Refluxo Vesicoureteral (RVU)

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia O Refluxo Vesicoureteral (RVU) é uma anomalia urológica caracterizada pelo fluxo retrógrado de urina da bexiga para os ureteres e, potencialmente, para os rins. É a anomalia urológica mais comum na infância, diagnosticada em 30-40% das crianças investigadas após uma primeira Infecção do Trato Urinário (ITU) febril. Fisiopatologia: O RVU resulta de uma incompetência do mecanismo valvular da junção ureterovesical (JUV). Normalmente, o trajeto intramural do ureter atr

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Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia O Refluxo Vesicoureteral (RVU) é uma anomalia urológica caracterizada pelo fluxo retrógrado de urina da bexiga para os ureteres e, potencialmente, para os rins. É a anomalia urológica mais comum na infância, diagnosticada em 30-40% das crianças investigadas após uma primeira Infecção do Trato Urinário (ITU) febril. Fisiopatologia: O RVU resulta de uma incompetência do mecanismo valvular da junção ureterovesical (JUV). Normalmente, o trajeto intramural do ureter através da parede da bexiga colaba durante a micção, impedindo o refluxo. No RVU primário (a forma mais comum), há uma imaturidade ou anomalia congênita deste túnel, tornando-o curto e ineficaz. O RVU secundário ocorre devido a altas pressões intravesicais que superam uma JUV normal, como na bexiga neurogênica ou na válvula de uretra posterior. A importância clínica do RVU não reside no refluxo em si, mas em sua associação com a pielonefrite e a nefropatia do refluxo. O refluxo de urina infectada da bexiga para os rins facilita a ocorrência de pielonefrite, que pode levar à formação de cicatrizes renais, com risco a longo prazo de hipertensão arterial e doença renal crônica. 2. Classificação O RVU é graduado de I a V pelo Sistema Internacional, com base nos achados da uretrocistografia miccional (UCM). O grau do refluxo é o principal preditor da probabilidade de resolução espontânea. Grau I: Refluxo apenas no ureter, sem atingir a pelve renal. Grau II: Refluxo atinge a pelve e os cálices, sem dilatação. Grau III: Dilatação leve a moderada do ureter e/ou da pelve renal. Grau IV: Dilatação e tortuosidade moderada do ureter e da pelve renal. Grau V: Dilatação e tortuosidade grosseira do ureter, com perda das impressões papilares nos cálices. 3. Avaliação Clínica e Diagnóstico A manifestação clínica mais comum que leva ao diagnóstico de RVU é a ITU febril. Em neonatos, pode ser diagnosticado durante a investigação de hidronefrose pré-natal. Diagnóstico por Imagem: 1. Ultrassonografia de Rins e Vias Urinárias: É o primeiro exame a ser realizado após uma ITU febril. Avalia a anatomia renal, detecta hidronefrose, cicatrizes grosseiras ou outras anomalias. Um ultrassom normal não exclui RVU. 2. Uretrocistografia Miccional (UCM): É o padrão-ouro para o diagnóstico e graduação do RVU. As diretrizes atuais recomendam uma abordagem mais seletiva para sua indicação, como em casos de ultrassom alterado, ITUs febris recorrentes ou em apresentações atípicas. 3. Cintilografia Renal com DMSA: É o método mais sensível para detectar cicatrizes renais (nefropatia do refluxo) e avaliar a função renal diferencial. Deve ser realizada 4 a 6 meses após o episódio de pielonefrite aguda. 4. Manejo e Tratamento O objetivo do tratamento é prevenir a ocorrência de ITUs febris recorrentes e, consequentemente, prevenir a formação de novas cicatrizes renais. Manejo da Disfunção Vesical e Intestinal (DVI): É o pilar do tratamento conservador. A constipação e os hábitos miccionais disfuncionais (retenção) aumentam a pressão intravesical e o risco de ITU. O tratamento agressivo da constipação e a uroterapia (treinamento de hábitos miccionais) devem ser instituídos em todas as crianças com DVI e podem, por si sós, levar à resolução do refluxo e à diminuição das ITUs. Tratamento Conservador vs. Cirúrgico: Manejo Clínico (Observação Ativa): É a abordagem de escolha para a maioria dos casos de RVU graus I a III, baseada na alta taxa de resolução espontânea. Consiste no manejo da DVI, orientação familiar para reconhecimento precoce de ITU e tratamento imediato de qualquer episódio. Profilaxia Antibiótica Contínua (PAC): O uso de antibióticos em baixas doses diárias para prevenir ITUs é uma prática cada vez mais seletiva e controversa. O estudo RIVUR demonstrou uma redução no risco de recorrência de ITU, mas sem impacto na formação de novas cicatrizes renais. A PAC é geralmente reservada para lactentes jovens com RVU de alto grau ou para crianças com ITUs febris recorrentes apesar do manejo adequado da DVI. Tratamento Cirúrgico: A correção do refluxo está indicada em casos de: Falha do tratamento clínico (ITUs febris recorrentes). Surgimento de novas cicatrizes renais ou piora das existentes. RVU de alto grau (IV-V) que não apresenta melhora ou resolução após um período de observação, especialmente em crianças mais velhas. Opções Cirúrgicas: Reimplante ureteral (aberto, laparoscópico ou robótico) tem taxas de sucesso >95%. A injeção endoscópica de agentes de preenchimento ("stenting") é uma opção minimamente invasiva, com taxas de sucesso menores. 5. Prognóstico O prognóstico é excelente para a maioria das crianças, especialmente aquelas com RVU de baixo grau. A probabilidade de resolução espontânea diminui com o aumento do grau do refluxo e da idade da criança. O fator prognóstico mais importante para a função renal a longo prazo é a presença e a extensão das cicatrizes renais. Referências Bibliográficas 1. American Urological Association. (2017). Management and Screening of Primary Vesicoureteral Reflux in Children: AUA Guideline. 2. European Association of Urology. (2023). EAU Guidelines on Paediatric Urology. 3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2021). Infecção do Trato Urinário em Pediatria – Existe consenso entre os consensos? – Atualização 2021. Documento Científico. 4. RIVUR Trial Investigators. (2014). Antimicrobial prophylaxis for children with vesicoureteral reflux. The New England Journal of Medicine, 370(25), 2367–2376. 5. Subcommittee on Urinary Tract Infection, Steering Committee on Quality Improvement and Management. (2016). Urinary Tract Infection: Clinical Practice Guideline for the Diagnosis and Management of the Initial UTI in Febrile Infants and Children 2 to 24 Months. Pediatrics, 138(6). 6. Shaikh, N., et al. (2018). Vesicoureteral Reflux and Renal Scars: A Review for the Urologist. The Journal of Urology, 200*(4), 856-863.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor O manejo do RVU é predominantemente ambulatorial e conservador. A prioridade é tratar e prevenir a Disfunção Vesical e Intestinal (DVI), que é um dos principais motores da ITU recorrente. A profilaxia antibiótica é uma terapia seletiva, não rotineira, e sua indicação deve ser individualizada. O seguimento regular com exames de imagem e avaliação clínica é fundamental. 2. Prescrição para o Manejo da Disfunção Vesical e Intestinal (DVI) Tratamento da Constipação Prescrição (Primeira Linha): 1. Polietilenoglicol 3350 ou 4000 (PEG), sem eletrólitos, em pó para solução. 2. Dose de Manutenção: Prescrever na dose de 0,4 a 0,8 g/kg/dia, por via oral, uma vez ao dia. Orientar a titular a dose para atingir fezes pastosas e diárias. Uroterapia (Orientações para a Família) 1. Prescrever micções programadas a cada 2 a 3 horas durante o dia, independentemente da vontade. 2. Orientar postura miccional adequada (pés apoiados, joelhos afastados). 3. Garantir ingestão hídrica adequada ao longo do dia para manter a urina diluída. 3. Prescrição para Profilaxia Antibiótica Contínua (PAC) Indicação: Uso seletivo para lactentes com RVU de alto grau (IV-V) ou crianças com ITUs febris recorrentes apesar do manejo adequado da DVI. Prescrição (Opção 1 - Primeira Escolha): 1. Sulfametoxazol + Trimetoprima suspensão oral (40mg TMP/5mL). 2. Dose Profilática: Prescrever na dose de 2 mg/kg (do componente Trimetoprima), por via oral, em dose única noturna, ao deitar. Prescrição (Opção 2 - Alternativa): 1. Nitrofurantoína suspensão oral 25mg/5mL. 2. Dose Profilática: Prescrever na dose de 1 a 2 mg/kg, por via oral, em dose única noturna, ao deitar. 4. Prescrição para o Tratamento de um Episódio de ITU Aguda Ver guia específico de ITU. O tratamento deve ser imediato e com doses terapêuticas plenas. Exemplo de Prescrição para Pielonefrite (Tratamento Hospitalar): 1. Ceftriaxona 75 mg/kg/dia, IV, em dose única diária, por 2 a 4 dias. 2. Após melhora clínica, prescrever transição para antibiótico oral (ex: Cefalexina 50-100 mg/kg/dia), para completar um total de 10 a 14 dias de tratamento. 5. Prescrição de Seguimento e Monitoramento 1. Agendar consulta de retorno a cada 3 a 6 meses para avaliação clínica, monitoramento de ITUs e reforço das orientações. 2. Solicitar Ultrassonografia de Rins e Vias Urinárias anualmente. 3. Solicitar Uretrocistografia Miccional (UCM) de controle a cada 12 a 24 meses para reavaliar o grau do refluxo e a possibilidade de resolução. 4. Orientar a família a realizar Exame de Urina Tipo I (EAS) sempre que a criança apresentar febre sem foco aparente, para detecção precoce de ITU.

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