Síndrome Nefrótica

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Síndrome Nefrótica (SN) é uma glomerulopatia caracterizada por um aumento maciço da permeabilidade da barreira de filtração glomerular às proteínas. É definida pela tríade clássica: Proteinúria em faixa nefrótica (> 40 mg/m²/hora ou Relação Proteína/Creatinina urinária > 2,0 mg/mg). Hipoalbuminemia (< 2,5 g/dL). Edema generalizado. Frequentemente, é acompanhada por hiperlipidemia. Fisiopatologia A lesão primária ocorre nos podócitos, as células que forma

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Nefrologia e Urologia > Glomerulopatias > Síndrome Nefrótica

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Síndrome Nefrótica (SN) é uma glomerulopatia caracterizada por um aumento maciço da permeabilidade da barreira de filtração glomerular às proteínas. É definida pela tríade clássica: Proteinúria em faixa nefrótica (> 40 mg/m²/hora ou Relação Proteína/Creatinina urinária > 2,0 mg/mg). Hipoalbuminemia (< 2,5 g/dL). Edema generalizado. Frequentemente, é acompanhada por hiperlipidemia. Fisiopatologia A lesão primária ocorre nos podócitos, as células que formam a camada externa da barreira de filtração glomerular. A disfunção podocitária leva ao apagamento de seus prolongamentos (pedicelos) e à perda da seletividade da barreira, resultando em proteinúria maciça. A perda de albumina para a urina causa hipoalbuminemia, o que diminui a pressão oncótica do plasma e favorece o extravasamento de fluido para o espaço intersticial, gerando o edema. A hipoalbuminemia também estimula o fígado a produzir mais lipoproteínas, causando a hiperlipidemia. 2. Classificação Etiológica Síndrome Nefrótica Primária ou Idiopática (>90% dos casos em crianças): Doença de Lesões Mínimas (DLM): É a causa mais comum (cerca de 85% dos casos). O nome deriva do fato de que, à microscopia óptica, os glomérulos parecem normais. O diagnóstico é presuntivo e a característica principal é a excelente resposta aos corticosteroides. Glomeruloesclerose Segmentar e Focal (GESF): Segunda causa mais comum (~10%). Caracteriza-se por áreas de esclerose (cicatrização) em alguns glomérulos. Apresenta pior prognóstico e frequentemente é resistente aos corticoides. Glomerulonefrite Membranoproliferativa (GNMP): Rara. Síndrome Nefrótica Secundária (<10%): Associada a outras doenças, como Lúpus Eritematoso Sistêmico, Púrpura de Henoch-Schönlein, hepatites virais ou infecção por HIV. 3. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico é baseado na confirmação da tríade laboratorial em um paciente com quadro clínico sugestivo. Manifestações Clínicas: O sintoma de apresentação é o edema, que se inicia de forma insidiosa, tipicamente periorbital e matutino, e progride para os membros inferiores, genitália e anasarca (edema generalizado), com ascite e derrame pleural. A criança pode apresentar fadiga, irritabilidade e dor abdominal. A urina pode ter aspecto espumoso devido à proteinúria. Diagnóstico Laboratorial: Urina Tipo I (EAS) e Relação Proteína/Creatinina em amostra isolada de urina: Confirma a proteinúria em faixa nefrótica. Bioquímica Sérica: Confirma a hipoalbuminemia (<2,5 g/dL) e a hiperlipidemia (colesterol e triglicerídeos elevados). Função Renal (Ureia e Creatinina): Geralmente normal na Doença de Lesões Mínimas. Complemento Sérico (C3 e C4): Níveis normais são esperados na SN idiopática (DLM e GESF). Níveis baixos sugerem uma causa secundária (ex: Lúpus) ou GNMP. Biópsia Renal: Não é indicada inicialmente na maioria das crianças (2 a 8 anos) com quadro típico de SN idiopática, pois presume-se o diagnóstico de DLM. As principais indicações para biópsia são: Idade de apresentação atípica (< 1 ano ou > 12 anos). Hipertensão arterial significativa, hematúria macroscópica ou insuficiência renal. Hipocomplementemia. Resistência ao tratamento inicial com corticosteroides. 4. Manejo e Tratamento O tratamento visa induzir a remissão da proteinúria, manejar o edema e prevenir complicações. Terapia com Corticosteroides: É a primeira linha de tratamento para a SN idiopática. O objetivo é induzir a remissão (proteinúria negativa ou traços por 3 dias consecutivos). O esquema padrão envolve uma fase de indução com doses diárias de Prednisona/Prednisolona, seguida por uma fase de manutenção com doses em dias alternados e desmame lento. A resposta ao corticoide é o principal fator prognóstico e classifica a doença: Corticossensível (80-90%): Responde ao tratamento inicial. Corticorresistente (10-20%): Não atinge a remissão após 8 semanas de corticoide em dose plena. Requer biópsia renal e uso de imunossupressores de segunda linha. Recidivante Frequente / Corticodependente: Pacientes que respondem, mas apresentam recidivas frequentes ou que só mantêm a remissão com o uso contínuo de corticoide. Também são candidatos a terapias poupadoras de corticoide. Manejo do Edema: Restrição de Sódio: É a medida mais importante. Diuréticos (Furosemida): Usados com muita cautela, pois crianças com SN estão em risco de hipovolemia intravascular, e o uso de diuréticos pode precipitar trombose ou insuficiência renal aguda. São indicados para edemas graves com desconforto respiratório ou anasarca. Infusão de Albumina: Reservada para pacientes hospitalizados com hipovolemia sintomática (choque) ou edema refratário grave. Prevenção de Complicações: Infecções: Pacientes com SN são funcionalmente imunocomprometidos. A Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE) por bactérias encapsuladas (S. pneumoniae) é uma complicação grave. A vacinação (antipneumocócica) é fundamental. Tromboembolismo: O estado de hipercoagulabilidade aumenta o risco de trombose. A profilaxia não é rotineira, mas deve ser considerada em pacientes de alto risco. Referências Bibliográficas Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO). (2021). KDIGO 2021 Clinical Practice Guideline for the Management of Glomerular Diseases. Kidney International, 100(4S), S1–S276. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2019). Síndrome Nefrótica na Infância. Documento Científico. Downie, M. L., Gallibois, C., Parekh, R. S., & Noone, D. G. (2017). Nephrotic syndrome in children: from bench to bedside. Pediatric Nephrology, 32(9), 1589–1603. Lombel, R. M., Gipson, D. S., & Hodson, E. M. (2013). Treatment of steroid-sensitive nephrotic syndrome: new guidelines from KDIGO. Pediatric Nephrology, 28(3), 415–426. Trautmann, A., et al. (2020). The PodoNet Registry: a global database for children with steroid-resistant nephrotic syndrome. Kidney International Reports, 5(10), 1693-1703. Gipson, D. S., et al. (2009). A randomized trial of immunosuppressive therapy for steroid-resistant focal segmental glomerulosclerosis. Clinical Journal of the American Society of Nephrology, 4*(12), 1920-1928.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor O diagnóstico de Síndrome Nefrótica idiopática em uma criança na faixa etária típica (2-8 anos) é uma indicação para iniciar o tratamento com corticosteroides, que pode ser conduzido ambulatorialmente na maioria dos casos. A prescrição deve incluir o esquema de corticoterapia, orientações dietéticas e de monitoramento domiciliar. A educação da família sobre a doença, o tratamento e os sinais de alerta é fundamental para o sucesso terapêutico. 2. Prescrição para o Primeiro Episódio de Síndrome Nefrótica Terapia com Corticosteroide (Esquema Padrão): Prescrição: 1. Prednisolona ou Prednisona suspensão oral ou comprimidos. 2. Fase de Indução: Prescrever na dose de 2 mg/kg/dia (ou 60 mg/m²/dia), por via oral, em dose única pela manhã (dose máxima de 60 mg/dia). Manter por 4 a 6 semanas. 3. Fase de Manutenção/Desmame: Após a indução, passar para 1,5 mg/kg/dose (ou 40 mg/m²/dose), por via oral, em dias alternados, pela manhã. Manter por 4 a 6 semanas, com desmame gradual subsequente. Medidas de Suporte e Orientações: 1. Prescrever Dieta Hipossódica Estrita (sem sal de adição, evitar alimentos industrializados) enquanto houver edema. 2. Orientar o monitoramento domiciliar diário da proteinúria com fita urinária, antes da primeira urina da manhã, e registrar em um diário. 3. Prescrever suplementação durante o uso do corticoide: Carbonato de Cálcio 500 mg/dia. Vitamina D 400 a 800 UI/dia. 4. Fornecer Calendário Vacinal atualizado, com atenção especial à aplicação das vacinas pneumocócicas (VPC13 e VPP23). Orientar que vacinas de vírus vivos são contraindicadas durante o uso de doses imunossupressoras de corticoide. 3. Prescrição para o Manejo do Edema Grave (Manejo Hospitalar) Indicação: Anasarca com desconforto respiratório, edema genital severo ou ascite tensa. Prescrição: 1. Admitir em leito de enfermaria. 2. Manter em repouso com decúbito elevado. 3. Manter Dieta Hipossódica Estrita e Restrição Hídrica moderada. 4. Infusão de Albumina Humana 20%: Indicação: Apenas se houver sinais de hipovolemia intravascular (taquicardia, má perfusão) ou edema refratário grave. Dose: Prescrever na dose de 0,5 a 1 g/kg, por via endovenosa, para infundir lentamente em 2 a 4 horas. 5. Diurético de Alça: Furosemida 1 mg/kg/dose, por via endovenosa, administrada durante ou ao final da infusão de albumina. 4. Prescrição para Terapia de Segunda Linha (Manejo Especializado) Indicação: Pacientes corticorresistentes, recidivantes frequentes ou corticodependentes. Prescrição (Exemplo com Ciclofosfamida): 1. Ciclofosfamida comprimido 50mg. 2. Dose: Prescrever na dose de 2 mg/kg/dia, por via oral, em dose única diária. 3. Duração: Curso de 8 a 12 semanas. 4. Monitoramento: Solicitar Hemograma completo semanalmente para vigiar a ocorrência de leucopenia. 5. Orientações para a Família e Sinais de Alerta 1. Explicar a natureza crônica e recidivante da doença, mas com bom prognóstico na maioria dos casos. 2. Treinar a família para a aferição da proteinúria com fita urinária e o registro no diário. 3. Sinais de Alerta para Retorno Imediato: Febre ou dor abdominal, que podem ser sinais de peritonite bacteriana espontânea. Aumento súbito do edema ou ganho de peso. Dor em panturrilhas ou dificuldade respiratória súbita (sinais de trombose). * Vômitos ou diarreia que levem à desidratação.

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