Fibrose Cística
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Fibrose Cística (FC) é uma doença genética, autossômica recessiva, causada por mutações no gene que codifica a proteína CFTR (Regulador de Condutância Transmembrana da Fibrose Cística). Esta proteína funciona como um canal de íons, principalmente de cloreto, na superfície das células epiteliais.
Fisiopatologia
A disfunção ou ausência da proteína CFTR impede o transporte adequado de cloreto e, consequentemente, de água através das membranas celulares. Isso resulta
Categoria
Doenças Respiratórias > Doenças Obstrutivas e Crônicas > Fibrose Cística
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Fibrose Cística (FC) é uma doença genética, autossômica recessiva, causada por mutações no gene que codifica a proteína CFTR (Regulador de Condutância Transmembrana da Fibrose Cística). Esta proteína funciona como um canal de íons, principalmente de cloreto, na superfície das células epiteliais.
Fisiopatologia
A disfunção ou ausência da proteína CFTR impede o transporte adequado de cloreto e, consequentemente, de água através das membranas celulares. Isso resulta na produção de secreções exócrinas espessas e viscosas em múltiplos órgãos. Essa característica é a base de toda a morbidade da doença:
Nos Pulmões: O muco espesso obstrui as vias aéreas, dificulta a depuração mucociliar e cria um ambiente propício para a colonização bacteriana crônica e a inflamação neutrofílica persistente. Este ciclo vicioso de obstrução-infecção-inflamação leva ao desenvolvimento de bronquiectasias e à progressiva destruição do parênquima pulmonar.
No Pâncreas: A obstrução dos ductos pancreáticos impede a secreção de enzimas digestivas para o intestino, causando insuficiência pancreática exócrina (IPE) em cerca de 85% dos pacientes. Com o tempo, a destruição das ilhotas de Langerhans pode levar ao Diabetes Relacionado à Fibrose Cística (DRFC).
No Fígado: Obstrução dos ductos biliares pode causar doença hepática.
Nos Intestinos: Pode causar obstrução, como o íleo meconial no recém-nascido.
2. Diagnóstico
O diagnóstico da FC é baseado na combinação de achados clínicos, triagem neonatal e testes confirmatórios.
Triagem Neonatal (Teste do Pezinho): É a principal forma de diagnóstico precoce. A triagem mede os níveis de Tripsinogênio Imunorreativo (TIR) no sangue. Níveis elevados de TIR são um marcador de estresse pancreático e levam à investigação subsequente.
Teste do Suor (Iontoforese por Pilocarpina): É o padrão-ouro para o diagnóstico. O defeito no canal de cloro impede a reabsorção de sal nas glândulas sudoríparas, resultando em suor com altas concentrações de cloreto.
| Cloreto | Interpretação |
|-------------------|---------------------------------------------------------------------------------------------------------------|
| < 30 mmol/L | Normal (FC improvável) |
| 30-59 mmol/L | Intermediário (requer investigação adicional) |
| ≥ 60 mmol/L | Positivo (altamente sugestivo de FC). Um segundo teste positivo é necessário para confirmação. |
Análise Genética (Teste de Mutações do CFTR): A identificação de duas mutações causadoras da doença no gene CFTR confirma o diagnóstico. Atualmente, é também fundamental para determinar a elegibilidade para as terapias moduladoras do CFTR.
3. Manifestações Clínicas
Manifestações Respiratórias:
Tosse crônica, produtiva e persistente.
Infecções respiratórias de repetição (pneumonias, bronquiolites).
Sibilância recorrente.
Colonização crônica por patógenos típicos: Staphylococcus aureus, Haemophilus influenzae, e, mais tardiamente, Pseudomonas aeruginosa e Burkholderia cepacia.
Manifestações Gastrointestinais e Nutricionais:
Íleo Meconial: Obstrução intestinal no recém-nascido, presente em 15-20% dos casos.
Insuficiência Pancreática Exócrina (IPE): Esteatorreia (fezes volumosas, gordurosas e fétidas), má absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K), e dificuldade de ganho de peso apesar de bom apetite.
Prolapso Retal.
Outras Manifestações: Baqueteamento digital, sinusite crônica com polipose nasal, infertilidade masculina (azoospermia obstrutiva).
4. Manejo e Tratamento: A Abordagem Multidisciplinar
O tratamento da FC é complexo e deve ser conduzido por uma equipe multidisciplinar em um centro de referência. Os pilares do tratamento são:
Tratamento Pulmonar:
Fisioterapia Respiratória (Higiene Brônquica): É o alicerce do tratamento, essencial para a desobstrução das vias aéreas. Deve ser realizada diariamente, 2 a 3 vezes ao dia, utilizando técnicas como drenagem postural, percussão, e dispositivos oscilatórios (Flutter®, Acapella®).
Terapias Inalatórias: Realizadas em uma sequência específica para maximizar a eficácia:
1. Broncodilatador (Salbutamol): Para abrir as vias aéreas.
2. Solução Salina Hipertônica (7%): Para hidratar o muco e estimular a tosse.
3. Dornase Alfa (Pulmozyme®): Uma enzima que quebra o DNA dos neutrófilos no muco, diminuindo sua viscosidade.
4. Após a fisioterapia, se indicado, Antibiótico Inalatório.
Manejo das Infecções: Tratamento agressivo das exacerbações pulmonares com antibióticos sistêmicos (geralmente IV) e terapia supressiva crônica com antibióticos inalatórios para pacientes colonizados por P. aeruginosa.
Tratamento Nutricional e Gastrointestinal:
Dieta: Hipercalórica (120-150% das necessidades), hiperproteica e hiperlipídica (sem restrição de gorduras).
Terapia de Reposição de Enzimas Pancreáticas (TREP): Cápsulas de pancrelipase devem ser tomadas no início de todas as refeições e lanches para permitir a digestão e absorção de gorduras.
Suplementação Vitamínica: Doses elevadas de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K).
Suplementação de Sal: Reposição liberal de cloreto de sódio, especialmente no calor ou durante exercícios.
Terapia com Moduladores do CFTR:
Esta é a fronteira do tratamento da FC. São medicamentos que agem diretamente no defeito da proteína CFTR, corrigindo sua função.
O uso é específico para determinadas mutações genéticas. A combinação Elexacaftor/Tezacaftor/Ivacaftor (Trikafta®) é altamente eficaz para pacientes com pelo menos uma cópia da mutação F508del (a mais comum), representando uma mudança de paradigma na história natural da doença.
5. Monitoramento e Seguimento
O acompanhamento é contínuo e proativo, com consultas trimestrais no centro de referência para avaliação nutricional, espirometria, culturas de escarro e ajustes no tratamento.
Referências Bibliográficas
1. Athanazio, R. A., et al. (2017). Diretrizes brasileiras de diagnóstico e tratamento da fibrose cística. Jornal Brasileiro de Pneumologia, 43(3), 219-245. (Principal referência nacional).
2. Castellani, C., Duff, A. J. A., Bell, S. C., et al. (2018). ECFS best practice guidelines: the 2018 revision. Journal of Cystic Fibrosis, 17(2), 153-178. (Diretrizes da Sociedade Europeia de Fibrose Cística).
3. Mogayzel, P. J. Jr., Naureckas, E. T., Robinson, K. A., et al. (2013). Cystic Fibrosis Foundation pulmonary guideline. Chronic medications for maintenance of lung health. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, 187(7), 680-689. (Diretriz da fundação norte-americana, uma das principais referências mundiais).
4. Heijerman, H. G. M., et al. (2019). Efficacy and safety of the elexacaftor plus tezacaftor plus ivacaftor combination regimen in people with cystic fibrosis homozygous for the F508del mutation: a double-blind, randomised, phase 3 trial. The Lancet, 394(10212), 1940-1948. (Um dos estudos pivotais da terapia tripla moduladora).
5. Flume, P. A., et al. (2021). Cystic Fibrosis Foundation Guideline: Treatment of Manifestations of Cystic Fibrosis Pancreatic Insufficiency. Journal of Cystic Fibrosis.
6. Southern, K. W., et al. (2020). Inhaled corticosteroids for cystic fibrosis. Cochrane Database of Systematic Reviews*, (7).
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
O tratamento da FC é contínuo, complexo e multidisciplinar. As prescrições devem ser ajustadas regularmente pela equipe do centro de referência.
A adesão é o maior desafio e determinante do prognóstico. A educação contínua do paciente e da família é essencial.
A prescrição respiratória segue uma sequência lógica para maximizar a eficácia.
2. Prescrição para Terapia Respiratória de Manutenção
Sequência de Terapia Inalatória Diária:
1. Broncodilatação: Salbutamol spray 100 mcg/jato. Prescrever 2 a 4 jatos com espaçador, 15 minutos antes da fisioterapia.
2. Hidratação do Muco: Solução Salina Hipertônica 7%. Prescrever 1 ampola (4 mL) para nebulização, uma a duas vezes ao dia.
3. Mucólise: Dornase Alfa (Pulmozyme®) 2,5 mg. Prescrever 1 ampola para nebulização, uma vez ao dia.
4. Higiene Brônquica: Realizar a fisioterapia respiratória neste momento, após as medicações que preparam a via aérea.
5. Antibiótico Inalatório (se indicado): Administrar após a fisioterapia, com a via aérea limpa.
Terapia Supressiva para Colonização Crônica por Pseudomonas aeruginosa:
Prescrição:
1. Tobramicina solução para inalação 300 mg. Prescrever 1 ampola para nebulização, de 12/12 horas, em ciclos de 28 dias de uso seguidos por 28 dias de pausa.
3. Prescrição para Suporte Nutricional
Terapia de Reposição de Enzimas Pancreáticas (TREP):
Prescrição:
1. Pancrelipase em cápsulas com microesferas gastrorresistentes (ex: Creon®, nas apresentações de 10.000 ou 25.000 UI de lipase).
Dose: A dose é individualizada, com um início de 1.000 a 2.500 UI de lipase por kg de peso por refeição.
Modo de Usar: Administrar as cápsulas imediatamente antes ou no início de todas as refeições e lanches que contenham gordura. As cápsulas podem ser abertas e as microesferas misturadas com alimentos ácidos (como purê de maçã), mas não devem ser mastigadas.
Suplementação Vitamínica:
Prescrição:
1. Prescrever fórmula polivitamínica específica para FC, que já contém altas doses de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K).
2. ou prescrever as vitaminas individualmente:
Vitamina A: 5.000-10.000 UI/dia.
Vitamina D: 800-2.000 UI/dia (monitorar 25(OH)D).
Vitamina E: 100-400 UI/dia.
Vitamina K: 2,5-5 mg, 2 a 3 vezes por semana.
Suplementação de Sal:
Prescrição:
1. Orientar suplementação liberal de Cloreto de Sódio (sal de cozinha) na dieta.
2. Prescrever cápsulas de sal em situações de calor intenso ou exercício físico.
4. Prescrição para Exacerbação Pulmonar (Manejo Hospitalar)
Admissão e Cuidados Gerais:
1. Admitir em unidade com precauções de contato para evitar transmissão de patógenos entre pacientes com FC.
2. Intensificar a fisioterapia respiratória.
3. Manter suporte nutricional agressivo.
Antibioticoterapia Endovenosa (Dupla Cobertura Anti-Pseudomonas):
Prescrição (Exemplo):
1. Ceftazidima 50 mg/kg/dose, IV, de 8 em 8 horas (dose máxima de 6g/dia).
2. Associar: Tobramicina 10 mg/kg/dose, IV, em dose única diária. Prescrever monitoramento de nível sérico (vale < 1 mcg/mL).
Duração: 14 a 21 dias.
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