Cistite

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Cistite Aguda é uma infecção do trato urinário (ITU) inferior, caracterizada pela inflamação da mucosa da bexiga. É a forma mais comum de ITU em crianças, especialmente em meninas após o primeiro ano de vida. Diferencia-se da pielonefrite (ITU alta) por não envolver o parênquima renal e, portanto, não cursar com febre alta ou toxicidade sistêmica, e não representar um risco direto de cicatriz renal. Fisiopatologia A cistite ocorre quase exclusivamente por via asc

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Nefrologia e Urologia > Infecções do Trato Urinário > Cistite

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Cistite Aguda é uma infecção do trato urinário (ITU) inferior, caracterizada pela inflamação da mucosa da bexiga. É a forma mais comum de ITU em crianças, especialmente em meninas após o primeiro ano de vida. Diferencia-se da pielonefrite (ITU alta) por não envolver o parênquima renal e, portanto, não cursar com febre alta ou toxicidade sistêmica, e não representar um risco direto de cicatriz renal. Fisiopatologia A cistite ocorre quase exclusivamente por via ascendente. Bactérias da flora perineal e intestinal colonizam a uretra e ascendem até a bexiga. A infecção se estabelece quando há uma falha nos mecanismos de defesa do hospedeiro (como o esvaziamento vesical completo e as propriedades antibacterianas da urina) ou quando a virulência bacteriana é alta. A uretra mais curta nas meninas é o principal fator anatômico que predispõe a esta condição. 2. Etiologia e Fatores de Risco Agentes Etiológicos Escherichia coli uropatogênica (UPEC) é o agente mais comum, responsável por 80-90% dos casos. Outros agentes incluem Klebsiella pneumoniae, Proteus mirabilis, Enterococcus sp. e Staphylococcus saprophyticus (em adolescentes do sexo feminino sexualmente ativas). Fatores de Risco Sexo Feminino: Após o primeiro ano de vida. Disfunção Vesical e Intestinal (DVI): É um fator de risco crucial. Inclui a constipação crônica (compressão da bexiga e alteração da flora) e hábitos miccionais inadequados (retenção urinária, esvaziamento incompleto). Anomalias Anatômicas: Refluxo vesicoureteral (RVU) de baixo grau pode se manifestar como cistites de repetição. Outros: Fimose em meninos não circuncidados, higiene perineal inadequada, uso de roupas justas e sintéticas. 3. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico é baseado na combinação de sintomas clínicos e na análise da urina. Manifestações Clínicas O quadro é de sintomas urinários baixos, sem febre alta ou comprometimento sistêmico. Disúria: Dor ou ardor ao urinar. Polaciúria: Aumento da frequência das micções, com pequenos volumes. Urgência Miccional: Necessidade súbita e inadiável de urinar. Dor Suprapúbica. Enurese Secundária: Criança que já tinha controle esfincteriano volta a ter perdas urinárias. A urina pode se apresentar turva e com odor fétido. Hematúria (sangue na urina) pode ocorrer. Diagnóstico Laboratorial A coleta adequada da urina é a etapa mais importante. Método de Coleta: Jato médio após higiene local é o método de escolha para crianças com controle esfincteriano. Em lactentes, a coleta por cateterismo vesical é necessária para uma amostra confiável. O uso de saco coletor é inaceitável para urocultura. Exame de Urina Tipo I (EAS): A presença de leucocitúria (piúria) e nitrito positivo é altamente sugestiva. Urocultura com Antibiograma: É o padrão-ouro para confirmar o diagnóstico e guiar a terapia. Um crescimento ≥ 100.000 UFC/mL de um único patógeno em jato médio é considerado diagnóstico. 4. Diagnóstico Diferencial Vulvovaginite: Causa comum de disúria em meninas pré-púberes. A dor é "externa", e o exame genital revela hiperemia e/ou corrimento vaginal. Uretrite: Disúria sem polaciúria ou urgência. Suspeitar em adolescentes sexualmente ativas. Cistite Química: Irritação por produtos de higiene (banhos de espuma, sabonetes). 5. Manejo e Tratamento O tratamento visa erradicar a infecção, aliviar os sintomas e prevenir recorrências. Antibioticoterapia O tratamento é geralmente ambulatorial. A escolha do antibiótico empírico deve ser baseada nos padrões de sensibilidade locais da E. coli. Drogas de Primeira Linha: Nitrofurantoína ou Cefalosporinas de primeira geração (Cefalexina) são excelentes opções devido à sua eficácia e baixo impacto na flora intestinal. O Sulfametoxazol-Trimetoprima pode ser usado em locais onde a resistência da E. coli é baixa (<10-20%). Duração: Para cistite não complicada, cursos curtos de 3 a 7 dias são eficazes. Tratamento Sintomático Analgesia: Paracetamol ou Ibuprofeno para aliviar a disúria e o desconforto suprapúbico. Hidratação: Incentivar a ingestão de líquidos para aumentar o fluxo urinário. 6. Prevenção de Recorrências Para crianças com cistites de repetição, a abordagem mais importante é a não farmacológica: Manejo da Constipação: Tratar a constipação intestinal é fundamental. Treinamento Miccional: Orientar micções regulares (a cada 2-3 horas), esvaziamento completo da bexiga e postura adequada no vaso sanitário. Higiene: Ensinar a técnica de limpeza da frente para trás em meninas. Profilaxia Antibiótica: É raramente indicada e reservada para casos de recorrências muito frequentes apesar das medidas comportamentais, ou em pacientes com anomalias urológicas significativas. Referências Bibliográficas American Academy of Pediatrics, Subcommittee on Urinary Tract Infection. (2016). Clinical Practice Guideline for the Diagnosis and Management of the Initial UTI in Febrile Infants and Children 2 to 24 Months. Pediatrics, 138(6), e20163026. National Institute for Health and Care Excellence (NICE). (2018). Urinary tract infection in under 16s: diagnosis and management. NICE guideline [NG112]. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2021). Infecção do Trato Urinário em Pediatria – Existe consenso entre os consensos? – Atualização 2021. Documento Científico. Roberts, K. B. (2021). Urinary Tract Infection in Children. The New England Journal of Medicine, 384(6), 554-563. Robinson, J. L., et al. (2014). Urinary tract infection in infants and children: Diagnosis and management. Paediatrics & Child Health, 19(6), 315-325. Shaikh, N., et al. (2020). Management and screening of infants and young children with a first urinary tract infection. The Journal of Pediatrics, 226, 265-271.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor A cistite não complicada é tratada ambulatorialmente. A prescrição deve incluir um antibiótico apropriado e analgesia. A escolha do antibiótico deve levar em conta o perfil de resistência da E. coli na sua comunidade. A educação da família sobre medidas preventivas é tão importante quanto o tratamento do episódio agudo. 2. Prescrição para Investigação Diagnóstica 1. Solicito Exame de Urina Tipo I (EAS) e Urocultura com Antibiograma. 2. Método de Coleta Sugerido: Jato médio, após higiene genital rigorosa com água e sabão. 3. Prescrição para Tratamento Ambulatorial da Cistite Não Complicada Antibioticoterapia de Primeira Linha: Prescrição (Opção 1): 1. Cefalexina suspensão oral 250mg/5mL. 2. Dose: Prescrever na dose de 50 mg/kg/dia, por via oral, dividida de 6 em 6 horas. 3. Duração: 7 dias. Prescrição (Opção 2): 1. Nitrofurantoína suspensão oral 25mg/5mL. 2. Dose: Prescrever na dose de 5 a 7 mg/kg/dia, por via oral, dividida de 6 em 6 horas. 3. Duração: 7 dias. 4. Orientação: Administrar com alimentos para melhorar a tolerância. Analgesia: 1. Ibuprofeno suspensão oral 100mg/mL. Prescrever na dose de 10 mg/kg/dose, por via oral, a cada 8 horas, se dor ou desconforto ao urinar. 4. Prescrição de Orientações para a Família 1. Administrar o antibiótico por todo o período prescrito, mesmo que os sintomas melhorem antes. 2. Aumentar a ingestão de líquidos (água, sucos) durante o tratamento. 3. Higiene: Realizar a higiene íntima sempre no sentido da frente para trás (em meninas). 4. Hábitos Miccionais: Incentivar a criança a urinar a cada 2-3 horas, sem "segurar" a urina. 5. Constipação: Se a criança for constipada, iniciar medidas para regularizar o intestino (aumento de fibras e líquidos na dieta). 6. Sinais de Alerta para Retorno: Febre, vômitos, dor nas costas (lombar) ou ausência de melhora dos sintomas em 48 horas. 5. Prescrição para Profilaxia de Cistites Recorrentes (Uso Especializado) Indicação: Casos selecionados de cistites recorrentes (≥3 episódios/ano) que não respondem às medidas comportamentais, sob acompanhamento de um especialista. Prescrição: 1. Nitrofurantoína suspensão oral 25mg/5mL. 2. Dose Profilática: Prescrever na dose de 1 a 2 mg/kg, por via oral, em dose única noturna, ao deitar. 3. Duração: Manter por 3 a 6 meses, com reavaliação periódica.

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