Epiglotite
Resumo
1. Definição e Contexto Clínico
A Epiglotite Aguda é uma celulite bacteriana rapidamente progressiva que afeta a epiglote e as estruturas supraglóticas adjacentes (aritenoides, pregas ariepiglóticas). A inflamação e o edema resultantes podem levar à obstrução completa da via aérea, constituindo uma das emergências mais críticas em pediatria.
O cenário epidemiológico mudou drasticamente com a vacinação.
Era Pré-Vacina: Era uma doença relativamente comum, causada quase exclusivamente pelo *Hae
Categoria
Doenças Respiratórias > Síndromes Respiratórias Agudas > Epiglotite
Conduta Completa
1. Definição e Contexto Clínico
A Epiglotite Aguda é uma celulite bacteriana rapidamente progressiva que afeta a epiglote e as estruturas supraglóticas adjacentes (aritenoides, pregas ariepiglóticas). A inflamação e o edema resultantes podem levar à obstrução completa da via aérea, constituindo uma das emergências mais críticas em pediatria.
O cenário epidemiológico mudou drasticamente com a vacinação.
Era Pré-Vacina: Era uma doença relativamente comum, causada quase exclusivamente pelo *Haemophilus influenzae tipo b (Hib)*, com pico de incidência em crianças de 2 a 6 anos.
Era Pós-Vacina: A incidência em crianças vacinadas tornou-se rara. No entanto, a epiglotite não desapareceu. Hoje, é causada por outros agentes (Streptococcus pyogenes, S. pneumoniae, S. aureus) e pode ocorrer em crianças não vacinadas, com falha vacinal ou em adultos. A gravidade e a necessidade de manejo de emergência permanecem as mesmas.
2. Avaliação Clínica e Diagnóstico
O diagnóstico é clínico e baseado em um alto índice de suspeição. A apresentação é clássica e dramática.
Apresentação Clássica (Os "4 Ds")
A evolução é súbita e rápida (questão de horas). A criança, previamente hígida, desenvolve:
1. Disfagia: Dor intensa para engolir, que leva à recusa total de líquidos e alimentos.
2. Disfonia: Voz abafada, como se a criança estivesse falando com uma "batata quente na boca", diferente da rouquidão do crupe.
3. Drooling (Sialorreia): A criança não consegue engolir a própria saliva e baba constantemente.
4. Distress (Desconforto Respiratório): A criança assume a posição de tripé (sentada, inclinada para frente, com o pescoço estendido e a boca aberta) para maximizar a passagem de ar.
A febre é tipicamente alta e o estado geral é tóxico e ansioso. A tosse não é um sintoma proeminente, ao contrário do crupe.
A Regra do "NÃO FAÇA": Como Evitar uma Catástrofe
A manipulação da orofaringe ou qualquer manobra que cause agitação pode desencadear um laringoespasmo fatal. Portanto, na suspeita de epiglotite:
NÃO tente visualizar a garganta com um abaixador de língua.
NÃO force a criança a deitar. Permita que ela permaneça na posição de conforto (geralmente sentada no colo dos pais).
NÃO realize procedimentos que causem estresse (punção venosa, coleta de exames) antes que a via aérea esteja segura.
NÃO transporte a criança para exames de imagem (como radiografia) sem o acompanhamento de um médico experiente em manejo de via aérea.
Diagnóstico Definitivo
A confirmação diagnóstica é feita pela visualização direta da epiglote edemaciada, com coloração vermelho-cereja, através da laringoscopia.
Importante: Este procedimento só deve ser realizado em um ambiente controlado, como o centro cirúrgico, com material e equipe prontos para uma via aérea cirúrgica de emergência. A visualização ocorre, na prática, durante o processo de intubação.
A radiografia lateral do pescoço (mostrando o "sinal do polegar") é um achado clássico, mas sua realização é arriscada e não deve atrasar o manejo da via aérea.
3. Manejo e Tratamento
O manejo da epiglotite é um algoritmo de via aérea.
Passo 1: Reconhecimento e Acionamento da Equipe
Ao suspeitar de epiglotite, mantenha a calma e evite agitar a criança.
Acione imediatamente a equipe de via aérea avançada: Anestesiologista e Otorrinolaringologista/Cirurgião Pediátrico.
Passo 2: Estabilização e Transporte Seguro
Permita que a criança permaneça na posição de conforto.
Ofereça oxigênio umidificado em "sopro" (blow-by), sem forçar a máscara.
Transporte a criança para o centro cirúrgico acompanhada pela equipe experiente.
Passo 3: Manejo Definitivo da Via Aérea
O procedimento de escolha é a intubação orotraqueal sob anestesia inalatória, mantendo a ventilação espontânea do paciente. Isso permite uma abordagem calma e controlada.
Um tubo endotraqueal de diâmetro 0,5 a 1,0 mm menor que o previsto para a idade deve estar preparado, devido ao edema.
Material para uma via aérea cirúrgica de emergência (cricotireoidostomia ou traqueostomia) deve estar imediatamente disponível na sala.
Passo 4: Terapia Antimicrobiana e de Suporte (APÓS via aérea segura)
Antibioticoterapia: Deve ser iniciada imediatamente após a intubação. O esquema empírico deve cobrir os patógenos mais prováveis da era pós-vacinal.
Primeira Escolha: Uma cefalosporina de terceira geração, como a Ceftriaxona.
Cobertura para S. aureus (MRSA): Se houver fatores de risco ou falha terapêutica, associar Vancomicina ou Clindamicina.
Corticosteroides: O uso de Dexametasona pode ajudar a reduzir o edema e facilitar a extubação, embora seu benefício não seja tão bem estabelecido quanto no crupe.
4. Evolução, Complicações e Prognóstico
Com o manejo adequado e precoce da via aérea, a resposta ao tratamento é geralmente rápida.
Evolução: A melhora do edema epiglótico ocorre em 24-48 horas, permitindo a extubação em 2 a 3 dias. O tratamento antibiótico é mantido por 7 a 10 dias.
Complicações: As complicações mais temidas derivam da obstrução da via aérea (parada respiratória, lesão cerebral hipóxico-isquêmica) ou da disseminação da infecção (pneumonia, sepse, meningite).
Prognóstico: Com o diagnóstico e tratamento imediatos, a mortalidade é inferior a 1% e a recuperação é geralmente completa, sem sequelas.
5. Prevenção
A principal medida preventiva é a *vacinação contra o Haemophilus influenzae tipo b (Hib), que faz parte do calendário vacinal de rotina e praticamente eliminou a principal causa histórica da doença. A quimioprofilaxia com Rifampicina para contatos domiciliares próximos é indicada se o agente causal for confirmado como Hib.
Referências Bibliográficas
1. Shah, R. K., et al. (2017). Epiglottitis in the Hemophilus influenzae Type B Vaccine Era: A 13-Year Review. Archives of Otolaryngology–Head & Neck Surgery, 143(7), 712-718.
2. Guldfred, L. A., et al. (2019). Acute epiglottitis: a systematic review of the literature. European Archives of Oto-Rhino-Laryngology, 276(8), 2133-2140.
3. American Academy of Pediatrics. Haemophilus influenzae Infections. In: Red Book: 2021–2024 Report of the Committee on Infectious Diseases. 32nd ed.
4. Glynn, F., & Fenton, J. E. (2008). Diagnosis and management of supraglottitis (epiglottitis). Current Infectious Disease Reports, 10(3), 200-204.
5. Carey, M. J. (2010). Epiglottitis in adults: a growing problem. Anaesthesia, 65(8), 802-802.
6. John, S. D., & Swischuk, L. E. (2002). Stridor and upper airway obstruction in infants and children. Radiographics, 22*(1), 183-198. (Excelente para o diagnóstico diferencial por imagem).
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
Epiglotite é uma emergência de via aérea. A prioridade absoluta é garantir a ventilação do paciente.
NÃO MANIPULE A OROFARINGE. Qualquer estímulo pode levar à obstrução completa.
A conduta é protocolar: manter a calma, acionar a equipe de via aérea avançada (Anestesia e ORL/Cirurgia) e preparar para intubação em centro cirúrgico.
O tratamento definitivo (antibióticos) só se inicia após a estabilização da via aérea.
2. Prescrição de Ação Imediata na Sala de Emergência
1. Manter paciente em posição de conforto (sentado, no colo dos pais). NÃO forçar o decúbito.
2. Manter em jejum (NPO) absoluto.
3. *Administrar Oxigênio umidificado em "sopro" (blow-by), direcionado para o rosto da criança, sem encostar ou forçar a máscara.
4. Acionar Anestesista e Otorrinolaringologista/Cirurgião Pediátrico IMEDIATAMENTE para avaliação e manejo conjunto.
5. Preparar material para transporte seguro ao centro cirúrgico, incluindo monitor portátil, oxigênio e material de reanimação.
6. NÃO tentar acesso venoso ou realizar qualquer procedimento doloroso até a chegada da equipe de anestesia, a menos que haja parada cardiorrespiratória.
3. Prescrição para Manejo da Via Aérea (no Centro Cirúrgico)
Indução Anestésica:
1. Realizar indução anestésica inalatória com Sevoflurano, mantendo a ventilação espontânea do paciente.
Intubação Orotraqueal:
1. Realizada pelo profissional mais experiente presente (geralmente o anestesista).
2. Utilizar tubo orotraqueal com diâmetro 0,5 a 1,0 mm menor que o previsto para a idade.
3. Após a intubação, fixar o tubo de forma segura e iniciar a ventilação mecânica.
4. Prescrição Pós-Estabilização (na UTI Pediátrica)
Admissão e Cuidados Gerais:
1. Admitir em leito de UTI Pediátrica.
2. Manter em ventilação mecânica protetora.
3. Instalar monitorização invasiva da pressão arterial, se instabilidade hemodinâmica.
Antibioticoterapia Endovenosa (Iniciar Imediatamente):
Primeira Escolha:
1. Ceftriaxona 100 mg/kg/dia, IV, dividida de 12/12h (dose máxima de 4g/dia).
Se suspeita/risco de S. aureus (MRSA):
1. Associar Vancomicina 60 mg/kg/dia, IV, dividida de 6/6h. Prescrever monitoramento de nível sérico (vale alvo: 10-15 mcg/mL).
Duração Total: 7 a 10 dias.
Corticosteroides:
Dexametasona 0,6 mg/kg/dose (máx. 10 mg), IV, a cada 12 horas, nas primeiras 24 horas para auxiliar na redução do edema.
Sedoanalgesia:
1. Iniciar infusão contínua de Midazolam (0,1-0,2 mg/kg/h) e Fentanil (1-2 mcg/kg/h) para conforto e segurança do paciente intubado.
5. Prescrição para Profilaxia de Contatos
Indicação: Se o agente causal for confirmado como Haemophilus influenzae tipo b e houver contatos domiciliares vulneráveis (crianças < 4 anos não vacinadas ou imunocomprometidos).
Prescrição:
1. Rifampicina suspensão oral. Prescrever na dose de 20 mg/kg/dia (dose máxima de 600 mg/dia), por via oral, uma vez ao dia, por 4 dias, para todos os contactantes do domicílio.
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