Apneia da Prematuridade
Resumo
1. Definição e Fisiopatologia
A Apneia da Prematuridade é um diagnóstico de desenvolvimento, caracterizado por pausas respiratórias com duração superior a 20 segundos, ou pausas mais curtas (< 20 segundos) se acompanhadas de bradicardia (frequência cardíaca < 100 bpm) e/ou dessaturação de oxigênio (SatO₂ < 85%). Esta condição é uma manifestação direta da imaturidade do sistema nervoso central, especificamente do centro respiratório localizado no tronco cerebral.
Sua incidência é inversamente pr
Categoria
Neonatal > Patologias Neonatais Específicas > Apneia da Prematuridade
Conduta Completa
1. Definição e Fisiopatologia
A Apneia da Prematuridade é um diagnóstico de desenvolvimento, caracterizado por pausas respiratórias com duração superior a 20 segundos, ou pausas mais curtas (< 20 segundos) se acompanhadas de bradicardia (frequência cardíaca < 100 bpm) e/ou dessaturação de oxigênio (SatO₂ < 85%). Esta condição é uma manifestação direta da imaturidade do sistema nervoso central, especificamente do centro respiratório localizado no tronco cerebral.
Sua incidência é inversamente proporcional à idade gestacional, afetando quase todos os recém-nascidos com menos de 28 semanas e cerca de 85% daqueles com menos de 34 semanas. A condição tende a se resolver espontaneamente conforme o sistema nervoso amadurece, geralmente por volta de 36 a 40 semanas de idade gestacional corrigida.
A apneia pode ser classificada em três tipos principais, com base no seu mecanismo fisiopatológico:
Apneia Central: É a forma mais comum (cerca de 50% dos casos). Ocorre uma falha na geração do estímulo respiratório pelo cérebro. Consequentemente, não há esforço respiratório, e tanto o fluxo de ar quanto os movimentos torácicos cessam completamente.
Apneia Obstrutiva: Corresponde a 10-15% dos casos. Neste tipo, o esforço respiratório está presente (os músculos torácicos e abdominais se movem), mas o fluxo de ar é interrompido por uma obstrução nas vias aéreas superiores, geralmente devido à flacidez dos tecidos da faringe e à posição do pescoço.
Apneia Mista: É uma combinação das duas anteriores e responde por 25-35% dos episódios. Frequentemente, começa com um componente obstrutivo que, por sua vez, leva a uma supressão secundária do centro respiratório, resultando em uma apneia central.
É crucial diferenciar a apneia patológica da respiração periódica, um padrão comum em prematuros, caracterizado por ciclos de respiração rápida seguidos por pausas curtas (5-10 segundos), sem bradicardia ou dessaturação associadas. A respiração periódica é considerada uma variação da normalidade.
2. Fatores de Risco e Precipitantes
Embora a imaturidade seja a causa primária, diversos fatores podem precipitar ou agravar os episódios de apneia. É mandatório investigar e corrigir esses fatores antes de atribuir os episódios unicamente à prematuridade.
Condições do Sistema Nervoso Central: Hemorragia intraventricular, leucomalácia periventricular, convulsões.
Infecções: A sepse neonatal é uma causa comum de piora súbita da apneia.
Distúrbios Metabólicos: Hipoglicemia, hipocalcemia, distúrbios eletrolíticos.
Instabilidade Térmica: Tanto a hipotermia quanto a hipertermia podem deprimir o centro respiratório.
Condições Cardiorrespiratórias: Anemia (reduz a capacidade de transporte de oxigênio), ducto arterioso persistente (PCA), refluxo gastroesofágico (pode desencadear reflexos vagais).
Fatores Ambientais e Iatrogênicos: Posicionamento inadequado (flexão do pescoço), procedimentos dolorosos, uso de medicamentos sedativos (opioides).
3. Diagnóstico
O diagnóstico de Apneia da Prematuridade é, em essência, um diagnóstico de exclusão.
3.1. Avaliação Clínica e Monitoramento
Monitorização Cardiorrespiratória Contínua: É obrigatória para todos os recém-nascidos em risco. Os monitores devem ter alarmes configurados para detectar pausas respiratórias, bradicardia e dessaturação.
Documentação Detalhada: A equipe de enfermagem deve registrar a frequência, duração e gravidade de cada episódio, incluindo a frequência cardíaca e a saturação mínimas atingidas, e o tipo de intervenção necessária (estimulação tátil, ventilação com bolsa e máscara).
3.2. Investigação de Causas Secundárias
Na presença de apneia, especialmente se for de início súbito, de piora progressiva ou ocorrer em um RN > 34 semanas, a seguinte investigação mínima deve ser realizada:
Exames Laboratoriais: Hemograma completo (para avaliar anemia e sinais de infecção), glicemia capilar, eletrólitos, cálcio, gasometria e hemocultura.
Exames de Imagem: Ultrassom transfontanelar para descartar hemorragias ou outras lesões cerebrais. Ecocardiograma se houver suspeita de PCA.
4. Manejo Clínico
O manejo é escalonado, começando com medidas gerais e progredindo para suporte farmacológico e respiratório.
4.1. Medidas Não Farmacológicas
Posicionamento: Manter o RN em decúbito dorsal com o pescoço em posição neutra para garantir a patência das vias aéreas.
Controle Ambiental: Assegurar um ambiente térmico neutro para evitar estresse por frio ou calor.
Manuseio Mínimo: Agrupar cuidados para não perturbar o sono do RN, pois a apneia é mais comum durante o sono ativo.
Estimulação Tátil: Para episódios leves, a estimulação tátil suave (um toque nas costas ou nos pés) é geralmente suficiente para reiniciar a respiração.
4.2. Suporte Respiratório Não Invasivo
CPAP Nasal (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas): É altamente eficaz para apneias com componente obstrutivo ou misto. A pressão de 4 a 6 cmH₂O ajuda a manter as vias aéreas superiores abertas e também fornece um estímulo aferente que estabiliza o centro respiratório.
4.3. Tratamento Farmacológico (Metilxantinas)
Cafeína: É o medicamento de primeira escolha. Atua como um estimulante do sistema nervoso central, aumentando a sensibilidade do centro respiratório ao CO₂ e melhorando a contratilidade do diafragma. Suas vantagens incluem uma longa meia-vida (permitindo dose única diária) e uma ampla margem de segurança.
Teofilina/Aminofilina: Opção de segunda linha, usada quando a cafeína não está disponível ou é ineficaz. Exige monitoramento rigoroso dos níveis séricos devido à sua estreita janela terapêutica e maior incidência de efeitos colaterais (taquicardia, irritabilidade, intolerância alimentar).
5. Critérios para Suspensão do Tratamento e Alta Hospitalar
A terapia com cafeína e a monitorização contínua são suspensas quando a criança atinge a maturidade neurológica suficiente para manter a respiração estável.
Critérios Clínicos: O RN deve permanecer livre de apneias significativas (que necessitem de intervenção) por um período de 5 a 7 dias consecutivos.
Idade Gestacional Corrigida: Geralmente, a suspensão é considerada quando o RN atinge entre 34 e 36 semanas de idade corrigida.
Monitoramento Pós-Suspensão: Após a suspensão da cafeína, o RN deve ser mantido em monitorização hospitalar por mais 5 a 7 dias para garantir que não haja recorrência dos episódios antes de receber alta.
6. Prognóstico
Para a maioria dos prematuros, a apneia é uma condição benigna e autolimitada que se resolve com a maturação. O prognóstico a longo prazo é excelente na ausência de outras comorbidades. No entanto, episódios graves e recorrentes de hipoxemia e bradicardia podem contribuir para lesões cerebrais e desfechos neurológicos adversos, o que reforça a importância do monitoramento e tratamento adequados.
7. Referências Bibliográficas
Eichenwald, E. C., & Committee on Fetus and Newborn, American Academy of Pediatrics. (2016). Apnea of Prematurity. Pediatrics, 137(1), e20153757. (Diretriz principal da AAP).
Schmidt, B., Roberts, R. S., Davis, P., et al. (2007). Long-term effects of caffeine therapy for apnea of prematurity. New England Journal of Medicine, 357(19), 1893-1902. (Estudo "CAP Trial", seminal que estabeleceu os benefícios e a segurança da cafeína a longo prazo).
Abiramalatha, T., Mathew, B. S., & Chandran, S. (2021). Caffeine for Apnea of Prematurity: A Systematic Review and Network Meta-analysis. JAMA Pediatrics, 175(9), e212133.
Martin, R. J., Fanaroff, A. A., & Walsh, M. C. (2020). Fanaroff and Martin's Neonatal-Perinatal Medicine (11th ed.). Elsevier. (Capítulo sobre Controle da Respiração e Apneia).
Sociedade Brasileira de Pediatria. (2021). Manual de Acompanhamento do Prematuro. (Fonte nacional com diretrizes adaptadas à realidade brasileira).
Tratamento
Orientações ao Prescritor
O manejo da Apneia da Prematuridade é iniciado após uma investigação básica para excluir causas secundárias tratáveis (infecção, distúrbios metabólicos, etc.). A cafeína é a droga de escolha e deve ser iniciada em qualquer prematuro com episódios recorrentes que necessitem de intervenção. A monitorização contínua é a pedra angular da segurança do paciente.
Prescrição Inicial e Medidas Gerais
1. Admissão/manutenção em UTI Neonatal, em incubadora aquecida para controle térmico rigoroso (36,5-37,2°C).
2. Monitorização Cardiorrespiratória Contínua: Instalar monitor com alarmes configurados para FC < 100 bpm, FC > 200 bpm, SatO₂ < 85% e pausa respiratória > 15-20 segundos.
3. Posicionamento: Manter em decúbito dorsal com leve coxim sob os ombros para manter o pescoço em posição neutra e otimizar a via aérea.
4. Investigação Laboratorial Inicial: Solicitar hemograma completo, PCR, hemocultura, glicemia e eletrólitos para descartar causas secundárias.
Prescrição Farmacológica
Cafeína (Citrato de Cafeína) - Terapia de Primeira Linha
Indicações: Tratamento da apneia estabelecida; profilaxia em RN < 28-30 semanas; auxílio no desmame da ventilação mecânica.
Exemplo de Prescrição:
1. Dose de Ataque: Citrato de Cafeína 20 mg/kg, IV, infundir lentamente em 30-60 minutos, em dose única.
2. Dose de Manutenção: Iniciar 24 horas após a dose de ataque. Citrato de Cafeína 5 mg/kg/dia, IV ou VO, a cada 24 horas.
Ajuste de Dose: Se a resposta for inadequada após 48h, a dose de manutenção pode ser aumentada para 8-10 mg/kg/dia.
Cuidados: A cafeína IV deve ser diluída para evitar flebite. Monitorar a frequência cardíaca, pois pode causar taquicardia transitória.
Aminofilina (Opção de Segunda Linha)
Indicação: Falha ou indisponibilidade da cafeína.
Exemplo de Prescrição:
1. Dose de Ataque: Aminofilina 6 mg/kg, IV, infundir lentamente em 30 minutos.
2. Dose de Manutenção: Aminofilina 1,5 a 3 mg/kg/dose, IV, de 8/8h ou 12/12h.
Monitoramento Obrigatório: Solicitar dosagem do nível sérico de teofilina (alvo terapêutico: 6-12 mcg/mL) antes da quarta dose de manutenção. Monitorar taquicardia, irritabilidade e intolerância alimentar.
Prescrição de Suporte Respiratório
CPAP Nasal
Indicação: Apneias recorrentes com componente obstrutivo/misto ou falha parcial à cafeína.
Exemplo de Prescrição:
1. Instalar CPAP nasal com prongas adequadas ao peso.
2. Iniciar com pressão de 5 cmH₂O.
3. Manter FiO₂ mínima para atingir SatO₂ alvo (90-95%).
Prescrição para Tratamento de Fatores Precipitantes
Anemia Sintomática
Indicação: Hb < 7-8 g/dL associada a episódios de apneia significativos.
Exemplo de Prescrição:
1. Transfundir Concentrado de Hemácias 15 mL/kg, IV, em 3-4 horas.
Refluxo Gastroesofágico (se clinicamente relevante)
Medidas Posturais: Manter decúbito elevado a 30° por 1 hora após as mamadas.
Prescrição (se medidas posturais falharem):
1. Fórmula Láctea AR (anti-refluxo), se em uso de fórmula.
2. O uso de procinéticos (Domperidona) ou bloqueadores de bomba de prótons (Omeprazol) é controverso e deve ser individualizado.
Protocolo para Suspensão da Terapia
Critérios para Iniciar a Contagem "Livre de Apneia":
O RN deve estar em ar ambiente ou com necessidade mínima de O₂.
Idade gestacional corrigida geralmente > 34 semanas.
Prescrição/Ordem Médica:
1. Se paciente permanecer por 7 dias consecutivos sem episódios de apneia/bradicardia que necessitem de intervenção (estimulação tátil ou VPP), suspender Citrato de Cafeína.
2. Manter monitorização cardiorrespiratória contínua por mais 7 dias após a suspensão da cafeína.
3. Se não houver recorrência dos episódios, programar alta hospitalar com agendamento de seguimento ambulatorial.
Acesso Interativo
Acesse o conteúdo completo e interativo em Apneia da Prematuridade