Herpes Neonatal

Resumo

1. Definição e Contexto Clínico O Herpes Neonatal é uma infecção viral grave e potencialmente devastadora causada pelo vírus herpes simples (HSV), predominantemente o tipo 2 (HSV-2), mas também o tipo 1 (HSV-1). É considerada uma emergência médica, pois a ausência de um diagnóstico rápido e de um tratamento antiviral imediato está associada a altíssimas taxas de mortalidade e sequelas neurológicas permanentes nos sobreviventes. A transmissão ocorre mais comumente durante o parto (perinatal), pe

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Neonatal > Infecções Congênitas TORCHS > Herpes Neonatal

Conduta Completa

1. Definição e Contexto Clínico O Herpes Neonatal é uma infecção viral grave e potencialmente devastadora causada pelo vírus herpes simples (HSV), predominantemente o tipo 2 (HSV-2), mas também o tipo 1 (HSV-1). É considerada uma emergência médica, pois a ausência de um diagnóstico rápido e de um tratamento antiviral imediato está associada a altíssimas taxas de mortalidade e sequelas neurológicas permanentes nos sobreviventes. A transmissão ocorre mais comumente durante o parto (perinatal), pelo contato do recém-nascido com secreções genitais maternas infectadas. Embora rara, com uma incidência estimada de 1 a 5 casos por 10.000 nascidos vivos, sua gravidade exige um alto índice de suspeição. 2. Fisiopatologia e Fatores de Risco O HSV é um vírus DNA que, após a infecção primária, estabelece latência nos gânglios nervosos, podendo reativar periodicamente. No sistema imune imaturo do neonato, o vírus se replica de forma agressiva, causando necrose celular e inflamação intensa, com um tropismo especial pela pele, sistema nervoso central (SNC) e múltiplos órgãos (fígado, pulmões, suprarrenais). O principal fator de risco para o herpes neonatal é a infecção primária materna adquirida no terceiro trimestre da gestação. Nesse cenário, a mãe ainda não produziu anticorpos protetores para transferir ao feto, e a carga viral durante o parto é muito alta, elevando o risco de transmissão para 30-50%. Outros fatores de risco incluem lesões genitais herpéticas ativas no momento do parto e ruptura prolongada de membranas. 3. Classificação e Apresentação Clínica O Herpes Neonatal é classicamente dividido em três formas clínicas, que podem se sobrepor: 3.1. Doença de Pele, Olhos e Boca (SEM - Skin, Eyes, and Mouth) Apresentação: Geralmente entre 5 e 11 dias de vida. Clínica: Caracteriza-se por lesões vesiculares agrupadas sobre uma base eritematosa. As vesículas podem aparecer em qualquer parte do corpo, mas são mais comuns no couro cabeludo (devido ao contato com o canal de parto), face e tronco. Pode haver conjuntivite ou ceratite. Prognóstico: É a forma de melhor prognóstico, mas se não tratada, pode progredir para as formas mais graves em até 75% dos casos. 3.2. Doença do Sistema Nervoso Central (SNC) Apresentação: Tipicamente entre 16 e 19 dias de vida. Clínica: Pode ou não estar acompanhada de lesões cutâneas (cerca de 40% não as têm). Os sinais são neurológicos: convulsões (focais ou generalizadas), letargia extrema, irritabilidade, recusa alimentar, instabilidade térmica e fontanela abaulada. Prognóstico: Mesmo com tratamento, a mortalidade é de cerca de 6% e as sequelas neurológicas (paralisia cerebral, deficiência intelectual, epilepsia) são comuns, afetando cerca de 70% dos sobreviventes. 3.3. Doença Disseminada Apresentação: É a forma mais grave e de início mais precoce, geralmente entre 10 e 12 dias de vida. Clínica: Manifesta-se como um quadro de sepse viral fulminante. Há envolvimento de múltiplos órgãos: hepatite grave com insuficiência hepática, pneumonite, instabilidade hemodinâmica (choque), e coagulação intravascular disseminada (CIVD). O envolvimento do SNC ocorre em cerca de 75% desses casos. As lesões cutâneas podem estar ausentes no início do quadro. Prognóstico: A mortalidade é alta, em torno de 30%, mesmo com tratamento. 4. Diagnóstico Um alto índice de suspeição é fundamental. O tratamento antiviral deve ser iniciado empiricamente assim que a suspeita for levantada, sem aguardar a confirmação laboratorial. 4.1. Método Diagnóstico Padrão-Ouro PCR (Reação em Cadeia da Polimerase) para HSV: É o teste de escolha. Deve-se coletar amostras de múltiplos sítios: Swab da base das lesões de pele/vesículas. Líquor (LCR): Obrigatório em TODOS os casos suspeitos para avaliar o envolvimento do SNC. Sangue (plasma): Para diagnosticar a doença disseminada. Swabs de conjuntiva, boca e nasofaringe. 4.2. Exames Complementares Análise do Líquor (LCR): Na encefalite herpética, tipicamente mostra pleocitose (aumento de células, geralmente linfócitos) e proteinorraquia elevada. Neuroimagem: A Ressonância Magnética (RM) de crânio é o melhor método para avaliar a extensão da lesão cerebral, classicamente mostrando alterações nos lobos temporais. Eletroencefalograma (EEG): Útil para detectar atividade convulsiva, inclusive subclínica. Exames Laboratoriais: Hemograma (pode mostrar leucopenia/plaquetopenia), provas de função hepática (TGO/TGP elevadas na doença disseminada) e coagulograma. 5. Manejo e Tratamento O tratamento é uma emergência médica. Droga de Escolha: Aciclovir Endovenoso em altas doses é o único tratamento comprovadamente eficaz. Posologia: 20 mg/kg/dose, IV, a cada 8 horas. Duração do Tratamento: Doença SEM: 14 dias. Doença do SNC e Disseminada: Mínimo de 21 dias. Em casos de encefalite, o tratamento pode ser prolongado se o PCR no líquor permanecer positivo ao final dos 21 dias. Monitoramento: A principal toxicidade do aciclovir em altas doses é a nefrotoxicidade por cristalúria. É mandatório garantir uma hidratação venosa vigorosa e monitorar a função renal (creatinina) de perto. A neutropenia também pode ocorrer, mas é menos comum. 5.1. Terapia Supressiva Oral Pós-Tratamento Para neonatos que tiveram doença do SNC ou doença disseminada, recomenda-se uma terapia supressiva com aciclovir oral (300 mg/m²/dose, 3 vezes ao dia) por 6 meses após o término do tratamento endovenoso. Esta terapia demonstrou melhorar significativamente os desfechos neurológicos. 6. Prevenção A prevenção foca na identificação de gestantes em risco. Pré-natal: Investigar a história de herpes genital na gestante e seu parceiro. Terapia Supressiva Materna: Recomenda-se o uso de aciclovir ou valaciclovir para a gestante a partir de 36 semanas de gestação se ela tiver um primeiro episódio de herpes genital durante a gravidez ou lesões recorrentes. Via de Parto: A cesariana eletiva está indicada se a mãe apresentar lesões genitais herpéticas ativas ou pródromos (ardor, dor) no momento do início do trabalho de parto. 7. Referências Bibliográficas Kimberlin, D. W., et al. (2013). Safety and efficacy of high-dose acyclovir in the management of neonatal herpes simplex virus infections. Pediatrics, 131(4), e1241-e1247. (Estudo fundamental que estabeleceu as altas doses de aciclovir). American Academy of Pediatrics. Herpes Simplex. In: Red Book: 2021–2024 Report of the Committee on Infectious Diseases. 32nd ed. Itasca, IL: AAP; 2021:423-436. (Guia de referência principal). Pinninti, S. G., & Kimberlin, D. W. (2018). Neonatal Herpes Simplex Virus Infections. Clinics in Perinatology, 45(2), 291-303. (Excelente revisão clínica). James, S. H., & Kimberlin, D. W. (2015). Neonatal Herpes Simplex Virus Infection: A-to-Z. NeoReviews, 16(10), e554-e565. Corey, L., & Wald, A. (2009). Maternal and neonatal herpes simplex virus infections. The New England Journal of Medicine, 361(14), 1376-1385.

Tratamento

Orientações ao Prescritor O Herpes Neonatal é uma emergência médica. Inicie o Aciclovir IV empiricamente em qualquer recém-nascido com suspeita clínica, especialmente na presença de vesículas, convulsões ou quadro de sepse sem resposta a antibióticos. Não aguarde a confirmação laboratorial. A hidratação venosa vigorosa é mandatória para prevenir a nefrotoxicidade. Prescrição de Admissão e Investigação Diagnóstica Admitir em UTI Neonatal. Iniciar Precauções de Contato e Padrão. Manter em jejum oral (NPO) se houver envolvimento do SNC ou doença disseminada. Prescrever Hidratação Venosa (HV): Taxa hídrica de 1,5 a 2 vezes a necessidade basal (ex: 120-150 mL/kg/dia) para garantir diurese e prevenir nefrotoxicidade. Coletar amostras para PCR para HSV ANTES de iniciar o antiviral: Swab da base de vesículas cutâneas (se presentes). Líquor (2 mL) - OBRIGATÓRIO em todos os casos suspeitos. Sangue (plasma). Swabs de conjuntiva e boca. Coletar exames de estadiamento: Hemograma completo, TGO, TGP, bilirrubinas, coagulograma, creatinina. Solicitar EEG (Eletroencefalograma) e agendar RM de crânio. Prescrição do Tratamento Antiviral (Aciclovir IV) Dose Padrão para TODAS as formas clínicas: Aciclovir 20 mg/kg/dose, por via endovenosa, a cada 8 horas. Administração: A infusão deve ser lenta, em no mínimo 1 hora. Nunca administrar em bolus. A concentração final da solução diluída não deve exceder 7 mg/mL para evitar flebite. Duração: 14 dias para doença limitada à pele, olhos e boca (SEM). 21 dias para doença do SNC ou doença disseminada. Exemplo de Prescrição (RN de 3 kg): Aciclovir 60 mg, IV, de 8/8 horas (infundir em 1 hora). Solução de Hidratação Parenteral (ex: Glicose 10% + Eletrólitos) 18 mL/h (total de 144 mL/kg/dia). Monitoramento Durante o Tratamento Monitorar Função Renal DIARIAMENTE: Dosar Ureia e Creatinina. Se a creatinina aumentar, ajustar a dose do aciclovir. Manter Balanço Hídrico rigoroso e observar diurese (> 1 mL/kg/h). Monitorar Hemograma e Provas de Função Hepática 2 vezes por semana. Ao final dos 21 dias de tratamento para doença do SNC, considerar repetir a punção lombar para verificar se o PCR para HSV no líquor negativou. Se persistir positivo, a extensão do tratamento deve ser discutida. Prescrição para Tratamento de Suporte Convulsões: Primeira Linha: Fenobarbital. Dose de ataque de 20 mg/kg, IV. Manutenção de 3-5 mg/kg/dia. Coagulopatia (na doença disseminada): Prescrição: Transfusão de Plasma Fresco Congelado 10-15 mL/kg, IV, se TP/TTPA alargados. Transfusão de Plaquetas se contagem < 50.000/mm³ com sangramento. Lesões Oculares: Prescrição: Solicitar avaliação oftalmológica. Além do aciclovir sistêmico, pode ser necessário tratamento tópico com colírios antivirais (ex: Trifluridina), prescritos pelo oftalmologista. Prescrição de Alta e Terapia Supressiva Oral Indicação para Terapia Supressiva: Para todos os bebês que sobreviveram à doença do SNC ou disseminada. Droga: Aciclovir suspensão oral. Dose: 300 mg/m²/dose, por via oral, 3 vezes ao dia. (O cálculo é por área de superfície corporal, necessitando de ajuste periódico com o crescimento). Duração: 6 meses. Exemplo de Prescrição de Alta: Aciclovir suspensão oral [calcular dose em mg], VO, de 8/8 horas, por 6 meses. Agendar retorno em 1 mês para reavaliação clínica e laboratorial. Encaminhar para seguimento multidisciplinar (Neurologia, Oftalmologia, Fisioterapia, Fonoaudiologia). Orientar a família sobre o reconhecimento de lesões recorrentes e a importância da adesão ao tratamento supressivo.

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