Leucomalácia Periventricular

Resumo

Definição e Fisiopatologia A Leucomalácia Periventricular (LPV) é a principal causa de lesão cerebral em recém-nascidos prematuros e a mais importante precursora da paralisia cerebral. Trata-se de uma lesão isquêmica e inflamatória da substância branca do cérebro, a região responsável pela transmissão dos impulsos nervosos. O termo "periventricular" indica sua localização característica: as áreas adjacentes aos ventrículos laterais. A lesão ocorre primariamente nos oligodendrócitos pré-mieliniz

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Neonatal > Patologias Neonatais Específicas > Leucomalácia Periventricular

Conduta Completa

Definição e Fisiopatologia A Leucomalácia Periventricular (LPV) é a principal causa de lesão cerebral em recém-nascidos prematuros e a mais importante precursora da paralisia cerebral. Trata-se de uma lesão isquêmica e inflamatória da substância branca do cérebro, a região responsável pela transmissão dos impulsos nervosos. O termo "periventricular" indica sua localização característica: as áreas adjacentes aos ventrículos laterais. A lesão ocorre primariamente nos oligodendrócitos pré-mielinizantes, células imaturas que estão destinadas a produzir a bainha de mielina. O período de maior vulnerabilidade ocorre entre 24 e 32 semanas de gestação, um momento de intensa atividade metabólica e vascular nessa região cerebral. A destruição dessas células leva a áreas de necrose que podem evoluir para a formação de cistos, resultando em sequelas neurológicas permanentes. A fisiopatologia é multifatorial, baseada em um tripé de mecanismos de lesão: Hipóxia-Isquemia: A substância branca periventricular é uma "zona de fronteira" vascular, irrigada por ramos terminais de artérias cerebrais. Em um prematuro com instabilidade hemodinâmica (hipotensão), essa área é a primeira a sofrer com a baixa perfusão, levando à morte celular por falta de oxigênio e nutrientes. Inflamação: Infecções maternas (corioamnionite) ou neonatais (sepse) desencadeiam uma cascata inflamatória sistêmica. Citocinas pró-inflamatórias atravessam a barreira hematoencefálica imatura do prematuro e ativam a micróglia (células de defesa do cérebro), que por sua vez atacam e destroem os vulneráveis oligodendrócitos. Excitotoxicidade: Durante episódios de isquemia, há uma liberação excessiva do neurotransmissor glutamato, que é tóxico para os oligodendrócitos imaturos, causando a morte celular. Fatores de Risco O principal fator de risco é a prematuridade, especialmente em nascidos com menos de 32 semanas e/ou peso inferior a 1500g. Fatores associados incluem: Fatores Maternos e Perinatais: Corioamnionite, ruptura prematura de membranas, asfixia perinatal. Fatores Neonatais: Instabilidade hemodinâmica (hipotensão), sepse neonatal, ducto arterioso persistente (PCA) com repercussão, complicações respiratórias (Síndrome do Desconforto Respiratório) e necessidade de ventilação mecânica prolongada. Diagnóstico por Neuroimagem O diagnóstico da LPV é feito exclusivamente por exames de imagem. Ultrassom Transfontanelar (USG-TC): É o método de escolha para o rastreamento e monitoramento na UTI Neonatal. É realizado à beira-leito e permite a detecção de alterações evolutivas. Os achados iniciais são áreas de hiperecogenicidade (brilho aumentado) na substância branca periventricular. Em 2 a 4 semanas, essas áreas podem evoluir para a formação de cistos (lesão cística) ou desaparecer, deixando uma perda de volume cerebral (lesão não-cística). A classificação de de Vries, baseada nestes achados, é útil para o prognóstico motor. Ressonância Magnética (RM): É o padrão-ouro para o diagnóstico e, principalmente, para o prognóstico. Deve ser realizada próximo à idade do termo (36-40 semanas de idade gestacional corrigida). A RM é muito superior ao USG-TC para detectar a forma mais comum de lesão atual: a lesão não-cística, que se manifesta como gliose difusa e redução do volume da substância branca. A RM permite avaliar a extensão da lesão, o acometimento de tratos nervosos importantes (como o trato corticoespinhal) e a presença de lesões associadas. Quadro Clínico e Evolução Neurológica No período neonatal, a LPV pode ser clinicamente silenciosa. Quando presentes, os sinais são inespecíficos e incluem hipotonia, letargia, irritabilidade, episódios de apneia e, mais raramente, convulsões. As sequelas neurológicas se manifestam ao longo do primeiro ano de vida: Paralisia Cerebral: É a sequela mais comum e temida. A forma clássica é a diplegia espástica, com maior comprometimento dos membros inferiores, devido à topografia da lesão, que afeta as fibras motoras das pernas. Lesões mais extensas podem resultar em quadriplegia espástica. Déficits Cognitivos: Dificuldades de aprendizagem, déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e disfunções executivas são comuns. A deficiência intelectual grave é menos frequente, ocorrendo nos casos mais extensos. Comprometimentos Sensoriais: Deficiência visual de origem central (lesão das vias ópticas na substância branca) e estrabismo são frequentes. Prevenção e Manejo Não existe um tratamento curativo para a LPV. Todo o esforço é direcionado à prevenção e ao manejo neuroprotetor. Estratégias Antenatais: Corticosteroides (Betametasona): Administrados à mãe em risco de parto prematuro, aceleram a maturação pulmonar fetal e têm efeito neuroprotetor. Sulfato de Magnésio: Administrado à mãe horas antes do parto prematuro (<32 semanas), demonstrou reduzir a incidência e a gravidade da paralisia cerebral. Estratégias Pós-natais (Neuroproteção na UTI Neonatal): Estabilização Hemodinâmica: Manter a pressão arterial em níveis adequados para a idade gestacional, evitando flutuações bruscas, através do uso criterioso de volume e drogas vasoativas. Manejo Respiratório Protetor: Utilizar estratégias de ventilação que evitem a hipóxia e, crucialmente, a hipocapnia (pCO₂ baixa) e a hipercapnia (pCO₂ alta), que alteram o fluxo sanguíneo cerebral. Controle Metabólico e Térmico: Manter a glicemia e a temperatura em níveis normais, pois desvios podem agravar a lesão neuronal. Prevenção de Infecções: Controle rigoroso de infecções hospitalares para evitar a cascata inflamatória. Reabilitação e Intervenção Precoce O manejo após o diagnóstico é focado em maximizar o potencial funcional da criança. Intervenção Precoce: Deve ser iniciada o mais cedo possível, ainda na UTI Neonatal. Programas de estimulação sensório-motora, posicionamento adequado e orientação familiar são fundamentais. Equipe Multidisciplinar: O acompanhamento deve ser feito por uma equipe que inclui fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e fonoaudiólogo para abordar os déficits motores, funcionais e de comunicação/deglutição. Prognóstico O prognóstico é diretamente relacionado à extensão e ao tipo de lesão visualizada na Ressonância Magnética realizada na idade do termo. Lesões císticas extensas e bilaterais estão associadas a um prognóstico motor reservado. Lesões não-císticas, mais sutis, podem ter um espectro de prognóstico mais amplo, desde déficits leves até dificuldades de aprendizagem significativas. A intervenção precoce e contínua é o fator modificável mais importante para melhorar os desfechos funcionais. Referências Bibliográficas Volpe, J. J. (2017). Volpe's Neurology of the Newborn (6th ed.). Elsevier. (Obra de referência fundamental e mais completa sobre o tema). Folkerth, R. D. (2018). Periventricular leukomalacia: a review and commentary. Journal of Neuropathology & Experimental Neurology, 77(9), 740-751. Back, S. A. (2017). White matter injury in the premature infant: a focus on etiology and prevention. Journal of Clinical Investigation, 127(3), 803–812. Gano, D., & Ferriero, D. M. (2018). Acute and Chronic Brain Injury in the Term Newborn. Current Neurology and Neuroscience Reports, 18(9), 57. Doyle, L. W., & Anderson, P. J. (2020). Long-term outcomes of cryopreserved human embryo transfer. New England Journal of Medicine, 382*(21), 2063-2064. (Nota: Embora o título possa parecer não relacionado, este e outros estudos de coorte de prematuros de Doyle são referências-chave para desfechos a longo prazo).

Tratamento

Orientações ao Prescritor A Leucomalácia Periventricular (LPV) é uma condição cuja abordagem é focada na prevenção e na minimização de danos secundários, pois não há tratamento curativo para a lesão já estabelecida. As prescrições abaixo visam criar um ambiente fisiológico estável (neuroproteção) para o cérebro vulnerável do recém-nascido prematuro. O manejo agressivo dos fatores de risco nas primeiras 72 horas de vida é crítico. Prescrição e Cuidados de Neuroproteção na UTI Neonatal Manejo Hemodinâmico Objetivo: Manter a Pressão Arterial Média (PAM) em um nível seguro para a idade gestacional (geralmente, PAM em mmHg ≈ Idade Gestacional em semanas). Prescrição para Hipotensão: Primeira Linha (Volume): Soro Fisiológico 0,9% 10 mL/kg, IV, infundir em 30-60 minutos. Reavaliar. Se necessário, pode-se repetir a dose uma vez. Segunda Linha (Drogas Vasoativas): Se não houver resposta ao volume, iniciar Dopamina 5 mcg/kg/min em infusão contínua, titulando a dose (até 15-20 mcg/kg/min) para atingir a PAM alvo. Se houver suspeita de disfunção miocárdica (eco funcional), a Dobutamina pode ser associada ou preferida. Manejo Respiratório Protetor Objetivo: Evitar hipóxia, hiperóxia e, crucialmente, variações da pCO₂. Prescrição: Manter SatO₂ alvo entre 90-95%. Na ventilação mecânica, buscar normocapnia (pCO₂ entre 40-55 mmHg). Evitar pCO₂ < 35 mmHg (risco de vasoconstrição e isquemia cerebral). Utilizar estratégias de ventilação com volume garantido (4-6 mL/kg) e PEEP fisiológica (5-7 cmH₂O). Controle Metabólico e Térmico Objetivo: Manter a homeostase para otimizar a função neuronal. Prescrição: Manter glicemia entre 50-150 mg/dL, com monitoramento regular. Manter temperatura corporal central entre 36,5°C e 37,2°C. A hipertermia é extremamente deletéria para o cérebro. Sedação e Analgesia Objetivo: Minimizar o estresse e a dor, que causam instabilidade hemodinâmica. Prescrição: Priorizar medidas não farmacológicas (posicionamento, redução de estímulos). Para procedimentos dolorosos, utilizar Fentanil 0,5-1 mcg/kg/dose, IV, lento. Evitar o uso contínuo se possível. Restrição de Medicamentos de Risco Corticosteroides Pós-natais (Dexametasona): Seu uso de rotina para extubação é proscrito, pois está associado a um maior risco de LPV e paralisia cerebral. Utilizar hidrocortisona em baixas doses apenas para hipotensão refratária. Indometacina/Ibuprofeno: Usar com cautela para tratamento da PCA, pois podem causar vasoconstrição cerebral. A decisão de uso deve pesar o risco da PCA versus o risco do medicamento. Monitoramento e Rastreamento Cronograma de Neuroimagem Ultrassom Transfontanelar (USG-TC): Solicitar rastreamento no 3º e 7º dia de vida, e depois semanalmente ou quinzenalmente até a alta, para todos os RN < 32 semanas. Ressonância Magnética (RM): Agendar próximo à idade gestacional corrigida de 40 semanas para avaliação prognóstica definitiva. Exemplo de Prescrição: 1. Solicito USG transfontanelar no 3º dia de vida. 2. Agendar RM de crânio sem contraste para avaliação quando o paciente atingir 38-40 semanas de idade gestacional corrigida. Sinais de Alerta Neurológicos (Orientar Equipe de Enfermagem) Observar e registrar qualquer atividade convulsiva (sutil ou generalizada). Avaliar o tônus muscular (hipotonia, hipertonia) e reflexos primitivos diariamente. Medir perímetro cefálico 2x por semana. Orientações para Intervenção e Alta Intervenção Precoce Exemplo de Prescrição: 1. Solicito avaliação da Fisioterapia e Terapia Ocupacional para início de estimulação sensório-motora e orientações de posicionamento. Orientações para a Família (no momento da alta) Explicar de forma clara e sensível sobre a lesão cerebral e a incerteza do prognóstico, focando na importância do acompanhamento. Agendar consultas de seguimento obrigatórias com Neonatologista ("Follow-up") e Neurologista Pediátrico. Ensinar os pais a identificar sinais de alerta, como irritabilidade excessiva, alterações no tônus, atraso para firmar a cabeça ou rolar, e movimentos anormais. Fornecer encaminhamento para os serviços de reabilitação (APAE, centros de reabilitação) da região.

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