Aspiração de Corpo Estranho

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Aspiração de Corpo Estranho (ACE) é a inalação acidental de um objeto ou fragmento de alimento para as vias aéreas, resultando em obstrução mecânica. É uma emergência pediátrica comum e a principal causa de morte acidental em crianças menores de 4 anos, com um pico de incidência entre 1 e 3 anos de idade. Fisiopatologia O impacto da ACE depende da localização, do tamanho e da natureza do objeto. Localização: Laringe/Traqueia (Obstrução Alta): São as mai

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Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Aspiração de Corpo Estranho (ACE) é a inalação acidental de um objeto ou fragmento de alimento para as vias aéreas, resultando em obstrução mecânica. É uma emergência pediátrica comum e a principal causa de morte acidental em crianças menores de 4 anos, com um pico de incidência entre 1 e 3 anos de idade. Fisiopatologia O impacto da ACE depende da localização, do tamanho e da natureza do objeto. Localização: Laringe/Traqueia (Obstrução Alta): São as mais perigosas, podendo causar obstrução completa e asfixia imediata. Brônquios (Obstrução Baixa): É a localização mais comum (>80%), principalmente no brônquio principal direito devido à sua anatomia mais verticalizada. Mecanismo de Obstrução: O objeto pode criar um mecanismo de válvula, permitindo a entrada de ar mas dificultando a saída, o que leva à hiperinsuflação pulmonar ou enfisema obstrutivo. Uma obstrução mais completa causa atelectasia (colapso pulmonar) distal à obstrução. Natureza do Objeto: Corpos estranhos orgânicos (amendoim, feijão, milho) desencadeiam uma intensa reação inflamatória local (granuloma), piorando a obstrução com o tempo. 2. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico exige um alto índice de suspeição, pois a história nem sempre é clara. História Clínica: O dado mais importante é a história de um episódio de engasgo, tosse súbita e sufocação presenciado por um cuidador, geralmente enquanto a criança comia ou brincava. No entanto, este evento pode não ser testemunhado em até 30% dos casos. Apresentação Clínica (As Três Fases Clássicas): Fase Inicial (Impacto): Episódio agudo de tosse violenta, engasgo, cianose e dificuldade respiratória no momento da aspiração. Fase Assintomática (Período de Calmaria): Após o impacto inicial, o objeto pode se alojar e os reflexos de tosse diminuem. A criança pode parecer bem por horas, dias ou até semanas. Esta é a fase mais perigosa, pois pode levar a um falso senso de segurança e ao atraso no diagnóstico. Fase de Complicações (Tardia): O paciente apresenta sintomas crônicos ou recorrentes, como tosse persistente, sibilância que não melhora, ou pneumonias de repetição sempre no mesmo local. Exame Físico: Pode ser completamente normal na fase assintomática. Os achados clássicos de uma obstrução brônquica são unilaterais: diminuição do murmúrio vesicular, sibilância localizada e tiragem assimétrica. Na obstrução laríngea/traqueal, o achado é o estridor inspiratório ou bifásico. Diagnóstico por Imagem: Radiografia de Tórax: É o exame inicial. Corpos Estranhos Radiopacos: São visíveis diretamente (<15% dos casos). Corpos Estranhos Radiolucentes (maioria): O diagnóstico é feito por sinais indiretos. Deve-se solicitar radiografias em inspiração e expiração forçada. O achado mais clássico é a hiperinsuflação unilateral na expiração, devido ao aprisionamento de ar (air trapping). Atelectasia e pneumonia obstrutiva são outros sinais. Tomografia Computadorizada de Tórax: Reservada para casos de dúvida ou para localização precisa de objetos periféricos. 3. Manejo e Tratamento O manejo depende do grau de obstrução. Manejo da Obstrução Completa (Asfixia): É uma emergência absoluta que requer manobras de desobstrução imediatas. Lactentes (< 1 ano): Realizar a sequência de 5 golpes nas costas (tapotagem) seguida por 5 compressões torácicas. Crianças (> 1 ano): Realizar as compressões abdominais (Manobra de Heimlich). NUNCA realizar varredura digital às cegas, pelo risco de empurrar o objeto. Manejo da Obstrução Parcial: Se a criança está consciente e consegue tossir ou falar, a obstrução é parcial. Conduta: NÃO interferir. Acalmar a criança, estimular a tosse espontânea e transportá-la imediatamente para um hospital com capacidade para realizar broncoscopia. Tratamento Definitivo: Broncoscopia A Broncoscopia Rígida sob anestesia geral é o padrão-ouro para o diagnóstico e remoção da maioria dos corpos estranhos em crianças. Permite um excelente controle da via aérea e o uso de uma variedade de pinças para a extração segura do objeto. A Broncoscopia Flexível pode ser usada para diagnóstico em casos de dúvida ou para objetos em localizações mais distais. 4. Complicações O diagnóstico e a remoção tardios aumentam significativamente o risco de complicações graves, como pneumonia necrosante, abscesso pulmonar, bronquiectasias e estenose brônquica. 5. Prevenção A prevenção é o pilar mais importante e baseia-se na educação dos pais e cuidadores. Supervisionar crianças pequenas durante as refeições e brincadeiras. Evitar oferecer alimentos de alto risco (amendoim, nozes, pipoca, uvas inteiras, balas duras) para crianças menores de 4 anos. Manter objetos pequenos (brinquedos, moedas, baterias) fora do alcance das crianças. Referências Bibliográficas 1. American Academy of Pediatrics, Committee on Injury, Violence, and Poison Prevention. (2010). Prevention of choking among children. Pediatrics, 125(3), 601-607. (Diretriz fundamental sobre prevenção). 2. Fidkowski, C. W., Zheng, H., & Firth, P. G. (2010). The anesthetic considerations of tracheobronchial foreign bodies in children: a literature review of 12,979 cases. Anesthesia & Analgesia, 111(4), 1016-1025. (Revisão massiva de casos, com foco no manejo anestésico). 3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2018). Aspiração de corpos estranhos. Documento Científico. 4. Hitter, A., Hullo, E., et al. (2017). Foreign body aspiration in children: a narrative review. International Journal of Pediatrics. 5. Salih, A. M., Alfaki, M., & Alam-Elhuda, D. M. (2016). Airway foreign body in children: A descriptive study from Sudan. International Journal of Pediatric Otorhinolaryngology, 81, 9-12. 6. Even, L., Heno, N., et al. (2016). Diagnostic evaluation of foreign body aspiration in children: a prospective study. Israeli Medical Association Journal, 18(1), 39-42. 7. Swanson, K. L. (2020). Airway Foreign Bodies. In Seminars in Respiratory and Critical Care Medicine*. Thieme Medical Publishers.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor A suspeita de ACE é uma indicação para avaliação especializada. Uma história sugestiva com radiografia normal não exclui o diagnóstico. O manejo inicial é ditado pelo grau de obstrução: obstrução completa exige manobras de desobstrução imediatas, enquanto a obstrução parcial exige transporte calmo e rápido para o hospital. A broncoscopia rígida é o procedimento de escolha e deve ser realizada por uma equipe experiente (Pneumologista/Cirurgião Pediátrico + Anestesista). 2. Prescrição para Manejo de Emergência (Obstrução Completa) Esta é uma sequência de ordens verbais e ações imediatas, não uma prescrição escrita. 1. Gritar por ajuda e acionar o time de resposta rápida. 2. Iniciar imediatamente as manobras de desobstrução da via aérea: Para Lactentes (< 1 ano): Iniciar a sequência de 5 golpes nas costas (tapotagem), seguidos por 5 compressões torácicas. Repetir os ciclos. Para Crianças (> 1 ano): Iniciar compressões abdominais (Manobra de Heimlich). 3. Se a criança ficar inconsciente, iniciar a Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP). Antes de cada tentativa de ventilação, inspecionar a orofaringe e remover o corpo estranho apenas se ele estiver claramente visível. 3. Prescrição para Manejo da Obstrução Parcial e Preparo para Broncoscopia 1. Admitir em Sala de Emergência com monitorização contínua. 2. Manter o paciente em posição de conforto, permitindo que ele encontre a melhor posição para respirar. Não forçar o decúbito. 3. *Oferecer Oxigênio umidificado em "sopro" (blow-by), evitando o estresse de fixar uma máscara. 4. Manter em jejum (NPO) absoluto. 5. Obter acesso venoso periférico de forma calma, se possível. 6. Solicitar avaliação da equipe de Endoscopia Respiratória/Cirurgia Pediátrica e Anestesia com urgência. 7. Solicitar Radiografia de Tórax (AP em inspiração e expiração) e Perfil. 4. Prescrição de Medicação Pós-Remoção do Corpo Estranho Corticosteroides para Edema de Via Aérea: Indicação: Para reduzir o edema laríngeo ou traqueal pós-procedimento. Prescrição: 1. Dexametasona 0,6 mg/kg (dose máxima de 10-12 mg), por via endovenosa, administrada em dose única, geralmente ao final do procedimento. Broncodilatadores para Broncoespasmo: Indicação: Se houver sibilância após a remoção do corpo estranho. Prescrição: 1. Salbutamol solução para nebulização 5mg/mL. Prescrever 0,15 mg/kg/dose (máx. 5 mg), diluído em 3-5 mL de Soro Fisiológico 0,9%, para nebulização a cada 4 a 6 horas, conforme necessidade. Antibioticoterapia: Indicação: Se houver sinais de infecção secundária (pneumonia), se o corpo estranho for orgânico (especialmente grãos) ou se a remoção foi tardia (> 24-48h). Prescrição: 1. Amoxicilina + Clavulanato, na dose de 80-90 mg/kg/dia (baseado na amoxicilina), por via oral, dividida de 12/12h, por 7 a 10 dias. 2. ou, se hospitalizado, Ampicilina + Sulbactam, 150 mg/kg/dia, IV, de 6/6h. 5. Prescrição de Alta e Orientações para a Família 1. Manter em observação hospitalar por 12 a 24 horas após o procedimento para vigiar o surgimento de complicações como edema ou sangramento. 2. Orientações de Prevenção (essencial): Explicar sobre os alimentos de alto risco de aspiração (grãos, nozes, pipoca, uvas inteiras, balas duras) e orientar para evitá-los em crianças menores de 4 anos. Reforçar a importância de manter objetos pequenos, peças de brinquedos e baterias fora do alcance. Ensinar a "regra do rolo de papel higiênico": qualquer objeto que passe pelo diâmetro de um rolo de papel higiênico oferece risco de asfixia para uma criança pequena. * Orientar sobre a importância da supervisão constante durante as refeições e brincadeiras. 3. Agendar retorno para reavaliação ambulatorial em 1 a 2 semanas.

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