Citomegalovirose Congênita
Resumo
Definição e Contexto Clínico
A Citomegalovirose (CMV) Congênita é a infecção viral congênita mais comum em todo o mundo e a principal causa não genética de surdez neurossensorial na infância. É também uma causa importante de sequelas neurológicas a longo prazo, como paralisia cerebral e deficiência intelectual.
A transmissão vertical do citomegalovírus ocorre da mãe para o feto durante a gestação. A grande maioria dos recém-nascidos infectados (cerca de 90%) é assintomática ao nascimento. No en
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Conduta Completa
Definição e Contexto Clínico
A Citomegalovirose (CMV) Congênita é a infecção viral congênita mais comum em todo o mundo e a principal causa não genética de surdez neurossensorial na infância. É também uma causa importante de sequelas neurológicas a longo prazo, como paralisia cerebral e deficiência intelectual.
A transmissão vertical do citomegalovírus ocorre da mãe para o feto durante a gestação. A grande maioria dos recém-nascidos infectados (cerca de 90%) é assintomática ao nascimento. No entanto, uma parcela significativa desses bebês assintomáticos (10-15%) irá desenvolver perda auditiva tardiamente, o que torna o diagnóstico e o seguimento cruciais. Os 10% que nascem sintomáticos apresentam maior risco de sequelas graves.
Fisiopatologia e Transmissão Vertical
O CMV é um membro da família dos herpesvírus. A transmissão para o feto ocorre por via transplacentária durante a viremia materna. O vírus possui um tropismo especial por células do sistema nervoso central e do ouvido interno, onde causa dano por replicação viral direta, necrose celular e inflamação.
A transmissão pode ocorrer tanto na infecção materna primária (primeira vez que a mãe se infecta) quanto na infecção secundária (reativação de um vírus latente ou reinfecção por uma nova cepa).
Infecção Primária Materna: Apresenta o maior risco de transmissão fetal (30-40%) e está associada às formas mais graves da doença congênita.
Infecção Secundária Materna: O risco de transmissão é muito menor (1-2%), e a doença no feto tende a ser menos grave, devido à presença de imunidade materna parcial.
Manifestações Clínicas
A apresentação clínica é dividida em duas categorias principais:
CMV Congênito Assintomático (90% dos casos)
Por definição, o recém-nascido não apresenta sinais ou sintomas da infecção ao exame físico.
O único achado pode ser uma alteração isolada, como uma plaquetopenia leve e transitória.
Apesar da ausência de sintomas, o risco principal é o desenvolvimento de surdez neurossensorial tardia, que pode ser progressiva.
CMV Congênito Sintomático (10% dos casos)
A apresentação pode variar de moderada a grave, com envolvimento multissistêmico.
Manifestações Neurológicas: Microcefalia é o sinal mais preocupante. Outros achados incluem calcificações intracranianas (tipicamente periventriculares), ventriculomegalia, convulsões e hipotonia.
Manifestações Sistêmicas: Hepatoesplenomegalia, icterícia com hiperbilirrubinemia direta (sugestiva de hepatite), petéquias e púrpura por trombocitopenia (aspecto de "blueberry muffin"), e restrição de crescimento intrauterino (RCIU).
Manifestações Sensoriais: Coriorretinite (lesões na retina) e, a mais comum e importante, a surdez neurossensorial, que nos casos sintomáticos é frequentemente mais grave e bilateral.
Diagnóstico
O diagnóstico definitivo de infecção congênita por CMV requer a detecção do vírus no recém-nascido em amostras biológicas coletadas nos primeiros 21 dias de vida. Após esse período, é impossível diferenciar com certeza uma infecção congênita de uma adquirida no pós-natal.
Método Diagnóstico Padrão-Ouro:
PCR para CMV em amostra de urina ou saliva. A urina é ligeiramente mais sensível, mas a saliva é mais fácil de coletar. Ambas são excelentes para o diagnóstico. Um resultado positivo dentro da janela de 21 dias confirma a infecção congênita.
Avaliação da Extensão da Doença (Estadiamento): Uma vez confirmada a infecção, todo recém-nascido (sintomático ou não) deve passar por uma investigação completa para determinar a gravidade e orientar o manejo:
1. Avaliação Neurológica: Exame físico completo e neuroimagem. A Ressonância Magnética (RM) de crânio é superior à TC e ao ultrassom para avaliar a extensão da lesão cerebral e estabelecer o prognóstico.
2. Avaliação Auditiva: BERA/PEATE (Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico) é obrigatório para todos.
3. Avaliação Oftalmológica: Exame de fundo de olho para procurar por coriorretinite.
4. Exames Laboratoriais: Hemograma completo (avaliar trombocitopenia) e provas de função hepática (TGO/TGP).
Manejo e Tratamento Antiviral
Quem Tratar?
O tratamento antiviral não é para todos. As diretrizes atuais recomendam tratar:
Recém-nascidos com doença sintomática moderada a grave, especialmente aqueles com acometimento do sistema nervoso central (microcefalia, convulsões, alterações na RM) ou de órgão-alvo específico (coriorretinite com risco para a visão, hepatite grave, surdez neurossensorial).
Não há consenso para tratar os recém-nascidos assintomáticos, mesmo que desenvolvam surdez tardia. A decisão deve ser individualizada.
Opções Terapêuticas
Valganciclovir Oral: É a droga de escolha para a maioria dos casos. É uma pró-droga do ganciclovir com excelente absorção oral. O tratamento é realizado por 6 meses.
Ganciclovir Endovenoso: Reservado para o tratamento inicial de recém-nascidos gravemente enfermos que não toleram a via oral. A terapia é transicionada para valganciclovir oral assim que o bebê estiver estável.
Objetivos do Tratamento:
O tratamento antiviral demonstrou melhorar os desfechos auditivos e neurocognitivos a longo prazo em crianças com CMV congênito sintomático, embora não elimine o vírus nem cure a infecção.
Monitoramento da Toxicidade
O principal efeito adverso dos antivirais é a toxicidade hematológica, principalmente a neutropenia, que pode ser grave. É obrigatório o monitoramento com hemogramas semanais ou quinzenais durante todo o tratamento.
Seguimento de Longo Prazo
Todo recém-nascido com diagnóstico de CMV congênito, tratado ou não, necessita de seguimento multidisciplinar a longo prazo.
Seguimento Auditivo: É o mais crucial. Deve ser realizado de forma seriada e prolongada (pelo menos até a idade escolar), pois a perda auditiva pode ser tardia e/ou progressiva.
Seguimento Oftalmológico e Neurológico: Para monitorar o desenvolvimento, a visão e intervir precocemente com terapias de reabilitação.
Prevenção
A prevenção primária consiste em orientar gestantes soronegativas sobre medidas de higiene, como lavagem rigorosa das mãos após o contato com fraldas, urina ou saliva de crianças pequenas (principais fontes de transmissão do vírus), e evitar o compartilhamento de utensílios, comida ou bebida.
Referências Bibliográficas
1. Rawlinson, W. D., Boppana, S. B., Fowler, K. B., et al. (2017). Congenital cytomegalovirus infection in pregnancy and the neonate: consensus recommendations for prevention, diagnosis, and therapy. The Lancet Infectious Diseases, 17(6), e177-e188. (Um dos principais consensos internacionais sobre o tema).
2. Kimberlin, D. W., Jester, P. M., Sánchez, P. J., et al. (2015). Valganciclovir for symptomatic congenital cytomegalovirus disease. The New England Journal of Medicine, 372(10), 933-943. (Estudo pivotal que estabeleceu o tratamento de 6 meses com valganciclovir oral).
3. Luck, S. E., Wieringa, J. W., Blázquez-Gamero, D., et al. (2017). Congenital cytomegalovirus: a European expert consensus statement on diagnosis and management. The Pediatric Infectious Disease Journal, 36(12), 1205-1213. (Consenso europeu com excelentes recomendações práticas).
4. Gantt, S., Dionne, F., Kozak, F. K., et al. (2016). Cost-effectiveness of universal and targeted newborn screening for congenital cytomegalovirus infection. JAMA Pediatrics, 170(12), 1173-1180.
5. Martin, R. J., Fanaroff, A. A., & Walsh, M. C. (2020). Fanaroff and Martin's Neonatal-Perinatal Medicine (11th ed.). Elsevier. (Capítulo sobre infecções virais perinatais).
Tratamento
Orientações ao Prescritor
O diagnóstico de CMV congênito deve ser confirmado por PCR na urina ou saliva, coletados impreterivelmente antes dos 21 dias de vida. O tratamento antiviral é reservado para casos sintomáticos moderados a graves e dura 6 meses, exigindo monitoramento rigoroso da principal toxicidade: a neutropenia. O seguimento audiológico é obrigatório para TODOS os bebês com infecção congênita, tratados ou não.
Prescrição para Investigação Diagnóstica (RN Suspeito)
1. Coletar Urina e/ou Saliva e enviar para PCR para Citomegalovírus. Especificar na solicitação: "Coleta realizada com [número] dias de vida. Pesquisa para diagnóstico de infecção congênita".
2. Se PCR positivo, proceder à investigação de estadiamento:
Solicitar Ressonância Magnética (RM) de Crânio sem contraste.
Solicitar Avaliação Auditiva com BERA/PEATE (Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico).
Solicitar Avaliação Oftalmológica com fundoscopia.
Solicitar Hemograma completo com contagem de plaquetas e Função Hepática (TGO, TGP, Bilirrubinas).
Prescrição do Tratamento Antiviral
Indicações: CMV congênito sintomático com acometimento do SNC (microcefalia, alterações na RM, convulsões) e/ou doença de órgão-alvo significativa (surdez neurossensorial, coriorretinite, hepatite grave, trombocitopenia severa).
Duração Total: 6 meses.
Esquema Padrão: Valganciclovir Oral
Droga de Escolha: Valganciclovir, suspensão oral (geralmente manipulada na concentração de 50 mg/mL).
Dose: 16 mg/kg/dose, por via oral, de 12 em 12 horas.
Administração: Deve ser administrado junto com a alimentação (leite) para otimizar a absorção.
Exemplo de Prescrição (RN de 4 kg):
1. Valganciclovir suspensão oral 64 mg (correspondente a 1,3 mL da suspensão de 50 mg/mL), VO, de 12/12 horas, por 6 meses.
Esquema para Casos Graves (Terapia Inicial): Ganciclovir Endovenoso
Indicação: RN gravemente enfermo, com instabilidade clínica ou que não tolera a via oral.
Dose: 6 mg/kg/dose, IV, de 12 em 12 horas.
Administração: Infundir lentamente, em no mínimo 1 hora. Nunca administrar em bolus.
Transição: Assim que o paciente estiver clinicamente estável e tolerando dieta, a terapia deve ser trocada para Valganciclovir oral na dose padrão para completar os 6 meses de tratamento.
Prescrição para Monitoramento da Toxicidade do Tratamento
1. Hemograma completo com contagem de plaquetas:
Frequência: Semanalmente durante o primeiro mês de tratamento. Após, se estável, passar para quinzenal e depois mensal.
2. Função Renal (Ureia e Creatinina):
Frequência: Quinzenalmente no primeiro mês, depois mensalmente. A dose do antiviral deve ser ajustada se houver insuficiência renal.
Manejo da Neutropenia (Efeito Adverso Mais Comum)
Se Neutrófilos < 1.000/mm³:
1. Monitorar com hemograma 2 vezes por semana. Considerar reduzir a dose do Valganciclovir em 50%.
Se Neutrófilos < 500/mm³:
1. Suspender o Valganciclovir/Ganciclovir temporariamente.
2. Pode-se considerar o uso de Fator Estimulador de Colônias de Granulócitos (G-CSF, Filgrastim), se a neutropenia for grave e prolongada.
3. Reiniciar o antiviral (com dose reduzida, se necessário) assim que a contagem de neutrófilos se recuperar para > 750-1.000/mm³.
Prescrição de Alta e Seguimento Ambulatorial
1. Agendar consulta de seguimento audiológico com BERA/PEATE com 1, 3, 6, 9 e 12 meses de idade, e depois semestral ou anualmente até a idade escolar.
2. Agendar consulta de seguimento oftalmológico com 6 e 12 meses de idade, e depois anualmente.
3. Fornecer à família a receita do Valganciclovir, com orientações claras sobre dose, preparo e administração.
4. Entregar cronograma para coletas de hemograma de controle.
5. Fornecer encaminhamento para terapia de intervenção precoce (fisioterapia, fonoaudiologia) se houver atrasos no desenvolvimento.
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