Líquido Pleural A toracocentese (punção do líquido pleural) diagnóstica é indicada em todos os derrames de volume significativo (>10 mm na ultrassonografia ou radiografia em decúbito). A análise do líquido é o que define a fase do DPP e guia o tratamento. Análise Bioquímica: pH, Glicose, LDH, Proteínas. Análise Citológica: Contagem total e diferencial de células. Análise Microbiológica: Bacterioscopia (Gram) e Culturas (aeróbias, anaeróbias e para micobactérias). A interpretação baseia-se nos Critérios de Light para diferenciar transudatos de exsudatos e, no contexto de DPP, nos seguintes marcadores: DPP Complicado: pH < 7,20, Glicose < 60 mg/dL, LDH > 1000 UI/L, ou Gram/cultura positivos. Empiema: Aspecto de pus franco no líquido. 3. Manejo e Tratamento O tratamento é escalonado conforme a fase do derrame. Fase 1: DPP Não Complicado (Simples) Conduta: Antibioticoterapia endovenosa isoladamente. A toracocentese de alívio pode ser feita se houver desconforto respiratório importante, mas a drenagem contínua geralmente não é necessária. Fase 2: DPP Complicado e Empiema Inicial Conduta: Antibioticoterapia IV + Drenagem Torácica. Um dreno torácico deve ser inserido para evacuar o líquido infectado e permitir a reexpansão pulmonar. Terapia Fibrinolítica Intrapleural: Se, após a drenagem, houver evidência de loculações ou se o débito do dreno for baixo, a instilação de fibrinolíticos (como a alteplase) através do dreno pode ser usada para lisar os septos de fibrina e facilitar a drenagem. Fase 3: Empiema Organizado ou Falha do Tratamento Clínico Conduta: Intervenção Cirúrgica. A abordagem de escolha é a Videotoracoscopia (VATS), um procedimento minimamente invasivo para realizar o desbridamento, a lise das aderências e a drenagem completa do pus. A toracotomia aberta é reservada para casos de falha da VATS ou encarceramento pulmonar grave. Escolha da Antibioticoterapia Empírica A terapia deve cobrir os agentes mais comuns da PAC que evoluem com derrame: S. pneumoniae, S. aureus (incluindo MRSA em áreas de alta prevalência) e S. pyogenes. Primeira Escolha: Associação de uma Cefalosporina de 3ª geração (Ceftriaxona) com Clindamicina (excelente penetração pleural e cobertura para anaeróbios e S. aureus) ou Oxacilina. Se risco de MRSA: Associar Vancomicina. 4. Prognóstico Com o diagnóstico e tratamento adequados e precoces, o prognóstico é excelente, com recuperação completa da função pulmonar na grande maioria das crianças, mesmo em casos de empiema que necessitaram de cirurgia. Referências Bibliográficas Bradley, J. S., et al. (2011). The management of community-acquired pneumonia in infants and children older than 3 months of age: clinical practice guidelines by the Pediatric Infectious Diseases Society and the Infectious Diseases Society of America. Clinical Infectious Diseases, 53(7), e25-e76. (Contém a seção principal que guia o manejo do DPP). Balfour-Lynn, I. M., Abrahamson, E., et al. (2005). BTS guidelines for the management of pleural infection in children. Thorax, 60(Suppl 1), i1–i21. (Diretriz britânica clássica e muito detalhada sobre o tema). Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2018). Derrame pleural na infância. Documento Científico. Islam, S., Calkins, C. M., et al. (2012). The diagnosis and management of empyema in children: a comprehensive review from the APSA outcomes and clinical trials committee. Journal of Pediatric Surgery, 47(11), 2101-2110. (Revisão da Associação Americana de Cirurgia Pediátrica). Maskell, N. A., Davies, C. W. H., Nunn, A. J., et al. (2005). U.K. Controlled Trial of Intrapleural Streptokinase for Pleural Infection. New England Journal of Medicine, 352(9), 865–874. (Estudo MIST1, um marco no uso de fibrinolíticos, embora em adultos). Rahman, N. M., Maskell, N. A., West, A., et al. (2011). Intrapleural use of tissue plasminogen activator and DNase in pleural infection. New England Journal of Medicine, 365(6), 518–526. (Estudo MIST2, que estabeleceu a terapia combinada de fibrinolítico + DNase como eficaz em adultos). Light, R. W. (2013). Pleural diseases* (6th ed.). Lippincott Williams & Wilkins. (O livro de referência mundial sobre doenças pleurais).

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor Todo derrame pleural significativo em uma criança com pneumonia requer toracocentese diagnóstica. A decisão de drenagem é baseada nas características bioquímicas e microbiológicas do líquido pleural. O tratamento é uma corrida contra a formação de fibrina. A intervenção precoce (drenagem, fibrinolíticos ou cirurgia) previne o encarceramento pulmonar. A analgesia adequada é fundamental, especialmente durante e após os procedimentos. 2. Prescrição para Toracocentese Diagnóstica/Terapêutica 1. Manter em jejum (NPO) por 4-6 horas antes do procedimento. 2. Realizar Ultrassom de Tórax à beira-leito para marcar o local ideal da punção (maior bolsão de líquido, longe de estruturas vitais). Prescrição de Analgesia e Sedação (exemplo): Midazolam 0,1 mg/kg, IV, 10 minutos antes do procedimento. Fentanil 1 mcg/kg, IV, 5 minutos antes do procedimento. Realizar anestesia local com Lidocaína 1% sem vasoconstritor no local da punção. 4. Após a punção, enviar amostras do líquido pleural para análise: Frasco seco: Bioquímica (pH, Glicose, LDH, Proteínas). Frasco com EDTA (tampa roxa): Citologia (contagem total e diferencial de células). Frasco estéril e frasco de hemocultura: Gram, Culturas (aeróbios/anaeróbios) e BAAR. 3. Prescrição de Antibioticoterapia Empírica Endovenosa Indicação: Para todo paciente com DPP. Esquema de Primeira Escolha: 1. Ceftriaxona 80 a 100 mg/kg/dia, IV, dividida de 12/12h ou em dose única diária. 2. Associar: Clindamicina 40 mg/kg/dia, IV, dividida de 6/6h ou 8/8h. Se alto risco de S. aureus resistente à meticilina (MRSA): 1. Ceftriaxona na dose habitual. 2. Associar: Vancomicina 60 mg/kg/dia, IV, dividida de 6/6h. Prescrever monitoramento de nível sérico. Duração: O tratamento é prolongado, geralmente de 2 a 4 semanas, sendo a transição para via oral guiada pela melhora clínica e laboratorial. 4. Prescrição para Drenagem Torácica e Cuidados Indicação: DPP complicado (pH<7,20, glicose<60, etc.) ou empiema. 1. Solicitar avaliação da Cirurgia Pediátrica/Torácica para passagem de dreno torácico. 2. Prescrever analgesia adequada para o procedimento e manutenção. Cuidados Pós-Drenagem: Manter dreno de tórax conectado a um sistema de drenagem em selo d'água. Prescrever aspiração contínua e suave (-10 a -20 cmH₂O). Registrar o débito e o aspecto do líquido drenado a cada 6-12 horas. Realizar Radiografia de Tórax de controle após 12-24h para avaliar o posicionamento do dreno e a reexpansão pulmonar. 5. Prescrição para Terapia Fibrinolítica Intrapleural Indicação: Derrame loculado com drenagem ineficaz. Exemplo de Prescrição: 1. Alteplase (rt-PA) 4 mg, diluído em 40 mL de Soro Fisiológico 0,9%. 2. DNase (Dornase alfa) 5 mg, diluído em 10 mL de Soro Fisiológico 0,9%. Modo de Usar: Clampear o dreno de tórax. Instilar a solução de Alteplase através do dreno. Manter clampado por 1 hora. Abrir o dreno e drenar por 1 hora. Clampear novamente o dreno. Instilar a solução de DNase. Manter clampado por 1 hora. Abrir o dreno e manter em aspiração contínua. 4. Frequência: Repetir o ciclo a cada 12 horas, por 3 dias (total de 6 doses de cada).

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