Choque Séptico
Resumo
Definição e Fisiopatologia
O Choque Séptico é uma subcategoria da sepse, caracterizada por uma disfunção circulatória e celular/metabólica profunda, associada a um risco de mortalidade substancialmente maior que a sepse isolada. É o resultado de uma resposta inflamatória sistêmica desregulada do hospedeiro a uma infecção, levando a uma falha circulatória aguda. Em pediatria, é uma emergência tempo-dependente e uma das principais causas de morte em UTIs.
A fisiopatologia é complexa, envolvendo:
Categoria
Urgências e Emergências > Emergências Circulatórias (Choque) > Choque Séptico
Conduta Completa
Definição e Fisiopatologia
O Choque Séptico é uma subcategoria da sepse, caracterizada por uma disfunção circulatória e celular/metabólica profunda, associada a um risco de mortalidade substancialmente maior que a sepse isolada. É o resultado de uma resposta inflamatória sistêmica desregulada do hospedeiro a uma infecção, levando a uma falha circulatória aguda. Em pediatria, é uma emergência tempo-dependente e uma das principais causas de morte em UTIs.
A fisiopatologia é complexa, envolvendo:
Vasodilatação Maciça: Mediadores inflamatórios (como o óxido nítrico) causam uma perda generalizada do tônus vascular, levando à hipovolemia relativa e hipotensão.
Aumento da Permeabilidade Capilar: O endotélio se torna "vazante", permitindo a saída de fluido do espaço intravascular para o interstício (terceiro espaço), o que agrava a hipovolemia.
Disfunção Miocárdica: Citocinas inflamatórias têm um efeito depressor direto sobre o miocárdio, reduzindo sua contratilidade e contribuindo para o baixo débito cardíaco.
Disfunção Mitocondrial e Metabólica: As células perdem a capacidade de utilizar o oxigênio de forma eficiente, levando a um metabolismo anaeróbico e produção de lactato, mesmo com oferta de oxigênio aparentemente adequada.
Reconhecimento Clínico e Diagnóstico
O diagnóstico precoce é a chave para a sobrevida. O choque séptico em crianças pode se apresentar de duas formas principais:
Choque Quente (Hiperdinâmico): Mais comum em crianças maiores. É caracterizado por vasodilatação periférica.
Sinais: Extremidades quentes e rosadas, pulsos periféricos amplos e "saltitantes", enchimento capilar rápido (<2s), e pressão de pulso alargada. A criança está taquicárdica e geralmente hipotensa.
Choque Frio (Hipodinâmico): Mais comum em neonatos e lactentes. É caracterizado por vasoconstrição periférica e/ou disfunção miocárdica.
Sinais: Extremidades frias, pálidas ou mosqueadas (moteadas), pulsos periféricos fracos ou ausentes, e enchimento capilar lento (>2s). É um quadro de baixo débito cardíaco.
Critérios Diagnósticos (Consenso Pediátrico Internacional):
O diagnóstico de choque séptico é feito em uma criança com infecção suspeita ou confirmada que apresenta disfunção cardiovascular, manifestada por:
Hipotensão arterial (abaixo do percentil 5 para a idade) OU
Necessidade de drogas vasoativas para manter a pressão arterial normal E/OU
Pelo menos dois dos seguintes sinais de má perfusão: alteração do estado mental, enchimento capilar >2s ou rápido com vasodilatação, pulsos periféricos diminuídos ou amplos, extremidades mosqueadas ou frias, e débito urinário <1 mL/kg/h.
Manejo na Primeira Hora ("Golden Hour")
O tratamento do choque séptico é baseado em um pacote de intervenções ("bundle") que deve ser completado na primeira hora após o reconhecimento.
1. Reconhecimento e Acesso Vascular: Iniciar oxigenoterapia de alto fluxo e obter acesso IV ou IO imediatamente.
2. Coleta de Culturas: Coletar hemoculturas (e outras culturas, se indicado) antes de iniciar os antibióticos, sem que isso atrase o tratamento.
3. Administração de Antibióticos: Iniciar antibióticos de amplo espectro por via endovenosa.
4. Ressuscitação Volêmica: Administrar bolus agressivos de cristaloides.
5. Drogas Vasoativas: Iniciar precocemente se o choque for refratário a fluidos.
6. Monitoramento do Lactato: Medir o lactato inicial como marcador de hipoperfusão.
Abordagem Terapêutica Detalhada
Fluidoterapia:
Fluido: Cristaloides isotônicos (Soro Fisiológico 0,9% ou Ringer Lactato).
Dose: Bolus de 20 mL/kg em 5-20 minutos. Reavaliar a perfusão após cada bolus. É comum a necessidade de 40-60 mL/kg na primeira hora.
Cuidado: Monitorar sinais de sobrecarga hídrica (estertores pulmonares, hepatomegalia).
Terapia Vasoativa: É indicada se a hipotensão ou os sinais de má perfusão persistirem após 40-60 mL/kg de volume. A escolha da droga é guiada pelo fenótipo do choque:
Para Choque Quente (vasodilatado): Norepinefrina é a primeira escolha para aumentar a resistência vascular sistêmica.
Para Choque Frio (baixo débito): Epinefrina é a primeira escolha por seu potente efeito inotrópico e cronotrópico.
Antibioticoterapia Empírica: A escolha deve ser baseada na idade do paciente, no foco suspeito da infecção e nos padrões de resistência locais. Um esquema comum para crianças previamente hígidas é a associação de uma cefalosporina de 3ª geração (Ceftriaxona) com Vancomicina (para cobrir S. aureus resistente). Em pacientes com risco de infecção hospitalar, esquemas mais amplos (Carbapenêmicos) são necessários.
Terapias Adjuvantes:
Corticosteroides: A Hidrocortisona em "doses de estresse" é indicada em casos de choque séptico refratário a fluidos e vasopressores, para tratar a insuficiência adrenal relativa.
Monitoramento e Metas Terapêuticas
Metas Clínicas: Normalização da frequência cardíaca, pressão arterial, enchimento capilar <2s, pulsos normais, débito urinário >1 mL/kg/h e melhora do nível de consciência.
Metas Laboratoriais: Normalização ou queda do lactato sérico e normalização da saturação venosa central de oxigênio (SvcO₂) >70%, se monitorada.
Prognóstico
O prognóstico do choque séptico depende diretamente da rapidez do reconhecimento e da agressividade do tratamento inicial. Atrasos na administração de fluidos e antibióticos estão diretamente associados ao aumento da mortalidade, que pode variar de 10% a mais de 40% em casos com disfunção de múltiplos órgãos.
Referências Bibliográficas
1. Weiss, S. L., Peters, M. J., Alhazzani, W., et al. (2020). Surviving Sepsis Campaign International Guidelines for the Management of Septic Shock and Sepsis-Associated Organ Dysfunction in Children. Pediatric Critical Care Medicine, 21(2), e52-e106. (A diretriz internacional mais importante e atual, leitura obrigatória).
2. Davis, A. L., Carcillo, J. A., Aneja, R. K., et al. (2017). American College of Critical Care Medicine Clinical Practice Parameters for Hemodynamic Support of Pediatric and Neonatal Septic Shock. Critical Care Medicine, 45(6), 1061-1093. (Foco detalhado no suporte hemodinâmico e na escolha de drogas vasoativas).
3. Goldstein, B., Giroir, B., & Randolph, A. (2005). International pediatric sepsis consensus conference: definitions for sepsis and organ dysfunction in pediatrics. Pediatric Critical Care Medicine, 6(1), 2-8. (O artigo fundamental que estabeleceu as definições de sepse e SIRS em pediatria, ainda amplamente utilizado).
4. Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS). (Site da organização). (Fornece protocolos, dados e diretrizes adaptadas à realidade da América Latina, incluindo o Brasil. Disponível em: ilas.org.br).
5. Carcillo, J. A., & Fields, A. I. (2002). Clinical practice parameters for hemodynamic support of pediatric and neonatal patients in septic shock. Critical Care Medicine, 30(6), 1365-1378. (Artigo clássico que ajudou a moldar a abordagem moderna com metas terapêuticas).
6. Schlapbach, L. J., & Kissoon, N. (2018). Defining Pediatric Sepsis. JAMA Pediatrics, 172*(4), 312-314. (Editorial discutindo a evolução das definições de sepse em pediatria).
Tratamento
Orientações ao Prescritor
O choque séptico é uma emergência tempo-crítica. As ações devem ser executadas em paralelo e dentro da primeira hora ("Golden Hour"). As prescrições devem ser claras e diretas. Não atrase os antibióticos e a ressuscitação volêmica.
Prescrição do "Bundle da Sepse - Primeira Hora"
1. Monitorização e Suporte Imediato:
Admitir em sala de emergência/UTI. Instalar monitor multiparamétrico contínuo (FC, FR, SatO₂, PNI).
Oferecer Oxigênio a 100% por máscara não reinalante.
Obter acesso vascular imediato (2 acessos IV periféricos ou, se falha, 1 Acesso Intraósseo).
2. Coleta de Exames de Urgência:
Coletar 2 pares de Hemoculturas (de sítios diferentes).
Coletar Gasometria Venosa com Lactato, Hemograma completo, Coagulograma, Eletrólitos, Glicemia, Função Renal e Hepática.
3. Iniciar Antibioticoterapia de Amplo Espectro IMEDIATAMENTE (dentro da 1ª hora):
Exemplo de Prescrição para Criança da Comunidade:
1. Ceftriaxona 100 mg/kg (máx. 2g), IV, agora.
2. Vancomicina 15 mg/kg, IV, agora (infundir em 1 hora).
Exemplo de Prescrição para Paciente com Fatores de Risco para Germes Hospitalares:
1. Meropenem 20 mg/kg, IV, agora.
2. Vancomicina 15 mg/kg, IV, agora (infundir em 1 hora).
4. Iniciar Ressuscitação Volêmica Agressiva:
Exemplo de Prescrição:
1. Soro Fisiológico 0,9%, 20 mL/kg, IV, em bolus rápido (infundir em 5-10 minutos).
2. Reavaliar perfusão, FC e PA após o término do bolus. Repetir bolus de 20 mL/kg se mantiver sinais de choque, até um total de 40-60 mL/kg.
Prescrição de Drogas Vasoativas (se Choque Refratário a Fluidos)
Indicação: Hipotensão ou má perfusão persistente após 40-60 mL/kg de volume.
Preparo: Todas as drogas devem ser administradas em bomba de infusão contínua, preferencialmente por acesso venoso central.
### Para Choque Frio (Baixo Débito, Vasoconstrição Periférica):
Droga de Escolha: Epinefrina (Adrenalina).
Exemplo de Prescrição:
1. Iniciar infusão contínua de Epinefrina 0.1 mcg/kg/min, IV. Titular a dose a cada 5-10 minutos (aumentando 0.05-0.1 mcg/kg/min) para atingir as metas terapêuticas (melhora da perfusão, PA, FC).
### Para Choque Quente (Vasodilatado):
Droga de Escolha: Norepinefrina (Noradrenalina).
Exemplo de Prescrição:
1. Iniciar infusão contínua de Norepinefrina 0.1 mcg/kg/min, IV. Titular a dose para manter a Pressão Arterial Média (PAM) alvo para a idade.
Prescrição de Terapias Adjuvantes
### Corticosteroides (para Choque Refratário):
Indicação: Choque que não responde a fluidos e necessita de doses crescentes de vasopressores.
Exemplo de Prescrição:
1. Hidrocortisona 2 mg/kg/dose, IV, de 6/6 horas.
### Correção de Distúrbios Metabólicos:
Hipoglicemia: Glicose 10%, 5 mL/kg, IV, ou Glicose 25%, 2 mL/kg, IV.
Hipocalcemia Ionizável: Gluconato de Cálcio 10%, 1 mL/kg (máx. 20 mL), IV, lento.
Metas Terapêuticas a serem Prescritas e Monitoradas
1. Manter Enchimento Capilar < 2 segundos.
2. Manter Pulsos periféricos presentes e normais.
3. Manter Débito Urinário > 1 mL/kg/hora (instalar sonda vesical de demora).
4. Manter nível de consciência normal.
5. Normalizar o lactato sérico (ou clearance > 10%/hora).
6. Manter Saturação Venosa Central (se monitorada) > 70%.
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