Laringotraqueíte Viral (Crupe)
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Laringotraqueíte Viral , ou Crupe, é uma síndrome clínica de início agudo, caracterizada pela inflamação da laringe e da traqueia, que resulta em obstrução das vias aéreas superiores. É a causa mais comum de estridor em crianças febris, com pico de incidência entre 6 meses e 3 anos de idade.
A apresentação clínica é marcada pela tríade clássica:
Tosse "metálica" ou "de cachorro": Uma tosse seca, rouca e de som característico.
Estridor Inspiratório: Um som a
Categoria
Doenças Respiratórias > Síndromes Respiratórias Agudas > Laringotraqueíte Viral (Crupe)
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Laringotraqueíte Viral , ou Crupe, é uma síndrome clínica de início agudo, caracterizada pela inflamação da laringe e da traqueia, que resulta em obstrução das vias aéreas superiores. É a causa mais comum de estridor em crianças febris, com pico de incidência entre 6 meses e 3 anos de idade.
A apresentação clínica é marcada pela tríade clássica:
Tosse "metálica" ou "de cachorro": Uma tosse seca, rouca e de som característico.
Estridor Inspiratório: Um som agudo e de alta frequência durante a inspiração, causado pela passagem turbulenta de ar por uma via aérea estreitada.
Rouquidão: Alteração na qualidade da voz devido ao edema das cordas vocais.
Fisiopatologia: A infecção viral causa inflamação e edema significativos na região subglótica, que é a parte mais estreita da via aérea de uma criança. A Lei de Poiseuille dita que uma pequena redução no raio da via aérea causa um aumento exponencial na resistência ao fluxo de ar, o que explica a rápida instalação do desconforto respiratório.
2. Etiologia e Fatores de Risco
A etiologia é predominantemente viral.
Agentes Principais:
Vírus Parainfluenza (tipos 1, 2 e 3): É o agente mais comum, responsável por cerca de 75% dos casos, com picos sazonais no outono e inverno.
Outros: Vírus Sincicial Respiratório (VSR), Influenza A e B, Adenovírus e Metapneumovírus humano.
Laringotraqueíte Bacteriana (Crupe Bacteriano): É uma complicação rara, mas grave, geralmente uma superinfecção por Staphylococcus aureus, que se apresenta com febre alta, toxemia e secreção purulenta.
3. Avaliação Clínica e Diagnóstico
O diagnóstico do crupe é eminentemente clínico. Exames complementares são raramente necessários.
História Clínica: O quadro tipicamente se inicia com um pródromo de 1 a 3 dias de sintomas de vias aéreas superiores (coriza, febre baixa), seguido pelo aparecimento súbito, geralmente à noite, da tosse metálica e do estridor.
Exame Físico e Avaliação da Gravidade: A avaliação deve ser feita com a criança o mais calma possível, no colo dos pais. A prioridade é avaliar a gravidade da obstrução da via aérea.
O Escore de Westley
O Escore de Westley é a ferramenta mais utilizada e validada para objetivar a gravidade:
Estridor: (0) Ausente; (1) Com agitação; (2) Em repouso.
Tiragem: (0) Ausente; (1) Leve; (2) Moderada; (3) Grave.
Entrada de Ar: (0) Normal; (1) Diminuída; (2) Muito diminuída.
Cianose: (0) Ausente; (4) Com agitação; (5) Em repouso.
Nível de Consciência: (0) Normal; (5) Alterado.
Interpretação da Pontuação:
Crupe Leve (≤ 2 pontos): Estridor apenas com agitação, sem tiragem em repouso.
Crupe Moderado (3 a 7 pontos): Estridor audível em repouso, com tiragem visível e pouco ou nenhum sinal de agitação.
Crupe Grave (≥ 8 pontos): Estridor significativo, tiragem acentuada, agitação ou letargia. Requer intervenção imediata e agressiva.
Diagnóstico Diferencial: É crucial diferenciar o crupe viral de outras causas de obstrução de via aérea superior, como epiglotite (início súbito, febre alta, toxemia, disfagia intensa, posição de tripé), aspiração de corpo estranho (início súbito, sem pródromo viral) e abscesso retrofaríngeo.
Exames Complementares:
Radiografia Cervical: Não é recomendada de rotina. Deve ser solicitada apenas em casos de dúvida diagnóstica. O achado clássico é o estreitamento subglótico, conhecido como "sinal da torre" ou "ponta de lápis".
Oximetria de Pulso: Ferramenta essencial para monitorar a oxigenação.
4. Manejo e Tratamento
O tratamento é escalonado conforme a gravidade, avaliada pelo Escore de Westley.
Medidas Gerais (para todos os graus):
Manter a criança calma e confortável, preferencialmente no colo dos pais. O choro e a agitação pioram a obstrução.
Umidificação do ar (vapor frio) pode proporcionar algum conforto, embora as evidências de sua eficácia sejam limitadas.
Antitérmicos para febre.
Crupe Leve (Escore ≤ 2):
Tratamento de Escolha: Dexametasona, em dose única, por via oral.
Conduta: Após a medicação, a criança pode ser observada por um período e, se estável, receber alta para casa com orientações claras aos pais sobre os sinais de piora.
Crupe Moderado a Grave (Escore ≥ 3):
Tratamento de Escolha: Dexametasona (IM ou IV) + Nebulização com Epinefrina (Adrenalina).
Epinefrina Nebulizada: Causa vasoconstrição na mucosa subglótica, aliviando o edema rapidamente. Seu efeito é rápido (início em 10-30 minutos), mas transitório (dura cerca de 2 horas).
Observação Obrigatória: Devido ao risco de efeito rebote (retorno dos sintomas após o efeito da adrenalina passar), todo paciente que recebe nebulização com epinefrina deve ser mantido em observação hospitalar por um período mínimo de 3 a 4 horas.
Oxigenoterapia: Indicada para manter a SatO₂ ≥ 94%.
Falência Respiratória Iminente:
Sinais como cianose, rebaixamento do nível de consciência e esforço respiratório exaustivo indicam a necessidade de uma via aérea avançada.
A intubação orotraqueal deve ser realizada por um profissional experiente, utilizando um tubo de diâmetro 0,5 a 1,0 mm menor que o previsto para a idade.
5. Prognóstico e Seguimento
O crupe viral é uma doença autolimitada, com excelente prognóstico na grande maioria dos casos. Os sintomas geralmente atingem o pico em 2 a 3 dias e se resolvem em até uma semana. A necessidade de intubação é rara (<1% dos casos hospitalizados). Crianças com crupe recorrente devem ser investigadas para outras causas de estridor.
Referências Bibliográficas
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Cherry, J. D. (2008). Croup (laryngitis, laryngotracheitis, spasmodic croup, laryngotracheobronchitis, bacterial tracheitis, and laryngotracheobronchopneumonitis). In Feigin and Cherry's Textbook of Pediatric Infectious Diseases (6th ed.).
Zoorob, R., Sidani, M., & Murray, J. (2011). Croup: an overview. American Family Physician, 83(9), 1067-1073.
Tejedor, J. C., et al. (2021). Consensus statement for the management of croup in the Emergency Department. Emergencias, 33*(6), 473-483. (Consenso recente sobre o manejo na emergência).
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
O manejo do crupe é escalonado pela gravidade, avaliada pelo Escore de Westley.
A Dexametasona é o pilar do tratamento para todos os graus de crupe.
A Epinefrina (Adrenalina) nebulizada é reservada para crupe moderado a grave (estridor em repouso).
Manter a criança calma é uma intervenção terapêutica. Evite procedimentos desnecessários que causem agitação.
2. Avaliação da Gravidade: Escore de Westley
Prescrição
Avaliar e registrar o Escore de Westley na admissão e reavaliar continuamente.
Pontuação
Estridor: Ausente (0), Com agitação (1), Em repouso (2).
Tiragem: Ausente (0), Leve (1), Moderada (2), Grave (3).
Entrada de Ar: Normal (0), Diminuída (1), Muito diminuída (2).
Cianose: Ausente (0), Presente (5).
Nível de Consciência: Normal (0), Alterado (5).
Classificação
Leve (≤2)
Moderado (3-7)
Grave (≥8)
3. Prescrição para Crupe Leve (Escore ≤ 2) - Tratamento Ambulatorial
Dexametasona elixir 0,1mg/mL ou comprimido 4mg.
Dose: Prescrever na dose de 0,6 mg/kg, por via oral, em dose única (dose máxima de 10 mg).
Orientações para a Família
Manter o ambiente úmido (vaporizador de ar frio ou vapor do chuveiro).
Oferecer líquidos frios para conforto.
Manter a criança calma e em posição confortável.
Sinais de Alerta para Retorno Imediato: Piora da dificuldade para respirar, surgimento de estridor em repouso, lábios azulados ou agitação intensa/sonolência.
4. Prescrição para Crupe Moderado (Escore 3-7) - Tratamento Hospitalar
Admitir em Unidade de Observação/Enfermaria.
Manter em ambiente calmo, com os pais presentes.
Dexametasona 4mg/mL, solução injetável.
Dose: Prescrever na dose de 0,6 mg/kg, por via Intramuscular (IM) ou Endovenosa (IV), em dose única (dose máxima de 10 mg).
Epinefrina (Adrenalina) 1mg/mL (1:1000), solução para nebulização.
Dose: Prescrever 0,5 mL/kg (dose máxima de 5 mL), sem diluir, para nebulização com O₂ a 5 L/min.
Oxigenoterapia via cateter nasal, se necessário, para manter SatO₂ ≥ 94%.
Observação Hospitalar Obrigatória por no mínimo 4 horas após a última nebulização com epinefrina, devido ao risco de efeito rebote.
5. Prescrição para Crupe Grave (Escore ≥ 8) - Tratamento em UTI Pediátrica
Admitir em UTI Pediátrica ou Sala de Emergência.
Monitorização cardiorrespiratória contínua.
Dexametasona 0,6 mg/kg, IV, em dose única (máx. 10 mg).
Pode ser repetida em 6-12h se necessário, a critério médico.
Epinefrina (Adrenalina) 1mg/mL (1:1000), solução para nebulização.
Dose: Prescrever 0,5 mL/kg (máx. 5 mL), para nebulização a cada 1-2 horas, conforme a resposta clínica.
Oxigênio umidificado para manter SatO₂ ≥ 94%.
Preparar material para via aérea avançada (intubação). Chamar equipe experiente (anestesista/intensivista).
6. Medicações NÃO Recomendadas de Rotina
NÃO PRESCREVER Antibióticos: A etiologia é viral.
NÃO PRESCREVER Broncodilatadores (Salbutamol): O problema é edema subglótico, não broncoespasmo.
NÃO PRESCREVER Sedativos: Podem deprimir a respiração e mascarar a piora clínica.
NÃO PRESCREVER Antitussígenos ou Expectorantes: Ineficazes e potencialmente prejudiciais.
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