Enurese Noturna
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Enurese é definida pela micção involuntária e intermitente que ocorre durante o sono, em uma criança com idade cronológica e mental de pelo menos 5 anos. É uma condição comum, com resolução espontânea em cerca de 15% dos casos por ano.
Classificação (Essencial para o Manejo):
Enurese Monossintomática: A criança apresenta apenas a perda urinária noturna, sem quaisquer outros sintomas do trato urinário inferior durante o dia (como urgência, polaciúria ou inconti
Categoria
Nefrologia e Urologia > Outras Afecções > Enurese Noturna
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Enurese é definida pela micção involuntária e intermitente que ocorre durante o sono, em uma criança com idade cronológica e mental de pelo menos 5 anos. É uma condição comum, com resolução espontânea em cerca de 15% dos casos por ano.
Classificação (Essencial para o Manejo):
Enurese Monossintomática: A criança apresenta apenas a perda urinária noturna, sem quaisquer outros sintomas do trato urinário inferior durante o dia (como urgência, polaciúria ou incontinência diurna). É a forma mais comum (80%).
Enurese Não-Monossintomática: A enurese noturna está associada a sintomas diurnos, sugerindo uma disfunção vesical subjacente (ex: bexiga hiperativa).
Primária vs. Secundária: A enurese é primária se a criança nunca alcançou um período de continência noturna por 6 meses consecutivos. É secundária se a incontinência retorna após este período, o que frequentemente aponta para um fator desencadeante (estresse, constipação, ITU).
Fisiopatologia (Os Três Sistemas):
A enurese monossintomática resulta de um descompasso maturacional em um ou mais de três sistemas:
1. Poliúria Noturna: Uma falha no ritmo circadiano do hormônio antidiurético (vasopressina) leva a uma produção de urina durante a noite que excede a capacidade da bexiga.
2. Capacidade Vesical Noturna Reduzida: A bexiga não consegue armazenar todo o volume de urina produzido durante a noite. Pode estar associada à hiperatividade do músculo detrusor.
3. Falha no Despertar: A criança tem um limiar de despertar elevado e não acorda em resposta aos sinais de bexiga cheia.
2. Avaliação Clínica e Diagnóstico
O diagnóstico é clínico. A investigação visa confirmar o tipo de enurese e excluir causas orgânicas.
Anamnese Detalhada: É a ferramenta mais importante.
Caracterizar a enurese (frequência, volume, primária/secundária).
Investigar ativamente os sintomas diurnos (frequência miccional, urgência, manobras de contenção como cruzar as pernas).
Investigar o hábito intestinal, pois a constipação é uma comorbidade extremamente comum e que precisa ser tratada.
Avaliar a ingesta hídrica, especialmente no período noturno.
História familiar de enurese.
Diário Miccional: Solicitar que a família preencha um diário por 2 a 3 dias, registrando a hora e o volume de todas as micções, episódios de incontinência e a ingesta de líquidos. É fundamental para avaliar a capacidade vesical e a presença de poliúria.
Exame Físico: Geralmente normal. Deve-se focar no exame abdominal (massa fecal), na inspeção da genitália e, crucialmente, no exame neurológico e da região lombossacra para procurar por sinais sutis de disrafismo espinhal oculto (tufos de pelos, fossetas, desvio do sulco interglúteo).
Exames Complementares:
Urina Tipo I (EAS): Obrigatório para descartar infecção urinária ou diabetes mellitus.
Ultrassonografia de Rins e Vias Urinárias: Indicada apenas em casos de enurese não-monossintomática ou se houver história de ITUs.
3. Manejo e Tratamento
A abordagem é escalonada e deve ser individualizada.
Passo 1: Medidas Gerais e Uroterapia (para todos)
Educação e Desmistificação: Explicar à família e à criança que a enurese é uma condição médica involuntária, não "preguiça" ou "birra". A punição é contraproducente.
Manejo Hídrico: Assegurar uma boa hidratação durante o dia, mas limitar a ingestão de líquidos 2 horas antes de deitar.
Hábitos Miccionais: Incentivar micções regulares a cada 2-3 horas durante o dia e, obrigatoriamente, uma última micção imediatamente antes de ir para a cama.
Tratamento da Constipação: Se presente, o tratamento da constipação é prioritário e deve ser instituído antes de qualquer outra terapia para a enurese.
Passo 2: Terapias de Primeira Linha (para Enurese Monossintomática)
A escolha entre o alarme e a desmopressina depende da motivação da família, da idade da criança e do objetivo (cura vs. controle rápido).
1. Alarme de Enurese: É o tratamento com a maior taxa de cura a longo prazo (até 70%). Requer alta motivação e colaboração da família. O alarme soa com as primeiras gotas de urina, condicionando a criança a acordar ou a inibir a micção. O tratamento dura de 2 a 3 meses.
2. Desmopressina: É um análogo sintético do hormônio antidiurético. É altamente eficaz para controle rápido dos sintomas, especialmente em crianças com poliúria noturna. É a droga de escolha para situações específicas, como acampamentos ou pernoites. A taxa de recidiva após a suspensão é alta.
Passo 3: Terapias de Segunda e Terceira Linha
Anticolinérgicos (Oxibutinina): Indicados para crianças com enurese não-monossintomática e evidência de bexiga hiperativa, ou em combinação com a desmopressina para casos refratários.
Antidepressivos Tricíclicos (Imipramina): Devido ao seu perfil de cardiotoxicidade e risco em caso de superdosagem, seu uso é restrito a casos refratários, sob estrita supervisão especializada.
Referências Bibliográficas
1. Austin, P. F., Bauer, S. B., Bower, W., et al. (2016). The standardization of terminology of lower urinary tract function in children and adolescents: Update report from the Standardization Committee of the International Children's Continence Society. Journal of Urology, 196(1), 269-276.
2. Nevéus, T., et al. (2020). Management of nocturnal enuresis—a review of the current evidence-based treatment options. European Journal of Pediatrics, 179(10), 1493-1501.
3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2019). Enurese. Documento Científico.
4. Caldwell, P. H. Y., et al. (2020). Bedwetting (nocturnal enuresis) in children. BMJ Clinical Evidence.
5. Glazener, C. M. A., et al. (2016). Alarm interventions for nocturnal enuresis in children. Cochrane Database of Systematic Reviews, (5).
6. Deshpande, A. V., et al. (2021). Evaluation and treatment of enuresis: A standardization document from the International Children's Continence Society. Journal of Pediatric Urology, 17(2), 195-207.
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
A enurese é uma condição médica, não um problema comportamental. A punição é ineficaz e prejudicial.
O tratamento deve ser escalonado: iniciar sempre com medidas comportamentais e tratamento de comorbidades (constipação).
A escolha da terapia de primeira linha (alarme vs. desmopressina) deve ser uma decisão compartilhada com a família.
2. Prescrição de Medidas Comportamentais e Uroterapia (Primeira Linha para Todos)
Prescrição de Orientações para a Família:
1. Educação: Explicar que a enurese é involuntária e comum, e que a criança não tem culpa.
2. Manejo Hídrico: Manter uma boa ingestão de líquidos durante o dia, mas restringir a oferta de líquidos 2 horas antes de deitar.
3. Hábitos Miccionais:
Incentivar a criança a urinar a cada 2-3 horas durante o dia.
É obrigatório que a criança urine como última atividade antes de ir para a cama.
4. Tratamento da Constipação (se presente): Prescrever dieta rica em fibras e, se necessário, laxantes osmóticos (ex: Polietilenoglicol), pois o controle da enurese é improvável sem o tratamento da constipação.
5. Terapia Motivacional: Utilizar um calendário de "sol e chuva" ou de "noites secas e molhadas" e celebrar as noites secas com reforço positivo (elogios, adesivos), sem punir as noites molhadas.
3. Prescrição para Tratamento com Alarme de Enurese
Indicação: Criança > 6-7 anos, motivada, com forte apoio familiar.
Prescrição:
1. Alarme de Enurese (dispositivo com sensor de umidade).
2. Modo de Usar:
Colocar o sensor na roupa íntima da criança todas as noites.
Ao primeiro sinal de urina, o alarme irá disparar. Os pais devem ajudar a criança a acordar completamente, ir ao banheiro para terminar de urinar, trocar de roupa e reativar o alarme.
3. Duração: Utilizar todas as noites, continuamente, por um período de 2 a 3 meses. O tratamento é considerado um sucesso após 14 noites secas consecutivas.
4. Prescrição para Tratamento Farmacológico
Primeira Linha (para controle rápido ou poliúria noturna):
Prescrição:
1. Desmopressina, comprimido sublingual (MELT), 120 mcg.
2. Dose Inicial: Prescrever 1 comprimido (120 mcg), para dissolver sob a língua, ao deitar.
3. Ajuste: Se não houver resposta em 1-2 semanas, aumentar para 2 comprimidos (240 mcg) ao deitar.
4. Orientação CRÍTICA: A ingestão de líquidos deve ser mínima (apenas para tomar medicamentos) 1 hora antes e até 8 horas após tomar a desmopressina, devido ao risco de intoxicação hídrica e hiponatremia.
Para Enurese Não-Monossintomática (com bexiga hiperativa):
Prescrição (manejo especializado):
1. Cloridrato de Oxibutinina xarope ou comprimido.
2. Dose: Prescrever na dose de 0,2 a 0,4 mg/kg/dia, por via oral, dividida em 2 a 3 tomadas.
Terceira Linha (Casos Refratários):
Prescrição (uso exclusivo por especialista):
1. Cloridrato de Imipramina 25mg.
2. Dose: Iniciar com 25 mg, por via oral, 1 hora antes de deitar.
3. Monitoramento: Solicitar Eletrocardiograma (ECG) antes de iniciar o tratamento e monitorar efeitos colaterais. Alertar sobre o alto risco de toxicidade em caso de superdosagem.
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