Enterocolite Necrosante
Resumo
1. Definição e Contexto Clínico
A enterocolite necrosante (ECN) é a emergência gastrointestinal neonatal mais grave, caracterizada por necrose e inflamação do intestino que afeta especialmente recém-nascidos prematuros. Está associada à alta mortalidade (20–50%) e significativa morbidade tardia.
Epidemiologia relevante:
Incidência: 7–10% em prematuros <1500 g; até 15% em <1000 g.
Mortalidade: 20–30% geral; até 50% em perfuração intestinal.
Complicações tardias: síndrome do intestino curto,
Categoria
Neonatal > Patologias Neonatais Específicas > Enterocolite Necrosante
Conduta Completa
1. Definição e Contexto Clínico
A enterocolite necrosante (ECN) é a emergência gastrointestinal neonatal mais grave, caracterizada por necrose e inflamação do intestino que afeta especialmente recém-nascidos prematuros. Está associada à alta mortalidade (20–50%) e significativa morbidade tardia.
Epidemiologia relevante:
Incidência: 7–10% em prematuros <1500 g; até 15% em <1000 g.
Mortalidade: 20–30% geral; até 50% em perfuração intestinal.
Complicações tardias: síndrome do intestino curto, atraso no crescimento, alterações neurológicas.
2. Fisiopatologia Completa
A ECN resulta da interação complexa entre:
Imaturidade da mucosa intestinal.
Isquemia e reperfusão (hipóxia perinatal, cardiopatias, hipotensão).
Colonização bacteriana patológica (disbiose).
Nutrição enteral inadequada (rápida progressão, fórmula artificial).
Esses fatores geram intensa resposta inflamatória → necrose transmural → perfuração → sepse, peritonite e disfunção multiorgânica.
3. Fatores de Risco Principais
| Categoria | Fatores Específicos |
| ------------- | ------------------------------------------------------- |
| Prematuridade | <32 semanas, peso <1500g |
| Nutricionais | Uso precoce de fórmula láctea, progressão rápida |
| Hemodinâmicos | Hipóxia, hipotensão, PCA, cardiopatias |
| Medicamentos | Indometacina, bloqueadores H2, antibióticos prolongados |
| Hematológicos | Policitemia, transfusões frequentes |
4. Estadiamento Clínico de Bell Modificado
| Estágio | Manifestações Clínicas e Radiológicas |
| ----------------- | ---------------------------------------------------------------------------- |
| I (Suspeita) | Distensão abdominal leve, resíduos gástricos aumentados, íleo discreto |
| IIA (Leve) | Pneumatose intestinal (patognomônico), dor abdominal, sangramento intestinal |
| IIB (Moderado) | Pneumatose clara, gás na veia porta, acidose leve, trombocitopenia |
| IIIA (Grave) | Deterioração clínica grave, peritonite localizada, coagulopatia |
| IIIB (Perfuração) | Pneumoperitônio, sepse grave, choque séptico |
5. Manifestações Clínicas Detalhadas
Precoces (Estágio I):
Distensão abdominal inicial
Resíduos gástricos aumentados (>50% dieta)
Sangue oculto nas fezes
Instabilidade térmica leve, letargia, apneia
Intermediárias (Estágio II):
Distensão abdominal significativa
Sangramento digestivo visível
Pneumatose intestinal (bolhas de gás na parede intestinal)
Avançadas (Estágio III):
Abdome distendido, doloroso e rígido
Eritema da parede abdominal, massa palpável
Acidose metabólica grave, trombocitopenia acentuada
Choque séptico, hipotensão refratária, perfuração intestinal
6. Diagnóstico Completo
Avaliação Laboratorial Imediata:
Hemograma: trombocitopenia, leucocitose ou leucopenia.
Gasometria arterial: acidose metabólica persistente.
Lactato sérico elevado (>2 mmol/L).
Coagulograma alterado (prolongamento do TP/TTPA).
Hemocultura obrigatória.
Diagnóstico Radiológico:
RX abdominal simples seriado (6-12h): Avaliar pneumatose, gás na veia porta, pneumoperitônio (indica perfuração).
7. Manejo Clínico-Cirúrgico Detalhado por Estágios
Estágio I – Manejo Clínico Conservador
Jejum absoluto inicial (mínimo 48–72h).
Sonda orogástrica aberta para descompressão gástrica.
Antibioticoterapia empírica profilática (ampicilina + gentamicina).
Radiografias abdominais seriadas (6–12h).
Estágio II – Manejo Clínico Intensivo
Jejum absoluto prolongado (7–14 dias), NPT precoce.
Antibioticoterapia ampla (vancomicina, meropenem, metronidazol).
Monitorização contínua (radiologia, clínica, laboratorial).
Avaliação diária para indicação cirúrgica.
Estágio III – Manejo Cirúrgico Imediato
Suporte hemodinâmico agressivo (dopamina, noradrenalina, dobutamina).
Cirurgia urgente obrigatória em perfuração (laparotomia exploradora).
Ressecção intestinal com estomias temporárias (ileostomia, colostomia).
Drenagem peritoneal como alternativa em prematuros extremos <1000g.
8. Complicações Relevantes
| Tipo | Exemplos |
| ------------------ | ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ |
| Agudas | Perfuração intestinal, choque séptico, coagulopatia grave |
| Crônicas (Tardias) | Síndrome do intestino curto, estenoses intestinais (obstrução), atraso no crescimento, sequelas neurológicas |
9. Medidas Preventivas Comprovadas
Aleitamento materno exclusivo: redução comprovada da incidência em até 80%.
Progressão lenta da dieta enteral (10–20 mL/kg/dia).
Uso racional de probióticos (redução incidência ECN em 30–50%, embora controverso).
10. Seguimento Pós-Alta Obrigatório
Avaliação periódica nutricional e gastrointestinal.
Avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor regular.
Intervenção precoce em casos de complicações tardias (estenoses, má absorção).
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Referências
ALGANABI, M. et al. Recent advances in understanding necrotizing enterocolitis. F1000Research, v. 8, p. F1000 Faculty Rev-107, 2019.
BELL, M. J. et al. Neonatal necrotizing enterocolitis: therapeutic decisions based upon clinical staging. Annals of Surgery, v. 187, n. 1, p. 1-7, 1978.
FITZGIBBONS, S. C. et al. Mortality of necrotizing enterocolitis expressed by birth weight categories. Journal of Pediatric Surgery, v. 44, n. 6, p. 1072-1075, 2009.
NEU, J.; WALKER, W. A. Necrotizing enterocolitis. The New England Journal of Medicine, v. 364, n. 3, p. 255-264, 2011.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Manual de seguimento do recém-nascido de alto risco. 2. ed. São Paulo: SBP, 2024.
Tratamento
1. Orientações ao Prescritor
Enterocolite Necrosante (ECN) é uma emergência neonatal grave, especialmente em prematuros, exigindo reconhecimento precoce e manejo agressivo.
Estadiamento de Bell determina as intervenções clínicas e cirúrgicas.
Manter vigilância rigorosa devido ao alto risco de complicações e mortalidade significativa.
Jejum prolongado, antibioticoterapia imediata e nutrição parenteral total são essenciais.
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2. Prescrição em UTI Neonatal
2.1 Dieta e Hidratação
NPO absoluto durante a fase aguda (mínimo de 7 a 21 dias, conforme estágio).
Sonda orogástrica aberta para descompressão contínua.
Nutrição Parenteral Total (NPT) precoce (primeiras 24h).
Hidratação inicial: 100–120 mL/kg/dia de solução fisiológica ou glicose 10%.
Cálculo inicial da NPT:
| Peso (kg) | Volume Total (mL/dia) | Glicose (g/dia) | Aminoácidos (g/dia) |
| --------- | --------------------- | --------------- | ------------------- |
| 1,0 | 120–150 | 15–20 | 3–4 |
| 1,5 | 180–225 | 22–30 | 4,5–6 |
| 2,0 | 240–300 | 30–40 | 6–8 |
| 2,5 | 300–375 | 37–50 | 7,5–10 |
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2.2 Antibioticoterapia por Estágio (Bell)
Estágio I (Suspeita)
Ampicilina: 100–200 mg/kg/dia IV (dividido em 3 doses), por 7–10 dias.
Gentamicina: 4–7 mg/kg/dia IV (dose única diária). Monitorizar função renal.
Estágio II (Confirmada)
Vancomicina: 10–15 mg/kg IV a cada 8–12h (conforme idade gestacional).
Meropenem: 60–120 mg/kg/dia IV (dividido a cada 8h).
Metronidazol: 15–30 mg/kg/dia IV (dividido a cada 12h).
Duração: 14–21 dias.
Estágio III (Avançada/Perfuração)
Vancomicina + Meropenem + Metronidazol (esquema estágio II).
Avaliação cirúrgica imediata e suporte hemodinâmico.
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2.3 Suporte Hemodinâmico (Estágios II avançado e III)
Dopamina: 5–20 mcg/kg/min IV contínuo (manter PAM adequada).
Dobutamina: 2,5–15 mcg/kg/min IV contínuo (disfunção cardíaca).
Noradrenalina: 0,05–2 mcg/kg/min IV contínuo (choque séptico refratário).
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2.4 Correção de Distúrbios Metabólicos
Acidose metabólica (pH <7,20): Bicarbonato 8,4%, 1–2 mEq/kg IV lento.
Hipoglicemia (glicemia <40 mg/dL): Glicose 10%, 2–4 mL/kg IV lento.
Coagulopatia: Plasma fresco congelado 10–15 mL/kg; plaquetas se <50.000/mm³.
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2.5 Medicações de Suporte e Analgesia
Fentanil: 1–4 mcg/kg/h IV contínuo para analgesia.
Midazolam: 0,05–0,2 mg/kg/h IV contínuo (sedação, monitorizar hipotensão).
Omeprazol: 1–2 mg/kg/dia IV (profilaxia de úlcera de estresse).
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2.6 Preparação Pré-Operatória (se indicada cirurgia)
Vitamina K: 1–2 mg IM dose única (correção da coagulopatia).
Albumina 20%: 0,5–1 g/kg IV (se albumina <2,0 g/dL).
Estabilização hemodinâmica rigorosa antes do procedimento.
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2.7 Cuidados de Enfermagem Intensivos
Posicionar em decúbito dorsal com cabeceira elevada.
Medição rigorosa do perímetro abdominal a cada 6h.
Controle rigoroso de balanço hídrico, sinais vitais contínuos.
Manutenção criteriosa dos acessos vasculares (NPT).
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2.8 Cronograma de Reavaliação Clínica
| Tempo | Exame clínico | RX Abdominal | Gasometria | Hemograma |
| ------------ | ------------- | ------------ | ---------- | --------- |
| 24h iniciais | 4/4h | 6/6h | 6/6h | 12/12h |
| 24–72h | 6/6h | 12/12h | 12/12h | 12/12h |
| Após 72h | 12/12h | Diário | Diário | Diário |
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2.9 Critérios Claros para Cirurgia Urgente
Indicações Absolutas:
Pneumoperitônio (perfuração intestinal).
Deterioração clínica súbita grave (choque séptico).
Acidose metabólica refratária, coagulopatia grave.
Indicações Relativas:
Trombocitopenia progressiva (<50.000/mm³).
Pneumatose persistente >72h.
Massa abdominal palpável ou eritema abdominal.
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2.10 Protocolo de Reinício Alimentar Pós-Estabilização
Pré-requisitos: Ausência de sintomas por 72h, perímetro abdominal estável, RX normalizado.
Reiniciar dieta com leite materno, 1–2 mL/kg, aumentar 10–20 mL/kg/dia, monitorizar rigorosamente.
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2.11 Duração Estimada de Tratamento por Estágio
| Estágio | Jejum (NPO) | Antibioticoterapia | NPT |
| ------- | ----------- | ------------------ | ---------- |
| I | 3–5 dias | 7–10 dias | 3–7 dias |
| II | 7–14 dias | 14–21 dias | 14–21 dias |
| III | 14–21 dias | 21–28 dias | 21–42 dias |
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2.12 Critérios Claros de Alta Hospitalar da UTI
Estabilidade clínica ≥72h, tolerância alimentar completa.
Antibioticoterapia concluída e sem intercorrências.
Consulta ambulatorial precoce agendada (7–10 dias após alta).
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2.13 Sinais Precoces de Complicações Tardias
Estenose intestinal: distensão recorrente, vômitos biliosos.
Síndrome do intestino curto: diarreia crônica, má absorção.
Sequelas neurológicas: atraso desenvolvimento neuropsicomotor.
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2.14 Contraindicações e Precauções Fundamentais
Evitar fórmula láctea durante reinício precoce da dieta (preferir leite materno exclusivo).
Monitorizar rigorosamente nefrotoxicidade (aminoglicosídeos, vancomicina).
Evitar bloqueadores H2 e indometacina na fase aguda.
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2.15 Seguimento Ambulatorial Rigoroso Pós-Alta
Consulta inicial em até 1–2 semanas pós-alta.
Monitorização nutricional e gastrointestinal rigorosa.
Avaliação neurodesenvolvimento frequente até 24 meses.
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