Displasia do Desenvolvimento do Quadril

Resumo

1. Definição e Fisiopatologia A Displasia do Desenvolvimento do Quadril (DDQ) refere-se a um espectro de anormalidades anatômicas que afetam a articulação coxofemoral do recém-nascido e do lactente. Essa condição abrange desde uma frouxidão ligamentar com instabilidade leve, passando por uma subluxação (deslocamento parcial), até a luxação completa da cabeça femoral para fora do acetábulo. É a anormalidade ortopédica mais comum no período neonatal. Sua importância reside no fato de que um diagn

Categoria

Neonatal > Malformações Neonatais > Displasia do Desenvolvimento do Quadril

Conduta Completa

1. Definição e Fisiopatologia A Displasia do Desenvolvimento do Quadril (DDQ) refere-se a um espectro de anormalidades anatômicas que afetam a articulação coxofemoral do recém-nascido e do lactente. Essa condição abrange desde uma frouxidão ligamentar com instabilidade leve, passando por uma subluxação (deslocamento parcial), até a luxação completa da cabeça femoral para fora do acetábulo. É a anormalidade ortopédica mais comum no período neonatal. Sua importância reside no fato de que um diagnóstico e tratamento precoces levam a resultados excelentes, enquanto um diagnóstico tardio pode resultar em sequelas permanentes, como claudicação (manqueira), dor crônica e desenvolvimento de artrose precoce na vida adulta. A fisiopatologia é multifatorial, envolvendo uma interação entre: Fatores Genéticos: Há uma clara predisposição familiar, indicando um componente genético na frouxidão ligamentar. Fatores Hormonais: A exposição à relaxina, um hormônio materno que atravessa a placenta, aumenta a frouxidão dos ligamentos do bebê, especialmente no sexo feminino. Fatores Mecânicos Intrauterinos: A posição do feto no útero é crucial. A apresentação pélvica, especialmente com os joelhos estendidos, força os quadris em uma posição de adução que favorece a instabilidade e a luxação. Oligoidrâmnio (pouco líquido amniótico) e a primogenitura (primeira gestação, com útero menos complacente) também contribuem ao restringir o espaço fetal. 2. Fatores de Risco A identificação de fatores de risco é fundamental para a estratégia de triagem. Os fatores mais importantes são conhecidos como os "4 Fs": Feminino: O sexo feminino tem um risco 4 a 8 vezes maior. Familiar: História familiar positiva para DDQ aumenta o risco significativamente. Feto Pélvico: A apresentação pélvica é o fator de risco isolado mais forte. Primeiro Filho: A primogenitura é um fator de risco moderado. 3. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico precoce é baseado no exame físico seriado de todos os recém-nascidos. Exame Físico no Período Neonatal (0 a 3 meses) Nesta fase, o exame busca detectar a instabilidade do quadril através de manobras provocativas: Manobra de Ortolani: É uma manobra de redução. Com o bebê em decúbito dorsal e os quadris fletidos, o examinador abduz suavemente os quadris enquanto aplica uma leve pressão anterior sobre o trocânter maior. Um "clunk" (ressalto) palpável e, por vezes, audível, indica que a cabeça femoral, que estava luxada, foi reduzida para dentro do acetábulo. Este é um sinal de um quadril luxado, mas redutível. Manobra de Barlow: É uma manobra de luxação. Partindo da posição de Ortolani, o examinador aduz o quadril enquanto aplica uma suave pressão posterior. Um "clunk" de saída indica que a cabeça femoral foi deslocada do acetábulo. Este é um sinal de um quadril instável, que é luxável. Exame Físico no Lactente (> 3 meses) Após os 2-3 meses, a instabilidade diminui devido ao desenvolvimento de contraturas musculares. As manobras de Ortolani e Barlow tornam-se negativas, e o sinal clínico mais importante passa a ser a limitação da abdução. Limitação da Abdução: Com os quadris fletidos a 90°, a abdução normal é de 75-90°. Uma abdução limitada a menos de 60° é um sinal altamente suspeito de DDQ. Outros Sinais Tardios: Assimetria de pregas cutâneas (sinal pouco específico, mas que deve levantar suspeita), sinal de Galeazzi (encurtamento aparente de um fêmur quando os joelhos são flexionados) e, na criança que já anda, claudicação e marcha de Trendelenburg. Diagnóstico por Imagem Ultrassonografia de Quadris (Método de Graf): É o padrão-ouro para o diagnóstico em crianças com menos de 4-6 meses, pois a maior parte da articulação ainda é cartilaginosa. Permite uma avaliação tanto morfológica (medida dos ângulos alfa e beta para classificar a maturidade do acetábulo) quanto dinâmica (observação da estabilidade durante as manobras). É indicada em todos os casos de exame físico duvidoso ou alterado, e para triagem de bebês com fatores de risco importantes (pélvico, história familiar). Radiografia da Bacia: Torna-se o exame de escolha após os 4-6 meses de idade, quando o núcleo de ossificação da cabeça femoral aparece, permitindo uma avaliação confiável das relações anatômicas. 4. Manejo e Tratamento O princípio fundamental é: quanto mais precoce o tratamento, mais simples, mais curto e mais eficaz ele será. Manejo de 0 a 6 meses: Tratamento de Escolha: Suspensório de Pavlik. Este é um dispositivo dinâmico que mantém os quadris do bebê em uma posição de flexão e abdução ("posição de rã"), mas permite o movimento. Esta posição direciona a cabeça femoral para o centro do acetábulo, estimulando o desenvolvimento normal de ambos. A taxa de sucesso é altíssima (85-95%) quando bem indicado e utilizado. Manejo de 6 a 18 meses: Nesta fase, o suspensório de Pavlik já não é eficaz. O tratamento geralmente consiste em redução fechada (manipulação do quadril sob anestesia geral para colocar a cabeça femoral no lugar) seguida pela imobilização em um gesso pelvipodálico por cerca de 3 meses. Manejo após 18 meses: O diagnóstico tardio geralmente requer tratamento cirúrgico com redução aberta (cirurgia para reposicionar a cabeça femoral) e, frequentemente, osteotomias (cortes nos ossos) para corrigir as deformidades do fêmur e do acetábulo. 5. Complicações Doença Não Tratada: A principal consequência é o desenvolvimento de artrose (osteoartrite) precoce do quadril, geralmente a partir dos 40 anos, causando dor e limitação funcional significativas. Complicações do Tratamento: A mais temida é a necrose avascular da cabeça femoral, uma lesão por falta de suprimento sanguíneo que pode ocorrer se a redução for forçada ou se o quadril for imobilizado em posições extremas. A paralisia do nervo femoral é uma complicação rara do suspensório de Pavlik, geralmente reversível com o ajuste do dispositivo. 6. Prognóstico O prognóstico é diretamente ligado à idade do diagnóstico. Quando diagnosticada e tratada nos primeiros meses de vida, a grande maioria das crianças terá um desenvolvimento do quadril completamente normal e uma vida sem limitações. O diagnóstico tardio aumenta a complexidade do tratamento e o risco de sequelas permanentes. 7. Referências Bibliográficas 1. American Academy of Pediatrics. (2016). Clinical Practice Guideline for the Management of Developmental Dysplasia of the Hip in Infants up to 6 Months of Age. Pediatrics, 138(6), e20163107. (Diretriz clínica essencial da AAP). 2. Graf, R. (2006). Hip sonography: diagnosis and management of infant hip dysplasia (2nd ed.). Springer. (O livro de referência do criador do método de ultrassonografia padrão). 3. Shorter, D., Hong, T., & Osborn, D. A. (2013). Screening programmes for developmental dysplasia of the hip in newborn infants. Cochrane Database of Systematic Reviews, (1). (Revisão sistemática sobre as estratégias de triagem). 4. International Hip Dysplasia Institute (IHDI). (Site da organização). (Fonte confiável e atualizada para profissionais e famílias. Disponível em: hipdysplasia.org). 5. Sociedade Brasileira de Ortopedia Pediátrica (SBOP). (2019). Displasia do desenvolvimento do quadril: diretrizes de triagem*. (Diretriz nacional).

Tratamento

Orientações ao Prescritor O manejo da DDQ na atenção primária e na maternidade é focado na triagem universal e no encaminhamento oportuno. Todo recém-nascido deve ter seus quadris examinados. Diante de qualquer alteração no exame físico ou da presença de fatores de risco significativos, a investigação com ultrassom e a avaliação por um ortopedista pediátrico são mandatórias. Prescrição para Triagem Indicação: Para todos os recém-nascidos antes da alta da maternidade e em todas as consultas de puericultura até que a criança ande. Procedimento: 1. Realizar exame físico completo dos quadris, incluindo inspeção (simetria de pregas), avaliação da abdução e as manobras de Ortolani e Barlow. 2. Registrar detalhadamente os achados em prontuário: "Manobras de Ortolani e Barlow negativas. Abdução simétrica e completa." ou "Manobra de Ortolani positiva à esquerda (ressalto de redução)." Prescrição para Investigação por Imagem (Ultrassonografia) Indicação: Obrigatória: Exame físico com instabilidade confirmada (Ortolani/Barlow positivos) ou limitação da abdução. Fortemente Recomendada: Presença de fatores de risco maiores (apresentação pélvica ou história familiar positiva). Exemplo de Prescrição/Encaminhamento: 1. Solicito Ultrassonografia de quadris (Método de Graf). 2. Indicação: [Ex: Exame clínico com Ortolani positivo à direita / RN nascido de parto pélvico]. 3. Idade para realização: Idealmente entre 4 e 6 semanas de vida. Orientações para a Família (Medidas Gerais e Uso do Suspensório de Pavlik) Estas são "prescrições" de cuidado que devem ser fornecidas à família. Orientações Gerais de Posicionamento (para todos os bebês): Evitar o uso de "charutinhos" ou qualquer prática que mantenha as pernas do bebê esticadas e juntas (em adução). Ao carregar o bebê em slings ou cangurus, prefira posições que mantenham os quadris abertos e flexionados (posição de "rã" ou "montado"). Prescrição de Cuidados com o Suspensório de Pavlik: Indicação: Tratamento da DDQ em bebês com menos de 6 meses. Orientações para a Família: 1. Uso Contínuo: O suspensório deve ser usado por 23 horas por dia, sendo removido apenas para o banho, conforme orientação do ortopedista. Nunca remova o dispositivo sem autorização médica. 2. Cuidados com a Pele: Colocar sempre uma camiseta de algodão por baixo das alças do suspensório. Verificar diariamente todas as áreas de contato da pele (pescoço, ombros, pernas) em busca de vermelhidão ou assaduras. 3. Troca de Fraldas: A fralda deve ser trocada por baixo das tiras do suspensório, sem removê-lo. 4. Vestuário: Utilizar roupas largas por cima do dispositivo. 5. Sinais de Alerta: Contatar o médico imediatamente se o bebê parar de mover ativamente uma das pernas, se os pés ficarem pálidos ou frios, ou se surgirem feridas na pele. Encaminhamento para Especialista Indicação: Todo caso com exame físico alterado ou ultrassonografia anormal. Exemplo de Prescrição/Encaminhamento: 1. Encaminho ao Ortopedista Pediátrico para avaliação e manejo especializado. 2. Motivo: [Ex: Recém-nascido com manobra de Ortolani positiva à esquerda / Lactente de 4 meses com limitação da abdução do quadril direito / USG de quadris evidenciando displasia tipo IIc].

Acesso Interativo

Acesse o conteúdo completo e interativo em Displasia do Desenvolvimento do Quadril