Apneia do Sono

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é um distúrbio respiratório caracterizado por episódios recorrentes de obstrução parcial (hipopneia) ou completa (apneia) das vias aéreas superiores (VAS) durante o sono. Esses eventos levam a interrupções do fluxo aéreo, resultando em dessaturações intermitentes de oxigênio, hipercapnia, microdespertares e fragmentação da arquitetura do sono. Fisiopatologia A SAOS ocorre por um desequilíbrio entre as forças que mantêm

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Doenças Respiratórias > Doenças Obstrutivas e Crônicas > Apneia do Sono

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é um distúrbio respiratório caracterizado por episódios recorrentes de obstrução parcial (hipopneia) ou completa (apneia) das vias aéreas superiores (VAS) durante o sono. Esses eventos levam a interrupções do fluxo aéreo, resultando em dessaturações intermitentes de oxigênio, hipercapnia, microdespertares e fragmentação da arquitetura do sono. Fisiopatologia A SAOS ocorre por um desequilíbrio entre as forças que mantêm a via aérea pérvia e as que promovem seu colapso. Em crianças, isso geralmente resulta de uma desproporção anatômica, onde uma via aérea naturalmente mais estreita é obstruída por tecidos linfoides aumentados, associada ao relaxamento fisiológico da musculatura faríngea durante o sono. As consequências crônicas da hipoxemia intermitente e do sono fragmentado são graves e multissistêmicas. 2. Etiologia e Fatores de Risco Causa Principal: A hipertrofia das tonsilas palatinas (amígdalas) e faríngea (adenoide) é a causa mais comum em crianças não obesas, com pico de incidência entre 3 e 6 anos de idade, período de maior crescimento do tecido linfoide. Fatores de Risco Importantes: Obesidade: É uma causa crescente e um fator de risco significativo para a persistência da SAOS mesmo após a cirurgia. Anomalias Craniofaciais: Condições como micrognatia ou retrognatia (ex: Sequência de Pierre Robin) que diminuem o espaço da via aérea posterior. Doenças Neuromusculares e Hipotonia: A falta de tônus muscular adequado facilita o colapso da via aérea (ex: Síndrome de Down, paralisia cerebral). Rinite Alérgica Crônica: A inflamação e o edema da mucosa nasal aumentam a resistência da via aérea. 3. Manifestações Clínicas Os pais geralmente procuram atendimento por causa dos sintomas noturnos, mas as consequências diurnas são igualmente importantes. Sintomas Noturnos (Clássicos): Ronco habitual e ressonante, presente na maioria das noites. Pausas respiratórias testemunhadas pelos pais, frequentemente seguidas por um engasgo ou um despertar súbito. Sono agitado, com a criança mudando de posição constantemente. Posições anômalas para dormir, como hiperextensão do pescoço, para tentar abrir a via aérea. Sudorese noturna, enurese secundária e terror noturno. Sintomas Diurnos (Consequências): Neurocognitivos e Comportamentais: Diferente do adulto que apresenta sonolência, a criança com SAOS frequentemente manifesta hiperatividade, déficit de atenção, irritabilidade e agressividade. Problemas de aprendizagem e baixo rendimento escolar são comuns. Físicos: Respiração oral crônica com fácies adenoideana (face alongada, boca aberta, olheiras), cefaleia matinal e, em casos graves e crônicos, dificuldade de ganho de peso ou cor pulmonale. 4. Diagnóstico Apesar da suspeita clínica ser forte, o diagnóstico definitivo e a avaliação da gravidade requerem um exame objetivo. Polissonografia (PSG) Noturna em Laboratório: É o padrão-ouro para o diagnóstico de SAOS. O exame monitora múltiplas variáveis durante o sono (fluxo aéreo, esforço respiratório, oximetria, eletroencefalograma, etc.) e permite o cálculo do Índice de Apneia-Hipopneia (IAH). Classificação da Gravidade em Crianças (IAH - eventos/hora): Normal: < 1 Leve: 1 a 5 Moderada: 5 a 10 Grave: > 10 Exames Complementares: Radiografia de Cavum: Pode ser usada para triagem da hipertrofia de adenoide, mas não diagnostica SAOS. Nasofibroscopia: Realizada pelo otorrinolaringologista para avaliar diretamente o grau de obstrução. 5. Manejo e Tratamento O tratamento visa normalizar a respiração durante o sono, melhorar a qualidade de vida e prevenir as complicações. Tratamento de Primeira Linha: Adenoamigdalectomia (ATT) Indicação: Para a maioria das crianças saudáveis com SAOS e evidência de hipertrofia adenoamigdaliana. Eficácia: A cirurgia é curativa em 70-90% dos casos não complexos. Observação: Crianças com SAOS grave ou comorbidades (obesidade, síndromes) devem ser monitoradas em ambiente hospitalar no pós-operatório imediato devido ao risco de complicações respiratórias. Tratamento Não Cirúrgico: CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas) Indicação: É o tratamento de escolha para: SAOS residual ou recorrente após a cirurgia. Pacientes que não são candidatos à cirurgia ou que têm contraindicações. Crianças cuja causa principal é a obesidade ou anomalias craniofaciais. Desafio: A adesão ao CPAP em pediatria é o maior obstáculo e requer um intenso trabalho de adaptação e suporte familiar. Terapias Adjuvantes (para casos selecionados): Corticosteroides Intranasais: Podem ser usados em casos de SAOS leve, especialmente se associada à rinite alérgica, para reduzir a inflamação e a hipertrofia adenoide. Tratamento Ortodôntico: A expansão rápida da maxila pode ser uma opção em crianças com palato ogival e retrognatia. Controle de Peso: Em crianças obesas, a perda de peso é um componente fundamental do tratamento. 6. Seguimento Após a adenoamigdalectomia, uma reavaliação clínica é feita em 3 a 6 meses. Uma nova polissonografia é indicada se os sintomas persistirem ou em todos os pacientes de alto risco (obesidade, síndromes, SAOS grave pré-operatória) para confirmar a resolução da doença. Referências Bibliográficas Marcus, C. L., Brooks, L. J., Draper, K. A., et al. (2012). Diagnosis and management of childhood obstructive sleep apnea syndrome. Pediatrics, 130(3), 576-584. (A principal diretriz da Academia Americana de Pediatria sobre o tema). Kaditis, A. G., Alonso Alvarez, M. L., Boudewyns, A., et al. (2016). Obstructive sleep disordered breathing in 2- to 18-year-old children: diagnosis and management. European Respiratory Journal, 47(1), 69-94. (Consenso da Sociedade Respiratória Europeia, muito completo). Mitchell, R. B., Archer, S. M., Ishman, S. L., et al. (2019). Clinical Practice Guideline: Tonsillectomy in Children (Update). Otolaryngology–Head and Neck Surgery, 160(1_suppl), S1-S42. (Diretriz que guia a indicação cirúrgica). Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2020). Distúrbios respiratórios do sono na criança. Documento Científico. Bhattacharjee, R., Kheirandish-Gozal, L., Spruyt, K., et al. (2010). Adenotonsillectomy outcomes in treatment of obstructive sleep apnea in children: a multicenter retrospective study. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, 182(5), 676-683. (Estudo multicêntrico importante sobre os desfechos da cirurgia). Gozal, D., & Kheirandish-Gozal, L. (2017). Neurocognitive and behavioral morbidity in children with sleep disorders. Current Opinion in Pulmonary Medicine, 23(6), 519-525. (Revisão sobre as consequências neurocognitivas da SAOS).

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor A SAOS é mais do que ronco; é uma condição com consequências neurocognitivas e cardiovasculares. O diagnóstico de certeza e a avaliação da gravidade são feitos pela polissonografia. O tratamento de primeira linha para a maioria das crianças é a adenoamigdalectomia. As prescrições abaixo focam na investigação e no manejo clínico adjuvante e pós-operatório. O manejo da SAOS complexa (pós-cirurgia, obesidade, síndromes) é multidisciplinar e centrado no uso de CPAP. 2. Prescrição para Investigação Diagnóstica 1. Solicito Polissonografia (PSG) basal noturna completa, em laboratório. Indicação Clínica: Suspeita de Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (ronco habitual, pausas respiratórias testemunhadas, sono agitado, sintomas diurnos como hiperatividade/déficit de atenção). 2. Encaminhar para avaliação do Otorrinolaringologista para avaliação do grau de hipertrofia adenoamigdaliana e planejamento terapêutico. 3. Se obesidade ou comorbidades, solicitar exames adicionais: Glicemia de jejum, perfil lipídico e avaliação cardiológica. 3. Prescrição para Tratamento Clínico (SAOS Leve ou Terapia Adjuvante) Indicação: Casos de SAOS leve (IAH 1-5), especialmente se associada à rinite alérgica, ou como terapia de espera para a cirurgia. Prescrição: 1. Furoato de Mometasona, spray nasal 50 mcg/jato. 2. Modo de Usar: Aplicar 1 jato em cada narina, uma vez ao dia, preferencialmente pela manhã. 3. Duração: Utilizar por um período de 6 a 12 semanas e reavaliar a resposta clínica. Em casos com asma ou rinite alérgica concomitante, pode-se associar: 1. Montelucaste de Sódio comprimido mastigável (4mg para 2-5 anos; 5mg para 6-14 anos). Prescrever 1 comprimido, via oral, à noite. 4. Prescrição para Manejo Pós-Operatório (Adenoamigdalectomia) 1. Admitir para observação pós-operatória por 12-24 horas, especialmente se SAOS grave, idade < 3 anos ou comorbidades. 2. Dieta: Prescrever dieta líquida/pastosa, fria ou morna, nas primeiras 24-48h, com progressão lenta para dieta branda e depois geral, conforme a aceitação e a ausência de dor. 3. Analgesia (essencial para boa recuperação e hidratação): Prescrição Regrada: 1. Ibuprofeno suspensão oral 100mg/mL. Prescrever na dose de 10 mg/kg/dose, via oral, de 8 em 8 horas, de forma regrada por 5 a 7 dias (não aguardar a dor). 2. Associar: Dipirona solução oral 500mg/mL. Prescrever na dose de 20 mg/kg/dose, via oral, a cada 6 horas, como resgate se a dor não for controlada com o ibuprofeno. 4. Hidratação: Incentivar vigorosamente a ingestão de líquidos para prevenir desidratação e reduzir a dor local. 5. Orientações para Terapia com CPAP Esta é uma prescrição de cuidado, não de medicamento, e requer acompanhamento especializado.* 1. Encaminhar para laboratório do sono para titulação de pressão de CPAP. 2. Prescrever CPAP com umidificador aquecido e máscara nasal pediátrica de tamanho apropriado (a ser definida no laboratório). 3. Orientar sobre a importância da higiene diária da máscara e do circuito. 4. Agendar seguimento em 1 mês com o especialista para avaliação da adesão (leitura dos dados do cartão de memória do aparelho) e resolução de problemas de adaptação.

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