Otite média aguda (OMA)
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Otite Média Aguda (OMA) é uma infecção aguda do espaço da orelha média, caracterizada pela presença de efusão (líquido) e sinais e sintomas de inflamação aguda. É uma das doenças mais comuns da infância, sendo a principal causa de consulta médica e prescrição de antibióticos em crianças. O pico de incidência ocorre entre 6 e 24 meses de idade.
Fisiopatologia: A OMA é quase sempre uma complicação de uma infecção viral das vias aéreas superiores. O vírus causa infl
Categoria
Doenças Respiratórias > Infecções Respiratórias > Otite média aguda (OMA)
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Otite Média Aguda (OMA) é uma infecção aguda do espaço da orelha média, caracterizada pela presença de efusão (líquido) e sinais e sintomas de inflamação aguda. É uma das doenças mais comuns da infância, sendo a principal causa de consulta médica e prescrição de antibióticos em crianças. O pico de incidência ocorre entre 6 e 24 meses de idade.
Fisiopatologia: A OMA é quase sempre uma complicação de uma infecção viral das vias aéreas superiores. O vírus causa inflamação e edema da mucosa da nasofaringe e da tuba auditiva (o canal que conecta a orelha média à parte de trás do nariz). A disfunção da tuba auditiva leva à pressão negativa e ao acúmulo de secreções na orelha média, criando um meio de cultura ideal para a proliferação de bactérias que colonizam a nasofaringe. A anatomia da tuba auditiva em lactentes (mais curta, larga e horizontal) facilita este processo.
2. Etiologia
A OMA tem uma etiologia mista, com vírus e bactérias desempenhando papéis importantes.
Agentes Virais: Frequentemente iniciam o processo inflamatório. Os mais comuns são Vírus Sincicial Respiratório (VSR), Rinovírus e Influenza.
Agentes Bacterianos: São responsáveis pela superinfecção e pelos sintomas mais intensos. Os três principais patógenos são:
1. Streptococcus pneumoniae (Pneumococo): Principal agente bacteriano (30-50%). A vacinação pneumocócica conjugada reduziu a incidência dos sorotipos vacinais.
2. Haemophilus influenzae (não tipável): Segunda causa mais comum (25-30%). Cerca de 30-40% das cepas são produtoras de beta-lactamase, conferindo resistência à amoxicilina isolada.
3. Moraxella catarrhalis: Terceira causa (10-15%). Quase todas as cepas (>90%) produzem beta-lactamase.
3. Diagnóstico Clínico e Otoscopia
O diagnóstico da OMA é clínico e requer a visualização da membrana timpânica (MT) por otoscopia. A presença de todos os três critérios abaixo é necessária para um diagnóstico de certeza:
1. Início Agudo: História de início rápido de sinais e sintomas (geralmente < 48 horas).
2. Presença de Efusão na Orelha Média: Confirmada por um dos seguintes achados otoscópicos:
Abaulamento da membrana timpânica (sinal mais específico).
Nível hidroaéreo visível atrás da MT.
Otorreia aguda (não causada por otite externa).
Mobilidade da MT diminuída ou ausente na otoscopia pneumática.
3. Sinais de Inflamação Aguda da Orelha Média:
Hiperemia (vermelhidão) acentuada da MT. (Atenção: hiperemia leve isolada, comum durante o choro, não é suficiente para o diagnóstico).
Otalgia (dor de ouvido) significativa, que interfere com o sono ou atividades normais.
4. Manejo e Tratamento
O manejo moderno da OMA visa equilibrar a erradicação da infecção com o uso racional de antibióticos, priorizando sempre o controle da dor.
1. Analgesia (Pilar Fundamental)
O controle da dor é mandatório para todos os pacientes, independentemente da decisão de usar antibióticos. A otalgia é o principal sintoma que causa sofrimento à criança e aos pais.
Analgésicos sistêmicos como Paracetamol ou Ibuprofeno devem ser prescritos de forma regrada nas primeiras 24-48 horas.
2. Antibioticoterapia vs. Observação ("Watchful Waiting")
A decisão de iniciar antibióticos imediatamente ou optar por um período de observação de 48-72 horas é baseada na idade do paciente e na gravidade do quadro.
Antibioticoterapia Imediata é Indicada para:
Todas as crianças < 6 meses de idade.
Crianças de 6 meses a 2 anos com diagnóstico de certeza de OMA (especialmente se bilateral).
Qualquer criança com OMA grave (otalgia moderada a severa, febre ≥ 39°C).
Qualquer criança com otorreia (perfuração da MT).
Crianças com comorbidades (imunodeficiências, anomalias craniofaciais).
Observação (Watchful Waiting) pode ser uma opção para:
Crianças de 6 meses a 2 anos com OMA unilateral, não grave e com diagnóstico incerto.
Crianças > 2 anos com OMA não grave (unilateral ou bilateral).
Condição essencial: A família deve ser confiável e ter acesso fácil a reavaliação médica caso não haja melhora em 48-72 horas.
3. Escolha do Antibiótico
Primeira Linha: Amoxicilina em dose alta (80-90 mg/kg/dia). A dose alta é para superar a resistência do S. pneumoniae.
Segunda Linha (Falha Terapêutica ou Risco de Resistência): Amoxicilina-Clavulanato. Indicado se a criança não melhorar em 48-72h com amoxicilina, ou se usou amoxicilina nos últimos 30 dias.
Alergia à Penicilina: Macrolídeos (Azitromicina) ou Cefalosporinas de 2ª/3ª geração (se a alergia não for do tipo anafilática).
5. Complicações
Embora raras com o tratamento adequado, as complicações podem ser graves.
Intratemporais: Perfuração da membrana timpânica, mastoidite aguda, labirintite.
Intracranianas: Meningite, abscesso cerebral.
6. Prevenção
A prevenção é focada na redução dos fatores de risco.
Imunização: As vacinas pneumocócica conjugada (VPC13) e contra Influenza são as medidas mais eficazes para reduzir a incidência de OMA.
Aleitamento Materno: Oferece proteção imunológica e está associado a uma menor incidência de OMA.
Evitar a exposição ao tabagismo passivo.
Referências Bibliográficas
1. Lieberthal, A. S., Carroll, A. E., Chonmaitree, T., et al. (2013). The diagnosis and management of acute otitis media. Pediatrics, 131(3), e964-e999. (A diretriz clínica da Academia Americana de Pediatria, a referência mais importante e completa sobre o tema).
2. Venekamp, R. P., Sanders, S. L., Glasziou, P. P., et al. (2015). Antibiotics for acute otitis media in children. Cochrane Database of Systematic Reviews, (6). (A revisão sistemática mais robusta sobre a eficácia dos antibióticos).
3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2019). Otite Média Aguda: Diagnóstico e Tratamento. Documento Científico.
4. Tähtinen, P. A., Laine, M. K., Huovinen, P., et al. (2011). A placebo-controlled trial of antimicrobial treatment for acute otitis media. The New England Journal of Medicine, 364(2), 116-126. (Estudo finlandês importante que ajudou a refinar as indicações de antibioticoterapia).
5. Shaikh, N., Hoberman, A., & Paradise, J. L. (2021). Acute Otitis Media in Children. The New England Journal of Medicine, 385(3), 250-260. (Excelente artigo de revisão recente).
6. Rosenfeld, R. M., et al. (2016). Clinical Practice Guideline: Otitis Media with Effusion (Update). Otolaryngology–Head and Neck Surgery, 154(1_suppl), S1-S41. (Embora foque na otite com efusão, traz conceitos fundamentais sobre a fisiopatologia da orelha média).
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
O diagnóstico de OMA é otoscópico. A presença de abaulamento da membrana timpânica é o sinal mais confiável.
Controle da dor é mandatório para todos os pacientes, independentemente do uso de antibióticos.
A decisão de prescrever antibióticos imediatamente ou observar por 48-72h é baseada na idade e na gravidade dos sintomas.
A Amoxicilina em dose alta (80-90 mg/kg/dia) é a primeira linha de tratamento antibiótico.
2. Prescrição para Analgesia (Tratamento para Todos)
Prescrição:
1. Ibuprofeno suspensão oral 100mg/mL. Prescrever na dose de 10 mg/kg/dose, por via oral, a cada 6 a 8 horas, de forma regrada nas primeiras 24-48 horas. (Não usar em menores de 6 meses).
2. ou Paracetamol solução oral 200mg/mL. Prescrever na dose de 15 mg/kg/dose, por via oral, a cada 6 horas.
Orientação: A analgesia deve ser mantida de forma regular, e não apenas se a criança chorar de dor.
3. Prescrição de Antibioticoterapia (Quando Indicada)
Primeira Linha:
Prescrição:
1. Amoxicilina suspensão 400mg/5mL ou 500mg/5mL.
2. Dose: Prescrever na dose de 80 a 90 mg/kg/dia, por via oral, dividida em 2 tomadas (de 12/12h).
3. Duração:
< 2 anos ou OMA grave: 10 dias.
≥ 2 anos com OMA leve/moderada: 5 a 7 dias.
Falha Terapêutica (Sem melhora em 48-72h) ou Risco de Resistência:
Prescrição:
1. Amoxicilina + Clavulanato suspensão 400mg+57mg/5mL.
2. Dose: Prescrever na dose de 90 mg/kg/dia (baseado no componente amoxicilina), por via oral, dividida em 2 tomadas (de 12/12h).
3. Duração: 10 dias.
Observação: Escolher a formulação com maior proporção de amoxicilina para clavulanato (ex: 14:1) para minimizar a diarreia.
Alergia à Penicilina (Não-anafilática):
Prescrição:
1. Cefdinir ou Cefuroxima são opções.
2. ou Azitromicina suspensão 200mg/5mL. Prescrever na dose de 10 mg/kg no 1º dia, seguido de 5 mg/kg/dia do 2º ao 5º dia, em dose única diária.
4. Orientações para a Família e Sinais de Alerta
Prescrição de Orientações:
1. Administrar a analgesia (Ibuprofeno/Paracetamol) de forma regular nas primeiras 48 horas para controlar a dor.
2. Se o antibiótico foi prescrito, administrá-lo por todo o período, mesmo que a criança melhore antes.
3. Sinais de Alerta para Retorno Imediato:
Ausência de melhora da dor ou da febre após 48-72 horas de antibiótico.
Surgimento de vermelhidão ou inchaço atrás da orelha.
Vômitos persistentes, prostração intensa ou irritabilidade extrema.
Surgimento de rigidez na nuca ou outros sinais neurológicos.
4. Agendar retorno para reavaliação se não houver melhora em 48-72 horas ou ao final do tratamento, conforme orientação médica.
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