Defeitos do Tubo Neural

Resumo

Definição, Embriologia e Prevenção Os Defeitos do Tubo Neural (DTN) são malformações congênitas graves do sistema nervoso central que ocorrem por uma falha no fechamento do tubo neural durante a terceira e quarta semanas de gestação. Representam a segunda anomalia congênita mais comum, com um impacto profundo na vida do paciente e de sua família. A forma mais comum e clinicamente significativa é a mielomeningocele, um defeito aberto onde a medula espinhal e suas meninges ficam expostas através

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Neonatal > Malformações Neonatais > Defeitos do Tubo Neural

Conduta Completa

Definição, Embriologia e Prevenção Os Defeitos do Tubo Neural (DTN) são malformações congênitas graves do sistema nervoso central que ocorrem por uma falha no fechamento do tubo neural durante a terceira e quarta semanas de gestação. Representam a segunda anomalia congênita mais comum, com um impacto profundo na vida do paciente e de sua família. A forma mais comum e clinicamente significativa é a mielomeningocele, um defeito aberto onde a medula espinhal e suas meninges ficam expostas através de uma abertura na coluna vertebral. A anencefalia, a ausência do cérebro e da calota craniana, é a forma mais grave e incompatível com a vida. A prevenção primária é uma das histórias de maior sucesso da saúde pública. A suplementação com ácido fólico no período periconcepcional (pelo menos 1 mês antes de engravidar e durante o primeiro trimestre) demonstrou reduzir a incidência de DTN em 50-70%. Classificação dos Defeitos do Tubo Neural A classificação mais prática divide os DTN em abertos e fechados: Defeitos Abertos (ou Disrafismos Espinhais Abertos): Há exposição do tecido neural ao ambiente. São os mais graves e incluem a mielomeningocele e a anencefalia. Requerem intervenção cirúrgica de urgência. Defeitos Fechados (ou Ocultos): O defeito é coberto por pele, embora possa haver um marcador cutâneo (tufo de pelos, hemangioma, fosseta sacral). Incluem a espinha bífida oculta e a meningocele. O prognóstico neurológico é significativamente melhor. Diagnóstico e Avaliação Clínica Diagnóstico Pré-natal Atualmente, a maioria dos DTN é diagnosticada no pré-natal através de: Ultrassonografia Morfológica: Realizada no segundo trimestre, pode identificar a lesão na coluna e os sinais cranianos clássicos associados à mielomeningocele (o "sinal do limão", pela deformidade do osso frontal, e o "sinal da banana", pelo formato anormal do cerebelo). Dosagem de Alfafetoproteína (AFP): Níveis elevados no soro materno ou no líquido amniótico são sugestivos de um defeito aberto. Avaliação Imediata ao Nascimento (Mielomeningocele) O nascimento de um bebê com mielomeningocele é uma emergência que exige uma abordagem sistemática: 1. Proteção da Lesão: Este é o passo mais crítico e imediato. A placa neural exposta deve ser coberta com uma compressa de gaze estéril, não aderente, umedecida com Soro Fisiológico 0,9% estéril. A cobertura deve ser trocada regularmente para evitar o ressecamento e o dano ao tecido neural. O recém-nascido deve ser posicionado estritamente em decúbito ventral. 2. Exame Neurológico Detalhado: Avaliar o nível da lesão, observando a movimentação espontânea dos membros inferiores e a resposta a estímulos. O nível motor determina o prognóstico funcional. 3. Investigação de Anomalias Associadas: Hidrocefalia e Malformação de Chiari II: Estão presentes em mais de 80% dos casos. Medir o perímetro cefálico ao nascer e diariamente. Realizar um ultrassom transfontanelar para avaliar o tamanho dos ventrículos. Anomalias Ortopédicas: Procurar por pé torto congênito e luxação de quadril. Anomalias Urológicas: A bexiga neurogênica é universal. Manejo Cirúrgico Fechamento da Mielomeningocele: A cirurgia deve ser realizada em caráter de urgência, idealmente nas primeiras 24 a 72 horas de vida. Os objetivos são prevenir a infecção do sistema nervoso central (meningite), preservar o máximo de tecido neural funcional e fechar o defeito para permitir o manejo do paciente. Manejo da Hidrocefalia: A maioria das crianças necessitará de tratamento para a hidrocefalia progressiva. A principal abordagem é a implantação de uma Derivação Ventrículo-Peritoneal (DVP), um sistema de válvula e cateteres que drena o excesso de líquor dos ventrículos para a cavidade abdominal. Manejo das Complicações e Seguimento Multidisciplinar O cuidado de uma criança com mielomeningocele é complexo e para toda a vida, exigindo uma equipe multidisciplinar. Sistema Nervoso Central: Acompanhamento neurocirúrgico contínuo para o manejo da DVP, monitoramento da malformação de Chiari II (que pode causar problemas respiratórios e de deglutição) e da medula ancorada (uma complicação tardia). Sistema Urinário: A bexiga neurogênica é a maior causa de morbidade a longo prazo, podendo levar à insuficiência renal. O manejo padrão-ouro é o cateterismo vesical intermitente limpo, realizado a cada 4-6 horas para esvaziar a bexiga, associado ou não a medicamentos anticolinérgicos. O seguimento urológico é fundamental. Sistema Ortopédico: Fisioterapia precoce e contínua é essencial. Muitos pacientes necessitarão de órteses para auxiliar na marcha e cirurgias corretivas para deformidades nos pés, quadris e coluna (escoliose). Sistema Gastrointestinal: A constipação por intestino neurogênico é comum e requer um programa de manejo intestinal. Prognóstico O prognóstico funcional depende quase inteiramente do nível da lesão medular. Lesões sacrais baixas podem permitir que a criança ande com pouca ou nenhuma ajuda, enquanto lesões torácicas resultam em paraplegia, com necessidade de cadeira de rodas. Com o manejo multidisciplinar moderno, a expectativa de vida é superior a 85%, e a maioria dos indivíduos tem inteligência normal e pode levar uma vida produtiva e independente. Referências Bibliográficas 1. Adzick, N. S., Thom, E. A., Spong, C. Y., et al. (2011). A randomized trial of prenatal versus postnatal repair of myelomeningocele. The New England Journal of Medicine, 364(11), 993-1004. (Estudo MOMS, um marco que estabeleceu os benefícios da cirurgia fetal em casos selecionados). 2. Copp, A. J., Adzick, N. S., Chitty, L. S., et al. (2015). Spina bifida. Nature Reviews Disease Primers, 1, 15007. (Revisão completa e atual sobre todos os aspectos da doença). 3. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). (2018). Defeitos do fechamento do tubo neural. Documento Científico. (Diretriz nacional para a abordagem). 4. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). (2022). Folic Acid: Recommendations. (Referência principal para as diretrizes de prevenção com ácido fólico). 5. Bowman, R. M., & McLone, D. G. (2010). Neurosurgical management of the child with spina bifida. Physical Medicine and Rehabilitation Clinics of North America, 21*(4), 779-794. (Visão prática do manejo neurocirúrgico).

Tratamento

Orientações ao Prescritor O nascimento de um bebê com mielomeningocele é uma emergência neurocirúrgica. As prioridades imediatas são a proteção do defeito neural para prevenir infecção e ressecamento, e a avaliação sistêmica para planejar a cirurgia, que deve ocorrer em 24-72h. O manejo é multidisciplinar desde o primeiro minuto de vida. Prescrição para Cuidados Imediatos ao Nascimento (Mielomeningocele) Admitir em UTI Neonatal, em incubadora aquecida e umidificada. Posicionamento: Manter o recém-nascido estritamente em decúbito ventral, com coxins para evitar pressão sobre o rosto e joelhos. Curativo na Lesão: Cobrir a placa neural exposta com uma compressa de gaze estéril, não aderente, generosamente umedecida com Soro Fisiológico 0,9% estéril. Cobrir a gaze úmida com um filme plástico estéril para manter a umidade e a temperatura. Trocar o curativo a cada 4-6 horas ou sempre que secar, utilizando técnica asséptica rigorosa. Manter em Jejum (NPO) para programação cirúrgica. Instalar Acesso Venoso Periférico e iniciar Hidratação Venosa (HV) com solução glicofisiológica, conforme necessidade basal (ex: 80 mL/kg/dia). Iniciar Antibioticoterapia Profilática: Exemplo: Ampicilina 50 mg/kg/dose IV de 12/12h e Gentamicina 5 mg/kg/dose IV a cada 36-48h (ajustar conforme idade gestacional). Medir Perímetro Cefálico (PC) e registrar. Prescrição para Avaliação e Preparo Pré-Operatório Solicitar avaliação da Neurocirurgia Pediátrica com urgência. Solicitar Ultrassom Transfontanelar para avaliar a presença e o grau de hidrocefalia. Coletar exames laboratoriais: Hemograma completo, coagulograma, tipagem sanguínea e provas de compatibilidade (reservar concentrado de hemácias). Prescrição Pós-Operatória (Fechamento do Defeito) Manter em decúbito ventral ou lateral por 5-7 dias para proteger a sutura cirúrgica. Analgesia: Primeira Linha: Dipirona 15-20 mg/kg/dose IV de 6/6h ou Paracetamol 10-15 mg/kg/dose IV de 6/6h, de forma regrada nas primeiras 48-72h. Resgate para Dor Intensa: Morfina 0.05-0.1 mg/kg/dose IV a cada 4-6h, se necessário. Monitoramento Neurológico: Medir Perímetro Cefálico diariamente e registrar em gráfico. Avaliar tensão da fontanela anterior e estado de consciência. Cuidados com a Ferida Operatória: Manter curativo limpo e seco. Observar sinais de infecção ou fístula liquórica. Manejo da Bexiga Neurogênica Indicação: Praticamente universal em pacientes com mielomeningocele. O objetivo é proteger os rins. Prescrição Inicial: Iniciar Cateterismo Vesical Intermitente (CVI) com sonda uretral de fino calibre, a cada 4 horas, para garantir o esvaziamento completo da bexiga. Registrar o volume residual e o volume total de diurese. Solicitar avaliação da Urologia Pediátrica para planejamento de longo prazo. Prescrição de Alta e Orientações para a Família Encaminhamento para equipe multidisciplinar: Agendar consultas com Neurocirurgia, Urologia, Ortopedia, Fisioterapia e Médico Fisiatra. Treinamento Familiar: A família deve ser exaustivamente treinada, antes da alta, a realizar o Cateterismo Vesical Intermitente (CVI) em casa. Orientações de Posicionamento e Cuidados com a Pele: Ensinar como posicionar a criança para evitar úlceras de pressão e como cuidar da ferida operatória. Sinais de Alerta: Fornecer uma lista clara de sinais de alerta para procurar o serviço de emergência, especialmente os relacionados à disfunção da DVP (vômitos, irritabilidade, abaulamento da fontanela) e infecção do trato urinário.

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