Hipospádia

Resumo

1. Definição e Contexto Clínico A hipospádia é uma anomalia congênita do pênis caracterizada pela localização anormal do meato uretral na face ventral do órgão, podendo situar-se desde a glande até o períneo. Esta condição resulta de um desenvolvimento incompleto da uretra anterior, do corpo esponjoso e do prepúcio. Com uma incidência aproximada de 1 em cada 250-300 nascimentos masculinos, representa uma das malformações genitais mais comuns. 2. Fisiopatologia A hipospádia ocorre por uma falha

Categoria

Neonatal > Malformações Neonatais > Hipospádia

Conduta Completa

1. Definição e Contexto Clínico A hipospádia é uma anomalia congênita do pênis caracterizada pela localização anormal do meato uretral na face ventral do órgão, podendo situar-se desde a glande até o períneo. Esta condição resulta de um desenvolvimento incompleto da uretra anterior, do corpo esponjoso e do prepúcio. Com uma incidência aproximada de 1 em cada 250-300 nascimentos masculinos, representa uma das malformações genitais mais comuns. 2. Fisiopatologia A hipospádia ocorre por uma falha na fusão das pregas uretrais na linha média ventral do pênis, processo que normalmente se completa até a 14ª semana de gestação. A etiologia é multifatorial, envolvendo interrupções na cascata de sinalização androgênica, seja por produção deficiente de testosterona, conversão inadequada para di-hidrotestosterona (DHT) pela enzima 5-alfa-redutase, ou por defeitos nos receptores androgênicos. Fatores ambientais e genéticos também contribuem para a patogênese. 3. Etiologia e Fatores de Risco A causa exata permanece desconhecida na maioria dos casos, mas a etiologia é considerada multifatorial. Fatores Genéticos: A hereditariedade desempenha um papel, com maior incidência em famílias com histórico da condição. Fatores Hormonais: Defeitos na produção ou ação da testosterona e seus metabólitos são centrais. O uso de progestógenos durante a gestação também é um fator de risco. Fatores Maternos e Ambientais: Idade materna avançada, fertilização in vitro e exposição a disruptores endócrinos durante a gestação são associados a um risco aumentado. 4. Avaliação Clínica e Diagnóstico O diagnóstico da hipospádia é eminentemente clínico, realizado através do exame físico logo após o nascimento. A avaliação por um urologista pediátrico é recomendada para confirmação e planejamento terapêutico. Manifestações Clínicas Os achados característicos incluem: Posição Anormal do Meato Uretral: Localizado em qualquer ponto da face ventral do pênis, desde a glande (distal) até o períneo (proximal). Prepúcio em Capuchão: O prepúcio é incompleto ventralmente, com excesso de pele na região dorsal. Curvatura Peniana Ventral (Chordee): Uma curvatura do pênis para baixo, mais pronunciada durante a ereção, especialmente em formas mais proximais. Glande com Fenda: A glande pode ter uma aparência achatada ou com uma fenda na sua porção ventral. Transposição Peno-escrotal: Em casos graves, o escroto pode parecer estar posicionado acima do pênis. Exame Físico A avaliação deve documentar a localização exata do meato, a presença e o grau de curvatura peniana, a qualidade da placa uretral (tecido que formaria a uretra) e a morfologia do prepúcio. Em casos de hipospádia proximal associada a criptorquidia, uma avaliação para distúrbios do desenvolvimento sexual é mandatória, podendo incluir cariótipo e avaliação endocrinológica. Diagnóstico Diferencial O principal diagnóstico diferencial se dá com a epispádia, onde o meato se localiza na face dorsal do pênis. Em casos de genitália ambígua, outras condições relacionadas a distúrbios do desenvolvimento sexual devem ser investigadas. 5. Exames Complementares Na maioria dos casos de hipospádia distal, exames complementares não são necessários. Em formas proximais (peno-escrotal, perineal) ou quando associada a outras anomalias (ex: criptorquidia), a investigação pode ser indicada. Cariótipo e Avaliação Hormonal: Indicados na suspeita de distúrbio do desenvolvimento sexual. Ultrassonografia do Trato Urinário: Pode ser realizada para rastrear anomalias renais ou do trato urinário superior, embora a associação seja baixa em casos isolados. 6. Manejo e Tratamento O tratamento da hipospádia é cirúrgico, com o objetivo de corrigir a anomalia para permitir a micção em pé, obter um resultado estético satisfatório e garantir uma função sexual normal no futuro. Formas muito leves, como a hipospádia glandular sem curvatura, podem não necessitar de correção cirúrgica. Momento da Cirurgia A correção cirúrgica é idealmente realizada entre 6 e 18 meses de idade. Este período minimiza o trauma psicológico para a criança e aproveita a boa capacidade de cicatrização tecidual. É fundamental que a circuncisão não seja realizada ao nascimento, pois o prepúcio é frequentemente utilizado nos retalhos para a reconstrução uretral (uretroplastia). Terapia Hormonal Pré-operatória Em casos selecionados com pênis de tamanho reduzido ou glande pequena, a estimulação androgênica pré-operatória com testosterona (tópica ou intramuscular) pode ser utilizada para aumentar o tamanho do pênis e a vascularização local, facilitando a cirurgia. Técnicas Cirúrgicas A escolha da técnica depende da localização do meato e da presença de curvatura. Os objetivos cirúrgicos são: 1. Orto-plastia: Correção da curvatura peniana. 2. Uretroplastia: Construção de um novo canal uretral (neouretra). 3. Meatoplastia e Glanduloplastia: Posicionamento do novo meato na ponta da glande. 4. Escrotoplastia e Cobertura Cutânea: Correção de anomalias escrotais e cobertura da pele peniana. A maioria dos casos é corrigida em um único tempo cirúrgico, mas formas mais complexas podem exigir múltiplos estágios. 7. Complicações As complicações pós-operatórias, embora pouco frequentes com cirurgiões experientes, podem ocorrer. Fístula Uretrocutânea: A complicação mais comum, caracterizada por um pequeno orifício na neouretra que causa vazamento de urina. Estenose de Meato ou Neouretra: Estreitamento do novo canal uretral. Deiscência da Sutura: Abertura da linha de sutura, especialmente na glande. Curvatura Residual: Persistência de curvatura peniana. Infecção: Rara, mas pode comprometer o resultado cirúrgico. 8. Prognóstico e Seguimento Com a correção cirúrgica adequada, o prognóstico funcional e estético é excelente na maioria dos casos. O seguimento com o urologista pediátrico é necessário após a cirurgia para monitorar a cicatrização e identificar precocemente quaisquer complicações. Recomenda-se uma avaliação na puberdade para verificar o resultado a longo prazo. 9. Prevenção Não existem medidas preventivas primárias conhecidas para a hipospádia, dada sua etiologia complexa e multifatorial. O aconselhamento genético pode ser considerado em famílias com múltiplos casos. Referências BAJPAI, M. et al. Hypospadias: a comprehensive review. Journal of Indian Association of Pediatric Surgeons, v. 22, n. 4, p. 189-196, 2017. BRASIL. Ministério da Saúde. Sociedade Brasileira de Urologia. Diretrizes para a Urologia Pediátrica. Projeto Diretrizes, 2004. BUSH, N. C.; SNODGRASS, W. T. Hypospadias. Urologic Clinics of North America, v. 41, n. 3, p. 369-380, 2014. KRAFT, K. H.; SIRIWARDANE, A. M.; SNODGRASS, W. T. Current hypospadias management: Diagnosis, surgical management, and long-term patient-centred outcomes. Journal of Pediatric Urology, v. 14, n. 1, p. 11-20, 2018. MAYO CLINIC. Hypospadias - Diagnosis and treatment. Rochester: Mayo Foundation for Medical Education and Research, 2024. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP); SOCIEDADE BRASILEIRA DE UROLOGIA (SBU). Manual de Orientação sobre Treinamento Esfincteriano. Rio de Janeiro: SBP, 2019. VAN DER HORST, H. J. R.; DE WALL, L. L. Hypospadias, all there is to know. European Journal of Pediatrics, v. 176, n. 4, p. 435-441, 2017.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor O manejo da hipospádia é exclusivamente cirúrgico. As prescrições visam o preparo pré-operatório, quando indicado, e o controle da dor, prevenção de infecções e manejo de espasmos vesicais no pós-operatório. A meta terapêutica é garantir uma recuperação confortável, com cicatrização adequada e livre de complicações que possam comprometer o resultado da uretroplastia. A educação familiar sobre os cuidados com o curativo, a sonda e os sinais de alerta é um pilar fundamental do tratamento. 2. Prescrição para Terapia Hormonal Pré-operatória (se indicado) Esta prescrição deve ser feita pelo cirurgião uropediátrico, em casos selecionados de micropênis ou glande pequena, para otimizar as condições teciduais para a cirurgia. Opção 1: Testosterona Intramuscular 1. Durateston® (cipionato de testosterona) 250 mg/mL. Aplicar 2 mg/kg/dose, via intramuscular profunda, em 3 doses com intervalo de 4 semanas entre elas. A cirurgia deve ser agendada aproximadamente 4 semanas após a última aplicação. Opção 2: Testosterona Tópica 1. Creme de testosterona propionato 1% (manipulado). Aplicar uma pequena quantidade (equivalente a um grão de arroz) na haste peniana, 1 vez ao dia, por 30 a 60 dias antes do procedimento cirúrgico. 3. Prescrição Pós-operatória Imediata (Hospitalar) Paciente em regime de internação curta (Day Hospital ou 1 pernoite). 1. Dieta geral, se bem tolerada. 2. Acesso venoso periférico salinizado. 3. Dipirona solução injetável. Administrar 20 mg/kg/dose, via intravenosa, a cada 6 horas, de forma regrada nas primeiras 24 horas. 4. Ondansetrona solução injetável. Administrar 0,15 mg/kg/dose, via intravenosa, se apresentar náuseas ou vômitos. 5. Oxibutinina xarope 1 mg/mL. Administrar 0,2 mg/kg/dose, via oral, a cada 8 horas, de forma regrada, para controle de espasmos vesicais enquanto o cateter/stent estiver presente. 6. Antibioticoprofilaxia (se indicada pelo cirurgião, especialmente em reconstruções complexas ou uso de enxertos). - Cefalexina suspensão oral 250 mg/5mL. Administrar 50 mg/kg/dia, via oral, divididos a cada 6 horas. Iniciar após a primeira aceitação da dieta. 7. Monitorar diurese pela sonda/stent, padrão de drenagem e sinais de sangramento ativo no curativo. 4. Prescrição de Alta Hospitalar (Manejo Domiciliar) Analgesia e Controle de Espasmos 1. Ibuprofeno suspensão oral 100 mg/5mL. Prescrever na dose de 10 mg/kg/dose, por via oral, a cada 8 horas, se dor, por 3 a 5 dias. 2. Dipirona solução oral 500 mg/mL. Prescrever na dose de 20 mg/kg/dose, por via oral, a cada 6 horas, como resgate se a dor persistir após o uso do ibuprofeno. 3. Oxibutinina xarope 1 mg/mL. Manter a dose de 0,2 mg/kg/dose, por via oral, a cada 8 horas, de forma regrada, até a remoção do cateter/stent uretral. Antibioticoterapia (manter até a retirada da sonda) 1. Cefalexina suspensão oral 250 mg/5mL. Manter a dose de 50 mg/kg/dia, via oral, dividida a cada 6 horas, por 7 a 10 dias (ou conforme orientação do cirurgião). Cuidados Locais 1. Pomada de antibiótico (ex: Mupirocina ou Neomicina-Bacitracina). Aplicar uma fina camada na ponta do pênis e na junção com o cateter após o banho e nas trocas de fralda, após a remoção do curativo oclusivo inicial. 5. Monitoramento da Terapia Clínico: Avaliar o conforto da criança, a presença de dor, febre ou irritabilidade. Observar o padrão do jato urinário após a retirada da sonda. Curativo e Sonda: Monitorar a drenagem de urina pela sonda, que deve ser clara e contínua. Verificar sinais de obstrução ou deslocamento. O curativo deve ser mantido limpo e seco. Sinais de Infecção: Observar a presença de hiperemia intensa, edema progressivo, calor local ou secreção purulenta no sítio cirúrgico. 6. Manejo de Efeitos Adversos/Complicações Constipação: Pode ocorrer devido à analgesia e imobilidade. Prescrever Lactulose xarope na dose de 1 mL/kg/dia, via oral, se necessário. Espasmos Vesicais Refratários: Se a criança mantiver irritabilidade, choro e flexão das pernas sobre o abdome mesmo com oxibutinina, verificar a perviedade da sonda. A dose da oxibutinina pode ser ajustada pelo cirurgião. Sangramento: Pequeno sangramento no curativo é esperado. Sangramento ativo, com saturação rápida do curativo, exige contato imediato com a equipe cirúrgica. 7. Orientações de Alta e para a Família Fornecer por escrito: 1. Sobre o Procedimento: Foi realizada a correção cirúrgica da hipospádia para reposicionar o canal urinário na ponta do pênis. Uma sonda (pequeno tubo) foi deixada para auxiliar na cicatrização e será removida no consultório em 7 a 14 dias. 2. Cuidados com a Sonda e o Curativo: - Manter a sonda drenando urina livremente dentro da fralda. Utilizar o sistema de "dupla fralda" se orientado: uma fralda interna com um orifício para passar a sonda, e uma fralda externa para coletar a urina. - O curativo inicial será removido conforme orientação médica (geralmente em 2 a 4 dias). Após a remoção, manter a área limpa e aplicar a pomada prescrita. - Banhos de imersão (banheira) são proibidos até a liberação médica. Realizar apenas banhos de esponja ou chuveiro rápido. 3. Repouso e Atividades: - Evitar atividades que envolvam montar (bicicletas, cavalinhos, andadores) ou traumas na região genital por pelo menos 3 a 4 semanas. 4. Sinais de Alerta para Retorno Imediato ao Pronto-Socorro ou Contato com a Equipe Cirúrgica: - Febre persistente (temperatura axilar > 38.0°C). - Parada súbita da drenagem de urina pela sonda por mais de 2 horas. - Inchaço significativo e progressivo do pênis ou do escroto. - Sangramento ativo que encharca a fralda. - Secreção purulenta ou com odor forte no local da cirurgia. - Dor intensa que não melhora com as medicações prescritas. 5. Retorno Programado: - Agendar retorno com a equipe de urologia pediátrica em [X] dias para reavaliação e/ou retirada da sonda.

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