Lesão Renal Aguda (LRA)

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Lesão Renal Aguda (LRA), anteriormente conhecida como Insuficiência Renal Aguda, é uma síndrome clínica caracterizada por uma deterioração súbita da função renal. Essa falha abrupta resulta na incapacidade dos rins de excretar produtos nitrogenados (ureia, creatinina) e de manter a homeostase hidroeletrolítica e ácido-básica. A LRA é uma emergência médica comum em pacientes pediátricos hospitalizados, especialmente em unidades de terapia intensiva, e está associad

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Nefrologia e Urologia > Insuficiência Renal > Lesão Renal Aguda (LRA)

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Lesão Renal Aguda (LRA), anteriormente conhecida como Insuficiência Renal Aguda, é uma síndrome clínica caracterizada por uma deterioração súbita da função renal. Essa falha abrupta resulta na incapacidade dos rins de excretar produtos nitrogenados (ureia, creatinina) e de manter a homeostase hidroeletrolítica e ácido-básica. A LRA é uma emergência médica comum em pacientes pediátricos hospitalizados, especialmente em unidades de terapia intensiva, e está associada a uma morbimortalidade significativa. Classificação Etiológica: A abordagem inicial da LRA é guiada pela sua classificação fisiopatológica: LRA Pré-renal (Funcional): É a causa mais comum em pediatria (55-60%). Resulta da hipoperfusão renal (diminuição do fluxo sanguíneo para os rins) em um parênquima renal inicialmente intacto. As causas incluem desidratação grave, choque (séptico, cardiogênico) e hemorragia. É potencialmente reversível se a perfusão for restaurada rapidamente. LRA Renal (Intrínseca ou Parenquimatosa): Ocorre por dano direto a uma das estruturas do rim (túbulos, glomérulos, interstício ou vasos). A Necrose Tubular Aguda (NTA), causada por isquemia prolongada (evolução de uma LRA pré-renal não tratada) ou por nefrotoxinas, é a principal causa. Outras causas incluem glomerulonefrites, nefrite intersticial e a Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU). LRA Pós-renal (Obstrutiva): Resulta da obstrução do fluxo urinário em qualquer ponto do trato urinário. Em crianças, as causas mais comuns são congênitas, como a válvula de uretra posterior em meninos. 2. Diagnóstico e Estadiamento O diagnóstico e o estadiamento da gravidade da LRA são feitos utilizando os critérios da KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes), que se baseiam na alteração da creatinina sérica e/ou do débito urinário. | Estágio | Creatinina Sérica | Débito Urinário | | :--- | :--- | :--- | | 1 | Aumento ≥0,3 mg/dL ou 1,5-1,9x o valor basal | <0,5 mL/kg/hora por 6-12 horas | | 2 | Aumento de 2,0-2,9x o valor basal | <0,5 mL/kg/hora por ≥12 horas | | 3 | Aumento ≥3,0x o valor basal ou Cr ≥4,0 mg/dL ou início de Terapia Renal Substitutiva | <0,3 mL/kg/hora por ≥24h ou Anúria por ≥12h | Avaliação Clínica: A apresentação é variável. Os sintomas iniciais são frequentemente os da doença de base. Oligúria (débito urinário < 0,5-1 mL/kg/h) é um sinal de alerta importante, mas a LRA pode ser não-oligúrica. Sinais de sobrecarga volêmica (edema, hipertensão, dispneia) são comuns, especialmente na LRA intrínseca. Sinais de uremia (letargia, confusão, náuseas, vômitos) indicam disfunção renal grave. Avaliação Laboratorial: Ureia e Creatinina: Marcadores clássicos de função renal. Eletrólitos e Gasometria: Essenciais para detectar as complicações metabólicas. Urina Tipo I (EAS): Fornece pistas importantes sobre a etiologia. Cilindros granulosos "lamacentos" são característicos de NTA; cilindros hemáticos sugerem glomerulonefrite. Índices Urinários: A Fração de Excreção de Sódio (FENa) ajuda a diferenciar LRA pré-renal (<1%) de LRA intrínseca/NTA (>2%), mas tem limitações. 3. Complicações Agudas As complicações da LRA são graves e exigem manejo imediato. Hipercalemia: É a complicação mais perigosa e com risco de vida, podendo causar arritmias cardíacas fatais. Sobrecarga Volêmica: Pode levar a hipertensão arterial, edema pulmonar e insuficiência cardíaca. Acidose Metabólica: Resulta da incapacidade de excretar ácidos. Distúrbios do Cálcio e Fósforo: Hipocalcemia e hiperfosfatemia. Uremia: Acúmulo de toxinas que afetam múltiplos sistemas, principalmente o neurológico (encefalopatia urêmica). 4. Manejo e Tratamento O tratamento é de suporte e focado no manejo das complicações, enquanto se trata a causa base. Manejo da Causa Base: Tratar a desidratação, o choque, a sepse ou desobstruir o trato urinário. Manejo de Fluidos: É a etapa mais delicada. Em LRA pré-renal por hipovolemia, a ressuscitação volêmica com cristaloides é a prioridade. Em LRA intrínseca estabelecida, especialmente se oligúrica, a restrição hídrica e de sódio é fundamental para prevenir a sobrecarga volêmica. Manejo das Complicações: Hipercalemia: Tratamento de emergência com gluconato de cálcio, soluções polarizantes (glicose + insulina), beta-agonistas e, se necessário, diálise. Acidose Metabólica Grave: Correção com bicarbonato de sódio. Suporte Nutricional: Fornecer aporte calórico adequado, com restrição de proteínas, potássio e fósforo, conforme a necessidade. Terapia Renal Substitutiva (TRS) / Diálise: Indicações: É indicada para complicações refratárias ao tratamento clínico. As indicações clássicas são resumidas pelo mnemônico "AEIOU": Acidose refratária, Eletrólitos (hipercalemia grave), Intoxicações, Overload (sobrecarga volêmica refratária) e Uremia sintomática. Modalidades em Pediatria: Diálise peritoneal, hemodiálise intermitente e terapias contínuas (preferíveis em pacientes instáveis). 5. Prognóstico O prognóstico depende da etiologia, da gravidade da lesão e da presença de disfunção de outros órgãos. A LRA pré-renal tem bom prognóstico se a perfusão for restaurada a tempo. A NTA tem uma fase de recuperação que pode levar semanas. Pacientes que sobrevivem a um episódio de LRA grave têm um risco aumentado de desenvolver Doença Renal Crônica no futuro e necessitam de seguimento nefrológico a longo prazo. Referências Bibliográficas Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) Acute Kidney Injury Work Group. (2012). KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney International Supplements, 2(1), 1–138. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2020). Lesão Renal Aguda. Documento Científico. Sutherland, S. M., & Goldstein, S. L. (2017). Acute Kidney Injury in Children. In Brenner and Rector's The Kidney (11th ed.). Elsevier. Jetton, J. G., & Askenazi, D. J. (2014). Update on acute kidney injury in the neonate. Current Opinion in Pediatrics, 26(2), 191–196. Selektiv, Y., & Askenazi, D. J. (2015). Acute kidney injury in the pediatric population. Current Opinion in Critical Care, 21(6), 503-509. Lameire, N. H., Bagga, A., Cruz, D., et al. (2013). Acute kidney injury: an increasing global concern. The Lancet, 382*(9887), 170–179.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor A LRA é uma emergência que exige hospitalização e monitoramento intensivo. A prioridade é identificar e tratar a causa base e manejar as complicações hidroeletrolíticas e metabólicas que ameaçam a vida. A prescrição de fluidos deve ser extremamente criteriosa, baseada na etiologia (pré-renal vs. intrínseca) e no estado volêmico do paciente. 2. Prescrição de Admissão e Monitoramento Inicial Admitir em leito de UTI Pediátrica ou Unidade de Internação com monitorização contínua. Instalar Sonda Vesical de Demora para controle rigoroso do débito urinário horário. Manter acesso venoso pérvio. Considerar acesso venoso central se houver necessidade de drogas vasoativas ou monitoramento da PVC. Coletar exames de urgência: Gasometria Venosa/Arterial, Eletrólitos (Na, K, Cl, Ca, P, Mg), Ureia, Creatinina, Hemograma completo. Solicitar Ultrassonografia de Rins e Vias Urinárias com Doppler para avaliar a morfologia renal e descartar obstrução. 3. Prescrição para o Manejo de Fluidos Para LRA Pré-Renal com Hipovolemia: Prescrição: Soro Fisiológico 0,9%, 10 a 20 mL/kg, IV, para infundir em 30 a 60 minutos. Reavaliar o estado volêmico e a resposta da diurese. Repetir o bolus se necessário, com cautela. Para LRA Intrínseca Estabelecida (Oligúrica/Anúrica): Prescrição: Restrição Hídrica Estrita. Volume Total (24h) = Diurese (das 24h anteriores) + Perdas Insensíveis (400 mL/m²). Prescrever dieta com restrição de sódio, potássio e fósforo. 4. Prescrição para o Manejo de Complicações Graves Hipercalemia (K+ > 6,0 mEq/L ou com alterações no ECG): Prescrição (Medidas de Emergência Sequenciais): Gluconato de Cálcio 10%: 0,5 a 1 mL/kg (máx. 20 mL), IV, lento, sob monitorização cardíaca (estabilizador de membrana). Solução Polarizante: Glicose 50% (1-2 mL/kg) + Insulina Regular (0,1 UI/kg), IV, em bolus (desloca K+ para o intracelular). Salbutamol para nebulização: 10 a 20 mg, em nebulização contínua (desloca K+ para o intracelular). Bicarbonato de Sódio 8,4%: 1 a 2 mEq/kg, IV, se acidose grave concomitante. Furosemida 1 a 2 mg/kg, IV (se houver diurese). Se refratário, preparar para Terapia Renal Substitutiva de emergência. Sobrecarga Volêmica com Edema Pulmonar: Prescrição: Furosemida 1 a 2 mg/kg/dose, por via endovenosa. Oferecer suporte com Oxigênio de alto fluxo ou Ventilação Não Invasiva (VNI). Manter em posição de Fowler. Acidose Metabólica Grave (pH < 7,2): Prescrição: Bicarbonato de Sódio 8,4%. Dose (mEq) = (Bicarbonato desejado - Bicarbonato atual) x Peso (kg) x 0,5. Administrar metade da dose calculada, IV, lentamente, e reavaliar com nova gasometria. 5. Indicações para Terapia Renal Substitutiva (TRS) Prescrição: Solicitar avaliação da Nefrologia Pediátrica com urgência. Indicações para iniciar TRS: Sobrecarga volêmica refratária à terapia com diuréticos. Hipercalemia grave e refratária. Acidose metabólica grave e refratária. Sinais de uremia (encefalopatia, pericardite). * Intoxicação por substância dialisável.

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