Persistência do Canal Arterial
Resumo
Definição e Fisiopatologia
A Persistência do Canal Arterial (PCA) é uma cardiopatia congênita comum, definida pela falha no fechamento do canal arterial após as primeiras 72 horas de vida. O canal arterial é uma estrutura vascular fetal vital que conecta a artéria pulmonar à aorta, desviando o fluxo sanguíneo dos pulmões (que não estão em função na vida intrauterina). Após o nascimento, com o início da respiração, o aumento da pressão de oxigênio (PaO2) e a queda dos níveis de Prostaglandina E
Categoria
Neonatal > Malformações Neonatais > Persistência do Canal Arterial
Conduta Completa
Definição e Fisiopatologia
A Persistência do Canal Arterial (PCA) é uma cardiopatia congênita comum, definida pela falha no fechamento do canal arterial após as primeiras 72 horas de vida. O canal arterial é uma estrutura vascular fetal vital que conecta a artéria pulmonar à aorta, desviando o fluxo sanguíneo dos pulmões (que não estão em função na vida intrauterina). Após o nascimento, com o início da respiração, o aumento da pressão de oxigênio (PaO2) e a queda dos níveis de Prostaglandina E2 (PGE2) deveriam induzir sua contração e fechamento.
A persistência é especialmente prevalente em recém-nascidos prematuros, cuja musculatura ductal é imatura e hiporresponsiva ao oxigênio, além de manterem níveis elevados de prostaglandinas circulantes.
A consequência fisiopatológica central da PCA é o shunt da esquerda para a direita, um fluxo anormal de sangue da aorta (maior pressão) para a artéria pulmonar (menor pressão). Este shunt acarreta três problemas principais:
Hiperfluxo Pulmonar: O volume excessivo de sangue nos pulmões causa congestão vascular, edema e diminui a complacência pulmonar, aumentando o trabalho respiratório e o risco de infecções.
Sobrecarga de Volume Cardíaca: Todo o sangue que foi para o pulmão retorna ao coração esquerdo, sobrecarregando o átrio e o ventrículo esquerdos. Isso leva à dilatação dessas câmaras e, consequentemente, à insuficiência cardíaca.
Hipoperfusão Sistêmica ("Roubo de Fluxo"): Durante a diástole, o sangue "escapa" da aorta para a artéria pulmonar, diminuindo a pressão diastólica sistêmica e comprometendo a perfusão de órgãos vitais como rins, intestino e cérebro.
Avaliação Diagnóstica
Manifestações Clínicas
O quadro clínico varia conforme o tamanho do shunt e a idade do paciente.
Recém-nascido e Lactente Jovem:
Sinais de Insuficiência Cardíaca: Taquipneia, sudorese profusa (especialmente na cabeça) durante as mamadas, cansaço fácil, irritabilidade e baixo ganho ponderal.
Exame Físico: O achado mais característico é um sopro contínuo ("em maquinaria") na região infraclavicular esquerda. Pulsos arteriais são amplos e "em martelo d'água". O precórdio é hiperdinâmico.
Criança Maior e Adulto: Em canais menores não diagnosticados, pode haver sopro como achado isolado. Em canais maiores, pode haver intolerância a esforços e dispneia.
Avaliação da Repercussão Hemodinâmica
A decisão de tratar uma PCA, principalmente em prematuros, depende da comprovação de que ela é "hemodinamicamente significativa". Isso é definido por uma combinação de achados clínicos e ecocardiográficos:
Sinais Clínicos: Dependência de suporte ventilatório, episódios de apneia, acidose metabólica, necessidade de aumento de parâmetros da ventilação mecânica.
Parâmetros Ecocardiográficos:
Diâmetro do canal > 1,5 - 2,0 mm.
Relação átrio esquerdo/aorta (AE/Ao) > 1,4.
Fluxo diastólico reverso ou ausente na aorta descendente (sinal de roubo de fluxo significativo).
Dilatação do ventrículo esquerdo.
Exames Complementares
Ecocardiograma com Doppler: É o exame padrão-ouro, essencial para confirmar o diagnóstico, medir o canal, avaliar a direção e o volume do shunt, e quantificar a repercussão nas câmaras cardíacas e na pressão pulmonar.
Radiografia de Tórax: Em PCAs com repercussão, tipicamente mostra cardiomegalia e aumento da trama vascular pulmonar (hiperfluxo).
Eletrocardiograma (ECG): Pode evidenciar sinais de sobrecarga atrial e ventricular esquerda.
Estratégias de Tratamento
O tratamento deve ser individualizado, considerando a idade do paciente, o peso, a presença de sintomas e a repercussão hemodinâmica.
Manejo Conservador (Expectante)
Indicação: PCA pequena, sem repercussão hemodinâmica, em pacientes assintomáticos.
Conduta: Acompanhamento clínico e ecocardiográfico ambulatorial. O fechamento espontâneo pode ocorrer, especialmente no primeiro ano de vida em crianças de termo. Em prematuros, essa conduta é mais controversa e reservada para casos selecionados.
Tratamento Farmacológico (Recém-Nascidos Prematuros)
Indicação: RNs prematuros com PCA hemodinamicamente significativa.
Objetivo: Utilizar inibidores da ciclooxigenase (COX) para diminuir a síntese de prostaglandinas e induzir a constrição e o fechamento do canal.
Opções: Ibuprofeno (primeira escolha), Paracetamol (alternativa segura) e Indometacina (uso mais restrito pelos efeitos adversos).
Tratamento Intervencionista (Percutâneo)
Indicação: É o tratamento de escolha para a maioria das crianças (geralmente com peso > 5 kg), adolescentes e adultos com PCA moderada a grande.
Procedimento: Realizado por cateterismo cardíaco, consiste no implante de um dispositivo (como plugs ou coils) que oclui o canal de forma definitiva.
Vantagens: Abordagem minimamente invasiva, com altas taxas de sucesso (>95%), baixa morbidade e rápida recuperação.
Tratamento Cirúrgico
Indicações:
Recém-nascidos prematuros com falha ou contraindicação ao tratamento farmacológico.
Lactentes sintomáticos com baixo peso (< 5 kg) onde o fechamento percutâneo não é tecnicamente viável.
PCA com anatomia complexa ou desfavorável para a abordagem percutânea.
Procedimento: Consiste na ligadura ou secção do canal arterial através de uma toracotomia póstero-lateral esquerda.
Complicações e Prognóstico
Se não tratada, uma PCA grande pode levar a complicações graves como insuficiência cardíaca crônica, infecções respiratórias de repetição e, a longo prazo, hipertensão arterial pulmonar irreversível (Síndrome de Eisenmenger).
O prognóstico após o fechamento do canal é excelente. A maioria dos pacientes evolui com normalização da função cardíaca e leva uma vida normal, sem restrições. O seguimento cardiológico é mantido até a confirmação da oclusão completa e da regressão das alterações cardíacas.
Tratamento
Orientações ao Prescritor
A abordagem terapêutica da PCA sintomática envolve duas frentes simultâneas e essenciais: o tratamento de suporte para estabilizar o paciente e controlar a insuficiência cardíaca, e a terapia específica para o fechamento do canal. Este guia fornece um roteiro prático para a prescrição em um ambiente hospitalar.
Prescrição de Admissão e Cuidados de Suporte
1. Monitorização Contínua: Instalar monitor multiparamétrico (ECG, FC, FR, SatO₂, PNI).
2. Balanço Hídrico Rigoroso: Realizar controle estrito de todos os fluidos administrados e da diurese. Considerar restrição hídrica (ex: 100-120 mL/kg/dia) se houver sinais de congestão.
3. Suporte Respiratório: Manter SatO₂ alvo entre 90-95% com a menor FIO₂ possível. Avaliar necessidade de CPAP nasal ou ventilação mecânica se houver aumento do trabalho respiratório.
4. Acesso Venoso: Garantir acesso venoso periférico calibroso e seguro.
5. Exames Laboratoriais Iniciais: Solicitar hemograma completo, eletrólitos (Na, K, Ca), função renal (ureia, creatinina) e gasometria venosa.
Prescrição para Fechamento Farmacológico (Prematuros)
Ibuprofeno (Terapia de Primeira Linha)
Mecanismo de Ação: Inibidor não seletivo da COX, reduzindo a síntese de prostaglandinas e induzindo a contração do músculo ductal.
Dose e Administração: Ciclo de 3 doses IV. Dose de ataque de 10 mg/kg, seguida por 2 doses de manutenção de 5 mg/kg a cada 24 horas. Infundir cada dose em 15-30 minutos.
Exemplo de Prescrição:
1. Ibuprofeno 10 mg/kg, IV, agora.
2. Ibuprofeno 5 mg/kg, IV, 24 horas e 48 horas após a dose inicial.
Monitoramento e Cuidados: Checar função renal e plaquetas antes do início. Monitorar diurese e sinais de sangramento durante o tratamento.
Paracetamol (Acetaminofeno)
Mecanismo de Ação: Inibe a via da peroxidase da COX, sendo uma alternativa eficaz e segura.
Dose e Administração: 15 mg/kg/dose a cada 6 horas, por via oral ou IV. O tratamento dura de 3 a 7 dias.
Exemplo de Prescrição:
1. Paracetamol 15 mg/kg, VO, de 6/6 horas.
Monitoramento e Cuidados: Principalmente indicado quando há contraindicação aos AINEs (plaquetopenia, insuficiência renal). Monitorar função hepática (TGO/TGP) em uso prolongado.
Indometacina
Mecanismo de Ação: Potente inibidor da COX.
Dose e Administração: 0,2 mg/kg/dose IV, em ciclo de 3 doses, com intervalos de 12 a 24 horas.
Exemplo de Prescrição:
1. Indometacina 0,2 mg/kg, IV, agora. Repetir a cada 12 horas por mais 2 doses.
Monitoramento e Cuidados: Uso mais restrito devido ao maior risco de efeitos adversos (vasoconstrição renal, mesentérica e cerebral). Requer monitoramento rigoroso da diurese e da função renal.
Prescrição para Manejo da Insuficiência Cardíaca (IC)
Diuréticos de Alça (ex: Furosemida)
Objetivo: Aliviar a congestão pulmonar e a sobrecarga de volume.
Exemplo de Prescrição:
1. Furosemida 1 mg/kg/dose, IV, de 12/12 horas.
Cuidados: Monitorar eletrólitos (risco de hipocalemia) e resposta clínica (melhora da taquipneia, diurese).
Diuréticos Poupadores de Potássio (ex: Espironolactona)
Objetivo: Otimizar a diurese, poupar potássio e promover benefícios no remodelamento cardíaco.
Exemplo de Prescrição:
1. Espironolactona 1 mg/kg/dose, VO, de 12/12 horas.
Cuidados: Usado em associação com a furosemida. Monitorar risco de hipercalemia.
Inibidores da ECA (ex: Captopril)
Objetivo: Reduzir a pós-carga sistêmica, otimizando o débito cardíaco e diminuindo o shunt esquerda-direita.
Exemplo de Prescrição:
1. Captopril 0,1 mg/kg/dose, VO, de 8/8 horas.
Cuidados: Iniciar com dose baixa e titular lentamente, monitorando a pressão arterial de perto devido ao risco de hipotensão.
Otimização Nutricional
Aumento da Densidade Calórica: Prescrever aditivação do leite materno ou uso de fórmulas hipercalóricas (24 a 27 kcal/30mL) para suprir a alta demanda metabólica e garantir o ganho de peso.
Via de Alimentação: Indicar alimentação por sonda nasogástrica (SNG), de forma contínua ou intermitente, caso o paciente apresente cansaço ou desconforto respiratório durante a alimentação oral.
Acesso Interativo
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