Litíase Urinária
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Litíase Urinária, ou urolitíase, é a formação de cálculos (pedras) no trato urinário. Embora classicamente vista como uma doença de adultos, sua incidência na população pediátrica tem aumentado significativamente. Diferentemente dos adultos, a litíase em crianças está frequentemente associada a uma causa metabólica subjacente (em >50% dos casos), tornando a investigação etiológica um pilar fundamental do manejo para prevenir a alta taxa de recorrência.
Fisiopatol
Categoria
Nefrologia e Urologia > Outras Afecções > Litíase Urinária
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Litíase Urinária, ou urolitíase, é a formação de cálculos (pedras) no trato urinário. Embora classicamente vista como uma doença de adultos, sua incidência na população pediátrica tem aumentado significativamente. Diferentemente dos adultos, a litíase em crianças está frequentemente associada a uma causa metabólica subjacente (em >50% dos casos), tornando a investigação etiológica um pilar fundamental do manejo para prevenir a alta taxa de recorrência.
Fisiopatologia
A formação de cálculos ocorre quando a urina se torna supersaturada com substâncias litogênicas (como cálcio, oxalato e ácido úrico), excedendo a capacidade dos inibidores naturais da cristalização (como o citrato). Isso leva à nucleação, crescimento e agregação de cristais. Fatores como baixo volume urinário (desidratação), pH urinário inadequado e anomalias anatômicas que causam estase urinária são cruciais nesse processo.
2. Tipos de Cálculos e Etiologia
Oxalato de Cálcio: É o tipo mais comum (60-70%), frequentemente associado à hipercalciúria idiopática, a anormalidade metabólica mais encontrada em crianças.
Fosfato de Cálcio: Associado a condições que alcalinizam a urina, como a acidose tubular renal distal e infecções por bactérias produtoras de urease (Proteus mirabilis).
Ácido Úrico: Menos comum, associado a urina persistentemente ácida e hiperuricosúria.
Estruvita (Fosfato Amoníaco Magnesiano): São os "cálculos de infecção", formados na presença de bactérias produtoras de urease.
Cistina: Raros, mas importantes, pois indicam uma doença metabólica hereditária (cistinúria).
3. Avaliação Clínica e Diagnóstico
Manifestações Clínicas:
Adolescentes e Escolares: A apresentação clássica é a cólica renal, uma dor lombar ou em flanco de início súbito, intensa, intermitente, que pode irradiar para a região inguinal e genitália. Náuseas, vômitos e hematúria macroscópica ("urina cor de sangue") são comuns.
Lactentes e Pré-escolares: O quadro é frequentemente inespecífico, manifestando-se como irritabilidade, choro inconsolável, dor abdominal difusa, vômitos ou hematúria. A litíase pode ser um achado durante a investigação de uma infecção urinária.
Diagnóstico por Imagem:
Ultrassonografia de Rins e Vias Urinárias: É o método de imagem de primeira linha e de escolha em pediatria. É não invasivo, não utiliza radiação e é excelente para detectar cálculos renais e a consequente hidronefrose. Sua sensibilidade para cálculos ureterais é menor.
Radiografia Simples de Abdome: Útil para o seguimento de cálculos radiopacos (cálcio, estruvita), mas não detecta cálculos radiotransparentes (ácido úrico).
Tomografia Computadorizada (TC) de Abdome sem Contraste: É o padrão-ouro em adultos, mas em crianças seu uso deve ser criterioso devido à radiação. É reservada para casos de ultrassom inconclusivo, suspeita de complicações ou planejamento cirúrgico complexo, preferencialmente com protocolos de baixa dose.
Avaliação Metabólica:
É mandatória para toda criança após o primeiro episódio de litíase. O objetivo é identificar a causa subjacente para prevenir a recorrência.
A avaliação inclui a análise da composição do cálculo (se obtido), exames de sangue (eletrólitos, cálcio, ácido úrico, função renal) e, crucialmente, uma coleta de urina de 24 horas para dosar cálcio, oxalato, citrato, ácido úrico, sódio e creatinina.
4. Manejo e Tratamento
Manejo da Crise Aguda (Cólica Renal):
1. Analgesia: É a prioridade. Anti-inflamatórios Não Esteroides (AINEs), como o Cetoprofeno ou Diclofenaco, são a primeira linha por seu duplo efeito analgésico e de relaxamento da musculatura ureteral. Opioides podem ser necessários para dor refratária.
2. Hidratação: Hidratação venosa para corrigir a desidratação e facilitar a passagem do cálculo, mas sem excessos que possam piorar a dor pela distensão do sistema coletor.
3. Terapia Médica Expulsiva (TME): O uso de bloqueadores alfa-adrenérgicos (ex: Tansulosina) pode facilitar a passagem espontânea de cálculos ureterais distais de 5 a 10 mm.
Tratamento Intervencionista:
Indicações: Dor refratária, obstrução associada à infecção (emergência urológica), falha na progressão do cálculo ou cálculos grandes (>10 mm).
Modalidades:
Litotripsia Extracorpórea por Ondas de Choque (LECO): Fragmentação dos cálculos por ondas de choque externas. Boa opção para cálculos renais de até 20 mm.
Ureterorrenoscopia Flexível a Laser: É o procedimento endoscópico de escolha para a maioria dos cálculos ureterais e renais em crianças. Permite a fragmentação a laser e a remoção dos fragmentos.
Nefrolitotripsia Percutânea (NLPC): Abordagem percutânea reservada para cálculos renais grandes ou complexos (ex: coraliformes).
Prevenção de Recorrência (Tratamento Metabólico):
Medidas Gerais: A principal medida é o aumento da ingestão hídrica para garantir um volume urinário > 1,5-2 L/dia. Redução da ingestão de sódio e de proteína animal também são importantes.
Terapia Específica:
Hipercalciúria: Diuréticos tiazídicos (Hidroclorotiazida).
Hipocitratúria: Citrato de potássio (alcalinizante e inibidor).
Hiperuricosúria: Alopurinol.
Referências Bibliográficas
1. Tekgül, S., et al. (2022). EAU Guidelines on Paediatric Urology. European Association of Urology.
2. Assimos, D., et al. (2016). Surgical Management of Stones: AUA/Endourology Society Guideline. American Urological Association.
3. Tasiana, G. K., et al. (2017). Diagnosis and management of stone disease in children. Journal of Pediatric Urology, 13(5), 490-498.
4. Rove, K. O., & Karrer, F. M. (2014). Pediatric urolithiasis. Surgical Clinics of North America, 94(3), 675-690.
5. Kovacevic, L., & Wolfe-Christensen, C. (2014). The role of the pediatrician in the management of pediatric urolithiasis. Urologic Clinics of North America, 41(4), 607-619.
6. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) & Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). (2017). Litíase Urinária na Infância e Adolescência. Documento Científico.
Tratamento
1. Orientações Gerais ao Prescritor
O manejo da cólica renal aguda foca em analgesia eficaz e hidratação.
AINEs são a primeira linha para a dor.
A avaliação metabólica é obrigatória em toda criança após a resolução do primeiro episódio agudo.
A prevenção de recorrência é baseada em medidas dietéticas e terapia medicamentosa específica para o distúrbio metabólico encontrado.
2. Prescrição para o Manejo da Cólica Renal Aguda (Emergência/Hospitalar)
Hidratação Endovenosa
Soro Fisiológico 0,9%, IV. Infundir em volume correspondente a 1,5 vezes a necessidade hídrica basal.
Analgesia Endovenosa (Primeira Linha)
Prescrição:
Cetoprofeno 2 mg/kg/dose (dose máxima de 100 mg), IV, a cada 8 horas.
ou Diclofenaco 1 mg/kg/dose (dose máxima de 75 mg), IV, a cada 12 horas.
Analgesia de Resgate (se dor refratária)
Prescrição:
Morfina 0,1 mg/kg/dose, IV, a cada 4 horas, conforme necessidade.
Antiemético
Prescrição:
Ondansetrona 0,15 mg/kg/dose, IV, a cada 8 horas, se náuseas ou vômitos.
3. Prescrição para Terapia Médica Expulsiva (Ambulatorial)
Indicação: Cálculo ureteral distal, de 5 a 10 mm, em paciente estável e com dor controlada.
Prescrição:
Cloridrato de Tansulosina 0,4 mg. Prescrever 1 cápsula, por via oral, uma vez ao dia, por até 4 semanas.
Ibuprofeno 10 mg/kg/dose, VO, a cada 8 horas, se dor.
Orientar hidratação vigorosa (>2L/dia) e a filtrar a urina para recuperar o cálculo para análise.
4. Prescrição para Prevenção de Recorrência (Manejo Ambulatorial Especializado)
Medidas Gerais para Todos os Pacientes
Aumentar a ingestão de água para garantir um volume urinário > 1,5 L/dia (urina sempre clara).
Reduzir a ingestão de sódio (meta < 2 g/dia). Evitar alimentos industrializados e sal de adição.
Moderar a ingestão de proteína animal.
Tratamento da Hipocitratúria
Prescrição:
Citrato de Potássio (ex: Litocit® 10 mEq). Prescrever na dose de 1 a 2 mEq/kg/dia, por via oral, dividida em 2 ou 3 tomadas, junto com as refeições.
Tratamento da Hipercalciúria
Prescrição:
Hidroclorotiazida 25 mg. Prescrever na dose de 1 a 2 mg/kg/dia, por via oral, em dose única pela manhã.
Orientar a manutenção de uma ingestão normal de cálcio na dieta.
Tratamento da Hiperuricosúria
Prescrição:
Alopurinol 100 mg. Prescrever na dose de 5 a 10 mg/kg/dia, por via oral, em 1 ou 2 tomadas.
5. Orientações para a Família
Hidratação é o remédio mais importante: A criança deve beber água constantemente ao longo do dia, até que a urina fique clara como água.
Reduzir o Sal: Cozinhar com menos sal e evitar salgadinhos, embutidos, macarrão instantâneo e outros alimentos processados.
Filtrar a Urina: Durante a eliminação de um cálculo, urinar através de um filtro de papel ou gaze para tentar recuperar a pedra e levá-la para análise.
Sinais de Alerta para Retorno à Emergência: Dor que não melhora com a medicação prescrita, febre, calafrios ou incapacidade de urinar.
Acesso Interativo
Acesse o conteúdo completo e interativo em Litíase Urinária