Avaliação do Crescimento

Resumo

1. Definição e Contexto Clínico A avaliação do crescimento é um processo longitudinal de vigilância da saúde infantil e do adolescente, baseado em medições antropométricas seriadas, como peso, estatura e perímetro cefálico. Trata-se de um dos indicadores mais sensíveis da saúde geral, refletindo o estado nutricional, a função endócrina e a ausência de doenças crônicas significativas. A detecção precoce de desvios nos padrões de crescimento é fundamental para o diagnóstico e manejo de diversas co

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Puericultura > Crescimento e Desenvolvimento > Avaliação do Crescimento

Conduta Completa

1. Definição e Contexto Clínico A avaliação do crescimento é um processo longitudinal de vigilância da saúde infantil e do adolescente, baseado em medições antropométricas seriadas, como peso, estatura e perímetro cefálico. Trata-se de um dos indicadores mais sensíveis da saúde geral, refletindo o estado nutricional, a função endócrina e a ausência de doenças crônicas significativas. A detecção precoce de desvios nos padrões de crescimento é fundamental para o diagnóstico e manejo de diversas condições patológicas. 2. Fisiopatologia O crescimento somático é um processo complexo regulado pela interação de fatores genéticos, nutricionais, psicossociais e hormonais. O principal eixo endócrino envolvido é o do hormônio do crescimento (GH), produzido pela hipófise, que estimula a produção hepática do fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 (IGF-1). Outros hormônios, como os tireoidianos, glicocorticoides e esteroides sexuais, desempenham papéis permissivos e modulatórios essenciais, especialmente durante o estirão puberal. 3. Etiologia e Fatores de Risco As causas de alterações no crescimento são divididas em variantes da normalidade e causas patológicas. Variantes da Normalidade: Baixa estatura familiar: Crianças com estatura abaixo do percentil 3, mas com velocidade de crescimento normal e idade óssea compatível com a cronológica, inseridas em um canal de crescimento familiar baixo. Atraso constitucional do crescimento e da puberdade: Caracterizado por baixa estatura temporária, velocidade de crescimento normal e idade óssea atrasada, com histórico familiar de "estirão tardio". Causas Patológicas: Doenças sistêmicas crônicas: Insuficiência renal crônica, cardiopatias, doenças inflamatórias intestinais, doença celíaca e fibrose cística. Desnutrição: Causa mais comum de déficit de crescimento em escala global. Causas endócrinas: Deficiência de GH, hipotireoidismo, excesso de glicocorticoides (Síndrome de Cushing) e puberdade precoce. Síndromes genéticas: Síndrome de Turner, Síndrome de Noonan, Síndrome de Prader-Willi e displasias esqueléticas. Pequeno para a idade gestacional (PIG): Crianças que nascem com peso e/ou comprimento abaixo do percentil 10 e não realizam o crescimento de recuperação (catch-up) nos primeiros dois anos. 4. Avaliação Clínica e Diagnóstico Manifestações Clínicas A principal manifestação é a baixa estatura, definida como estatura < -2 desvios-padrão (DP) ou < percentil 3 para idade e sexo, ou uma velocidade de crescimento baixa. Outros sinais podem incluir atraso ou avanço puberal, dismorfismos faciais, desproporção corporal ou sinais de doenças crônicas subjacentes. Exame Físico A avaliação deve ser completa, incluindo aferição precisa de peso e estatura para plotagem em curvas de crescimento adequadas (OMS, CDC). É essencial calcular a velocidade de crescimento (cm/ano). O exame deve incluir a avaliação das proporções corporais (relação segmento superior/inferior, envergadura), estadiamento puberal de Tanner e busca ativa por estigmas sindrômicos ou sinais de doenças sistêmicas. Avaliação de Gravidade A gravidade é determinada pelo grau de desvio da média (escore-Z) e, mais importante, pela velocidade de crescimento. Sinal de alarme: Velocidade de crescimento < percentil 25 para a idade ou queda de percentis na curva de crescimento. Baixa estatura grave: Estatura < -3 DP. Diagnóstico Diferencial O diagnóstico diferencial é amplo e guiado pela anamnese e exame físico. A primeira etapa é diferenciar as variantes da normalidade das causas patológicas. A velocidade de crescimento é o parâmetro mais importante: uma velocidade de crescimento persistentemente baixa quase sempre indica uma condição patológica subjacente. 5. Exames Complementares Laboratoriais A solicitação deve ser racional e baseada na suspeita clínica. Triagem inicial: Hemograma completo, provas de atividade inflamatória (VHS, PCR), função renal e hepática, eletrólitos, gasometria venosa, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, albumina, TSH e T4 livre. Investigação específica: Doença celíaca: Anticorpo anti-transglutaminase IgA. Suspeita de Síndrome de Turner: Cariótipo em todas as meninas com baixa estatura sem causa definida. Avaliação do eixo GH-IGF-1: Dosagem de IGF-1 e IGFBP-3. Se baixos, proceder com testes de estímulo para secreção de GH (ex: clonidina, insulina), que devem ser realizados em ambiente hospitalar. Imagem Radiografia de mãos e punhos para idade óssea: Exame fundamental para avaliar o potencial de crescimento restante e auxiliar no diagnóstico diferencial entre baixa estatura familiar (idade óssea normal) e atraso constitucional (idade óssea atrasada). Ressonância magnética de sela túrcica: Indicada quando há diagnóstico de deficiência de GH para avaliar a região hipotálamo-hipofisária. 6. Manejo e Tratamento O manejo é direcionado à causa base. Doenças crônicas devem ser controladas, e o estado nutricional, otimizado. Variantes da normalidade: Geralmente não requerem tratamento, apenas acompanhamento e orientação familiar. Hipotireoidismo: Reposição com levotiroxina. Deficiência de Hormônio do Crescimento (DGH) e outras indicações: O tratamento é feito com somatropina (rhGH), um hormônio de crescimento humano recombinante. As principais indicações aprovadas incluem DGH, Síndrome de Turner, Síndrome de Prader-Willi, insuficiência renal crônica, crianças nascidas pequenas para a idade gestacional (PIG) que não realizaram catch-up* e baixa estatura idiopática (em alguns países). O tratamento deve ser conduzido por um endocrinologista pediátrico e mantido até o final do crescimento. 7. Complicações As complicações estão mais associadas à condição de base do que à baixa estatura em si. A baixa estatura pode ter repercussões psicossociais importantes. O tratamento com rhGH é geralmente seguro, mas requer monitoramento para efeitos adversos como hipertensão intracraniana benigna, intolerância à glicose e epifisiólise. 8. Prognóstico e Seguimento O prognóstico da estatura final depende da etiologia, da idade ao diagnóstico e da intervenção. O seguimento clínico deve ser regular, com medições antropométricas a cada 3 a 6 meses para reavaliação da velocidade de crescimento e ajuste terapêutico, se necessário. Pacientes em uso de rhGH necessitam de monitoramento laboratorial periódico. 9. Prevenção A prevenção primária envolve cuidados pré-natais adequados, promoção do aleitamento materno e nutrição adequada na infância. A prevenção secundária consiste na vigilância ativa do crescimento em consultas de puericultura, permitindo a identificação e intervenção precoces. Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Deficiência do Hormônio do Crescimento (Hipopituitarismo). Brasília: MS, 2019. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Síndrome de Turner. Brasília: MS, 2018. COLLETT-SOLBERG, P. F. et al. Consensus statement on the use of growth hormone in children. Jornal de Pediatria, v. 81, n. 5, p. s235-s244, 2005. DEODATI, A.; CIANFARANI, S. The rationale for growth hormone therapy in children born small for gestational age. Journal of Clinical Research in Pediatric Endocrinology, v. 3, n. 3, p. 105-111, 2011. LOPES, F. A.; CAMPOS JUNIOR, D. (Org.). Tratado de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 4. ed. Barueri: Manole, 2017. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. WHO Child Growth Standards: Length/height-for-age, weight-for-age, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age: Methods and development. Geneva: WHO, 2006. RICHMOND, E.; ROGOL, A. D. Treatment of the child with short stature. Growth Hormone & IGF Research, v. 18, n. 2, p. 93-106, 2008.

Tratamento

1. Orientações Gerais ao Prescritor A avaliação do crescimento é um processo longitudinal. Uma única medida isolada tem valor limitado. A meta principal é identificar a etiologia do desvio de crescimento, diferenciando variantes da normalidade de condições patológicas. O tratamento é altamente específico para a causa subjacente. A terapia com hormônio de crescimento (somatropina) possui indicações restritas e deve ser manejada por especialista. A educação familiar sobre o processo diagnóstico e as expectativas de tratamento é crucial. 2. Prescrição para Avaliação Inicial Ambulatorial Solicitação de Exames Laboratoriais (Triagem Inicial) 1. Hemograma completo 2. Velocidade de hemossedimentação (VHS) e Proteína C reativa (PCR) 3. Ureia e Creatinina 4. Sódio, Potássio 5. Gasometria venosa (para avaliação de acidose tubular renal) 6. Cálcio, Fósforo e Fosfatase Alcalina 7. Albumina, Transaminases (TGO/TGP) 8. TSH e T4 livre 9. Anticorpo anti-transglutaminase IgA e IgA total 10. Urina tipo I Solicitação de Exames de Imagem 1. Radiografia de mãos e punhos para avaliação da idade óssea. Orientações para a Família 1. Agendar retorno em 3-4 meses para reavaliação da velocidade de crescimento. Trazer o cartão de crescimento e medições anteriores, se houver. 2. Manter um registro alimentar da criança por 3 dias antes da consulta de retorno. 3. Esquemas Terapêuticos (Exemplos para Causas Específicas) Atenção: O tratamento com somatropina é de uso contínuo e deve ser prescrito em receituário de controle especial em duas vias. Deficiência de Hormônio do Crescimento (DGH) Prescrição: 1. Somatropina (apresentações variam: 4 UI, 12 UI, 15 UI, 30 UI) Dose: Iniciar com 0,025 a 0,035 mg/kg/dia (equivalente a aprox. 0,075-0,1 UI/kg/dia). Via de Administração: Subcutânea (SC), em rodízio de locais (abdome, coxas, glúteos, braços). Frequência: Uma vez ao dia, preferencialmente à noite, antes de dormir. Instruções: Fornecer treinamento detalhado sobre a técnica de aplicação, armazenamento (refrigeração) e descarte de materiais. Síndrome de Turner Prescrição: 1. Somatropina (apresentações variam) Dose: 0,045 a 0,050 mg/kg/dia (equivalente a aprox. 0,135-0,15 UI/kg/dia). Via de Administração: Subcutânea (SC), em rodízio de locais. Frequência: Uma vez ao dia, preferencialmente à noite. Crianças Nascidas Pequenas para a Idade Gestacional (PIG) Prescrição: 1. Somatropina (apresentações variam) Dose: Iniciar com 0,035 mg/kg/dia (equivalente a aprox. 0,1 UI/kg/dia), podendo ser ajustada até 0,067 mg/kg/dia conforme a resposta. Via de Administração: Subcutânea (SC), em rodízio de locais. Frequência: Uma vez ao dia, preferencialmente à noite. 4. Monitoramento da Terapia com Somatropina Parâmetros a monitorar: Clínicos (a cada 3-6 meses): Peso e Estatura (para cálculo da velocidade de crescimento). Estadiamento puberal (Tanner). Pressão arterial. Exame de fundo de olho (se houver queixa de cefaleia ou alterações visuais). Laboratoriais (anualmente): IGF-1 (para avaliar resposta e segurança; coletar 8-12h após a aplicação). Glicemia de jejum e Hemoglobina glicada. TSH e T4 livre (risco de hipotireoidismo central). Imagem (anualmente): Radiografia de mãos e punhos para idade óssea. 5. Manejo de Efeitos Adversos/Complicações Cefaleia ou alterações visuais: Suspender a medicação e investigar hipertensão intracraniana benigna (pseudotumor cerebral). O tratamento pode ser reiniciado com dose menor após resolução do quadro. Dor em quadril ou joelho: Investigar epifisiólise da cabeça do fêmur. Suspender a medicação e solicitar avaliação ortopédica de urgência. Hiperglicemia: Monitorar e, se persistente, considerar ajuste de dose ou reavaliar a indicação. 6. Orientações para a Família (Terapia com Somatropina) Fornecer por escrito: 1. Sobre a Condição: Explicação clara sobre o diagnóstico (ex: "Seu filho(a) não produz hormônio do crescimento em quantidade suficiente, e por isso faremos a reposição para que ele(a) possa atingir uma estatura adequada."). 2. Sobre o Tratamento: A aplicação é diária, por via subcutânea, e deve ser feita à noite. A adesão ao tratamento é o fator mais importante para o sucesso. O medicamento deve ser armazenado em geladeira (2 a 8°C), sem congelar. 3. Sinais de Alerta para Contato Médico Imediato: Dor de cabeça forte, persistente ou associada a vômitos e alterações na visão. Dor no quadril ou joelho que cause dificuldade para andar (mancar). Sede excessiva ou aumento do volume de urina. Surgimento de escoliose ou piora de uma já existente. 4. Retorno Programado: Reavaliação clínica em 3 meses para a primeira checagem da velocidade de crescimento. 7. Critérios para Encaminhamento ao Especialista (Endocrinologista Pediátrico) Estatura < -2,5 DP para a idade e sexo. Velocidade de crescimento < percentil 10 para a idade, mantida por 6-12 meses. Estatura abaixo do canal familiar esperado. Presença de sinais ou sintomas sugestivos de endocrinopatia (ex: hipotireoidismo, puberdade precoce/atrasada). Presença de dismorfismos ou desproporção corporal. Qualquer criança com indicação de investigação do eixo GH-IGF-1.

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